O ano era 2021. A psicóloga Vanessa Troleiz realizaria normalmente mais um dia de tarefas comuns do seu trabalho. Faria uma entrevista de recrutamento para um curso profissionalizante na instituição Pão dos Pobres, como fizera tantas outras vezes. Mas aquele dia, em específico, era diferente, porque seria quando ela conheceria o seu novo filho, o Victor, então com 15 anos.
–Eu só consigo encontrar uma explicação: que é uma ligação espiritual. Eu tenho muita fé em Deus e eu acho que é como se Ele quisesse ter cruzado os nossos caminhos e dito assim: "Vocês precisam se conhecer e vocês vão ajudar muito um ao outro". E foi isso que eu senti – conta a psicóloga, 38 anos.
Victor vivia em um lar de acolhimento e tinha o sonho de cursar Gastronomia. Depois da entrevista, o garoto foi aceito no curso e iniciou as aulas. Passado algum tempo, a psicóloga seguia com o menino na cabeça, com uma necessidade de cuidá-lo:
–Tiveram vários dias que eu me emocionava porque vinha a imagem dele, daquele olhar dele pulsando muito em mim. Eu pensava "Meu Deus, eu preciso cuidar dele".
A confirmação da reciprocidade da conexão veio quando a técnica social de Victor resolveu falar com a psicóloga sobre como o garoto estava se sentindo. Segundo ela, o menino tinha gostado muito de Vanessa e perguntava, diversas vezes, sobre ela. Foi nesse momento em que a psicóloga pensou em apadrinhá-lo:
–Nós começamos a nos aproximar e eu acompanhei ele na aprendizagem. Enfim, eu não conseguia esquecer esse carinho, esse afeto. Aí, eu entrei com o pedido de apadrinhamento.
O pedido foi aceito judicialmente e Victor começou a frequentar a casa de Vanessa quinzenalmente. Participou das festas de fim de ano com os que seriam, mais para frente, seus irmãos, e deixou uma marca de amor na sua futura família.
Segundo a psicóloga, o primeiro fim de semana do menino em sua casa, ainda como apadrinhado, foi muito emocionante, mas também tenso, porque ela carregava uma angústia de que, no domingo, teria que levá-lo de volta ao abrigo.
–Na ocasião, meus filhos menores se abraçaram em mim e pediram: "Mãe, por favor, deixa o Victor aqui. Não vamos levar ele embora"– relata Vanessa.
Eu tenho muita fé em Deus e eu acho que é como se Ele quisesse ter cruzado os nossos caminhos.
VANESSA TROLEIZ
Mãe de Victor
Nesse momento, a psicóloga conta que seu coração ficou balançado, mas também lembrou da importância de ter os pés no chão e um senso de responsabilidade antes de adotar uma criança, pois são necessários diversos recursos para garantir uma vida digna para o novo membro da família.
– Eu precisava ter o espaço dele em casa, precisava ter condições financeiras para garantir psicólogo, psiquiatra e os atendimentos todos que ele necessita. O que eu pude fazer, para deixar meus filhos e o Victor mais seguros nesse retorno dele para o abrigo, foi sobre a questão do acolhimento. Eu sempre me mantive muito presente, porque ele passou a ser um filho. Um filho que não estava morando comigo – descreve.
Adoção próxima à maioridade
Em 2023, porém, a maioridade de Victor estava batendo na porta e, com ela, uma nova questão: o menino teria que se desvincular do abrigo e passar a morar em um residencial inclusivo. Foi diante dessa situação que Vanessa iniciou o processo de adoção do seu filho. Em agosto do ano passado, a psicóloga entrou com o pedido de guarda para a Justiça e, em janeiro de 2024, Victor começou a morar com ela em um processo de experiência familiar. E foi em fevereiro deste ano que o processo de adoção de Victor foi finalizado e ele passou a ser filho de Vanessa também legalmente.
– A equipe técnica queria adiar mais um tempo, aumentar o período de experiência familiar, mas eu disse que eu não mudaria de ideia. A juíza sentiu fé em mim e aceitou meu pedido de que naquele dia se finalizasse esse vínculo de acolhimento. Então, desde o dia 28 de fevereiro de 2024, eu ganhei mais um filho – conta a psicóloga.
Nova família
Vanessa é mãe solo de, agora, cinco filhos. Guilherme e Eduardo, gêmeos de 21 anos, Gustavo, de 14, Valentina, de 13, e Victor, de 18 anos. A psicóloga tem a presença de sua rede de apoio, seus pais, que a ajudam quando precisa.
Ao escolher adotar o menino, a psicóloga sofreu julgamentos, principalmente, por já ter outros filhos biológicos. Além disso, ela explica que o perfil de Victor não é o mais comum de ser escolhido para adoção, por conta do preconceito, mas isso faz com que todo o processo tenha sido ainda mais especial:
– O Victor é do perfil de pessoas que não são adotadas, porque ele é negro, é uma pessoa com deficiência, já é um adolescente e é obeso. E eu não escolhi ele por isso, eu escolhi ele porque eu quis escolher, porque Deus quis que eu escolhesse.
Vanessa acredita que ser mãe é uma grande responsabilidade, mas também é um presente que lhe foi concedido. Poder guiar e orientar seus filhos, que possuem valores os quais a psicóloga preza muito, para ela, é uma dádiva.
– Me sinto orgulhosa por ter capacidade de trabalhar, por gostar de estudar, por conseguir pagar nossas despesas. Não temos luxo, mas estamos livres de violências e sofrimentos. Temos uma casa com tudo o que precisamos, principalmente, amor – finaliza a mãe.
Para homenagear a todas as mães, GZH conta duas histórias. A outra parte é sobre a mãe de um bebê cujo resgate de helicóptero emocionou o mundo. Clique aqui para ler a reportagem.
Produção: Elisa Heinski