“Isso aqui parece um paraíso”, diz Marli Cirlei dos Santos, 57 anos, ao descrever o abrigo exclusivo para mulheres e crianças de Canoas. Ela, sua filha, 36 anos, e sua neta, 11 meses, dividem o espaço com outras 25 mulheres e 11 crianças que também estão acolhidas por lá.
– Quando me disseram que eu ia vir para um abrigo só para mulher e criança eu disse: “Obrigada, Senhor”. Aqui é uma maravilha, todas elas (voluntárias) te tratam com muito amor e carinho, até parece uma mãe com um filho – relata a dona de casa e faxineira, que foi encaminhada ao local após sair de um abrigo misto (que recebe público feminino e masculino):
– Lá não dava para dormir, era uma desorganização total. Além de ter muitas brigas porque parece que estavam roubando celulares uns dos outros. Mas não dá para reclamar, porque, mesmo na situação a gente estava, tinha um teto em cima da cabeça.
Já para Luzia Thomazini, 44 anos, que está no local com sua filha de quatro anos, a definição é a de “poder respirar”:
– Parece que agora eu consigo. Como eu, mãe solteira, vou ao banheiro? Com quem vou deixar minha filha? Agora não tenho mais aquela pressão que algo muito maléfico vai ser feito para ela (caso a pequena fique sozinha).
Ela chegou ao abrigo depois de ser mandada embora de um outro espaço, no último domingo, junto a todos os outros abrigados.
– Aqui tem uma rede de apoio que abraça melhor a mulher. As mulheres conseguem se colocar no lugar das outras.
A necessidade
– No primeiro dia elas perguntaram assim: “Mas eu posso dormir? Não vai acontecer nada?” – relata a diretora da instituição e coordenadora do espaço, Rosângela Camargo Fiuza, também conhecida como Rose.
Este é o reflexo do medo que o público feminino sentia ao ser abrigado em locais que também recebiam homens. Mais de 10 pessoas foram presas no Estado suspeitas de praticar crimes dentro de abrigos, incluindo os de cunho sexual.
Uma das acolhidas no local, inclusive, relatou ter sofrido assédio ou situações constrangedoras dentro de outros três espaços por qual passou, segundo Rose.
– Elas tinham dificuldade de dormir pois temiam sobre a segurança. (Relatam que) As luzes não eram apagadas porque tinha perigo. Ficavam o tempo todo com as crianças próximas porque tinham medo, né? – conta a coordenadora, que garante uma segurança maior por parte das mulheres abrigadas após a convivência com as meninas que trabalham lá.
O local conta com a segurança de um guarda municipal durante a noite, além de ter a presença de três voluntárias, que dão o suporte necessário para o turno.
O espaço
As quatro salas de aula viraram quartos coletivos e o refeitório acabou se tornando, também, um lugar de convívio e de brincadeiras entre as crianças e as mulheres. A estrutura, que está disponível desde o último domingo (12) e é mantida pela prefeitura, foi montada na Escola Municipal de Educação Infantil Professora Terezinha Tergolina, e tem capacidade para receber 55 pessoas. Mas, segundo Rose, a área pode ser ampliada para acolher cem.
No local há colchões, travesseiros, cobertores, roupas e todo o aparato necessário para recebê-las. A coordenadora conta que todas receberam um kit com itens de higiene feminina quando chegaram, mas que qualquer demanda pode ser solicitada às voluntárias.
A solidariedade
Todas as atividades lá desenvolvidas são realizadas por uma rede de voluntárias que vão desde funcionárias municipais ou estaduais até mães de ex-alunos da escola. Além disso, é permitido que as mulheres abrigadas ajudem no que quiserem.
– É sempre bom se sentir útil e valorizada, né? – indaga, Rose.
Importante relatar que enquanto a reportagem esteve no local, cerca de 10 pessoas bateram no portão com sacolas cheias de solidariedade, inclusive uma máquina de lavar, que era muito esperada pela coordenadora, a qual se emocionou ao ver o eletrodoméstico sendo transportado para o lado de dentro dos muros.
Porém, as voluntárias alertam para a necessidade dos seguintes donativos: mamadeiras, fralda geriátrica tamanho grande, bicos, roupas íntimas, copinhos infantis e uma cadeira para banho de idoso.
O futuro
Recomeçar não vai ser fácil, como foi relatado por Luzia e Marli durante a conversa com a reportagem. Pensando no futuro, elas pedem apenas o simples:
– Poder viver a vida é tudo o que eu desejo. Ter a vida de volta – conta Luzia.
– A gente também não pode ser muito ganancioso. Se tiver um fogãozinho para cozinhar, uma geladeirinha para não estragar as coisas e um colchão no chão já tá maravilhoso – diz Marli.
Serviço
- As mulheres que desejarem se abrigar no espaço podem ir até o local e solicitar a vaga
- Escola Professora Terezinha Tergolina (Rua Jabuticabas, 15, bairro Estância Velha, Canoas)