Por Antonio Villeroy, músico
Um dia escaldante de lida no campo, seguido de um delicioso churrasco de ovelha (e nenhuma bebida disponível para menores de 18 anos), é a memória contada pelo músico Antonio Villeroy neste episódio da série publicada diariamente por ZH.
As férias de verão da minha infância eram imensas. Eu sempre passava por média no colégio e, quando acabavam as aulas, no começo de dezembro, olhava o futuro em perspectiva, vislumbrando banhos de piscina, Natal, Réveillon, depois algumas semanas na praia e um período na fazenda do meu tio, em São Gabriel.
Quando estava com 11 ou 12 anos, numa dessas temporadas campeiras, passei por um perrengue que me ensinou a ver o valor que devemos dar à água. O fato aconteceu numa lida de campo em que fomos com a peonada pegar o gado de uma invernada distante da estância para banhá-lo em uma fazenda vizinha, que ficava mais próxima daquele lote.
Quando o serviço foi concluído, rolou um churrasco de ovelha daqueles de engraxar os bigodes. O calor era quase sólido, e o ar, de tão seco, fazia ouvir-se o esqueleto dos insetos estalando. Os peões proseavam, contando a história da briga da mulher de um tratorista com dois brigadianos no baile do Clube das Canas.
E, em meio a risadas, serviam-se de cerveja, alheios a mim, a meu primo Didito e a Aristo, filho do capataz, que já secávamos por dentro, sem ter nada que pudéssemos beber. A casa da fazenda estava fechada, e as torneiras do lado de fora, quase emperradas, não davam notícia de uma gota sequer. Foi então que tivemos a ideia de procurar frutas no pomar.
Depois de muito vasculhar, encontramos uma horta mal cuidada com algumas melancias. Pegamos a maior e mais madura e a levamos a quatro braços até uma sombra, pois sabe-se que "não presta" comer melancia quente. E ficamos ali, olhando para aquele fruta gorda e tocando-a com os dedos, de vez em quando, para ver se havia resfriado.
Enquanto isso, a garganta continuava secando, e o suor, escorrendo. Acabamos dormindo, provavelmente com o sono povoado por camelos e miragens, até ouvirmos o grito de um peão chamando para retomar o caminho "das casa".
Voltamos sob mais duas horas de sol, os cavalos a passo curto, até chegarmos à estância, onde nos jogamos na geladeira, secando jarros de água e seguindo direto para o açude, para recuperar a alegria do dia. E, a alguns quilômetros dali, debaixo de alguma figueira, esperava-nos intocada nossa bem aventurada melancia.
Sabe quem é a pessoa na foto? Clique e dê seu palpite! A resposta será publicada na Zero Hora de quinta-feira.
Houve uma vez um verão
Após a lida e o churrasco de ovelha, esquecemos da melancia
Músico Antonio Villeroy relembra de um dia de muito calor na fazenda onde passava boa parte das férias
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