Por Sérgio Xavier, diretor de redação da revista Placar
Para alegrar os tranquilos dias de janeiro e fevereiro no litoral, o jornalista Sérgio Xavier e seu primo se envolviam em pequenas maldades contra os motoristas que facilmente atolavam seus carros na areia em traiçoeiro caminho rumo à praia de Imbé Norte.
Quem arrisca uma sesta no Imbé Norte de hoje nem imagina o que já foi aquilo. Agora é uma luta injusta e covarde. Não temos a menor chance contra o biscoito anunciado pela Kombi branca, já perdemos para o axé cuspido pelo porta-malas do carro rebaixado, as motocas com cano de descarga aberta reinventaram o sentido dos sons graves.
Mas nem sempre foi assim. Naqueles saudosos anos 70, o silêncio só não era absoluto porque os sapos mandavam no pedaço. Estavam em toda a parte e coaxavam dia e noite, sem fechar ao meio-dia. No mais, um tédio. Ninguém passava na rua, nenhum outro ruído, sobretudo na hora sagrada da sesta. E ai das crianças e pré-adolescentes que dessem um pio, o chinelo cantaria com certeza.
A rotina incluía um banho de mar por volta de 10h, Sala de Redação da uma às duas, futebol forte no final do dia, janta, novela, uma resenha e cama. Todos os dias de janeiro e fevereiro. O momento mais modorrento era a hora da sesta, que parecia durar uma vida. A hora do silêncio, maldito silêncio.
Nossa casa era a última, em muitos sentidos. Ficava no extremo norte e no extremo leste do balneário. Até por isso, não passava ninguém, não acontecia nada. A Avenida Garibaldi acabava praticamente na nossa frente. Até tinha Garibaldi por mais umas três quadras em direção ao mar, só que aí virava um caminho traiçoeiro.
Uma armadilha para os incautos que eventualmente tentavam chegar com o carro mais perto da praia. Parecia que dava, mas a areia ficava mais fofa aos pouquinhos, era facílimo atolar. E quando isso acontecia, ah, era uma festa. Eu trocava olhares cúmplices com meu primo Luís, e logo vinha a proposta: "Vamos ajudar?"
Pronto. Lá íamos nós para nos solidarizar com o coitado do motorista que tinha as rodas cobertas pela areia do Imbé Norte. Nem precisávamos combinar nada. Cada um ia para a lateral do carro e, logo após o "um, dois, três", fazíamos muita força. Só que uma força contrária. Todo mundo empurrando para a frente e nós para trás.
Adorávamos quando um simples atoleiro se tornava um drama de engenharia. Madeiras sendo procuradas para escorar as rodas, escavações para facilitar o caminho, cálculos, discussões, nossas tardes se enchiam de luz quando isso acontecia. Não era por mal, juro.
Olhando para trás, folgo em saber que melhorei como pessoa. Virei um sujeito solidário, ensinei aos meus filhos o valor da generosidade. Como é bom ajudar os outros. Mas, na hora dos atoleiros, não dava jeito: era preciso prolongar um pouco a brincadeira. Tenho certeza que todos aqueles motoristas hão de me perdoar, a sinfonia batráquia enlouquecia a gente.
Sabe quem é a pessoa na foto? Clique e dê seu palpite! A resposta será publicada na Zero Hora de quarta-feira.
Houve uma vez um verão
Nos anos 70, o silêncio em Imbé só não era absoluto porque os sapos mandavam no pedaço
Sérgio Xavier Filho, diretor de redação da Revista Placar, lembra dos verões silenciosos em que ele e o primo brincavam com os carros atolados na areia
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