Diversas instituições sem fins lucrativos e iniciativas sociais de Porto Alegre estão passando por um momento crítico, de dificuldades financeiras, enfrentando queda no volume de doações e no número de voluntários. Com isso, algumas ações alusivas à Páscoa sofreram o impacto. Foi o que aconteceu com a ONG Só Bebê, que cuida de crianças em situação de vulnerabilidade social da Grande Cruzeiro, na zona sul de Porto Alegre.
A entidade, que não conta com recursos públicos, realizou nesta quinta-feira (28) a tradicional festa de Páscoa que promove todos os anos às crianças da comunidade, mas reduzida. Em vez de receber 300 crianças, foram contempladas neste ano cerca de 150, devido à baixa adesão das pessoas à campanha.
No pátio de uma casa colorida de azul e coral, localizada na Vila Cruzeiro, os pequenos brincaram de pega-pega e jogos de mãos, dançaram coreografias, se amontoaram em uma casinha, entre outras peripécias. O sorriso era constante, eles estavam felizes em meio à decoração temática de coelhos. Mas também pairava melancolia entre organizadores do evento.
— Estou bem triste. A pessoa que ia doar salsicha não doou. Quem ia doar o pão não doou — lamentou Denise Miceli, coordenadora e fundadora da Só Bebê.
— Só fomos conseguir um e outro na última hora. Uma empresa ia mandar 150 lembrancinhas para as crianças, mas o motorista sumiu com a doação. É de chorar, né?
Segundo Denise, somente uma empresa iria ajudar na ação. Pelo WhatsApp, o contato da doação a perguntou se as lembranças haviam chegado, pois apareceu no aplicativo que a corrida havia sido finalizada. Porém, nada. A situação ainda seria checada.
— Não sei o que aconteceu, se o motorista foi assaltado ou se ele desviou. A festa está aqui, as crianças não vão saber que a doação delas foi perdida, conseguimos reverter — ressaltou Denise.
Para não deixar as crianças sem presentes, houve uma corrida contra o tempo para formatar um novo brinde, composto por balas, pirulitos, chocolates, entre outros doces. Além da lembrancinha, as crianças ganharam cachorro-quente, refrigerante, suco e bolo.
Para além do imprevisto, em geral, o volume de doações reduziu muito. Com “muita dor no coração”, Denise estima que houve uma perda de 75% em relação à festa de 2023. O evento do ano passado foi direcionado para 300 crianças, e as famílias receberam cesta básica, cesta de Páscoa (refeição para a data) e caixa de bombom.
De acordo com ela, houve um boom nas doações quando começou a pandemia, mas a adesão das pessoas foi diminuindo com o passar do tempo. A partir do final do ano passado, as contribuições caíram drasticamente. Denise acredita que isso é reflexo das dificuldades financeiras pelas quais as pessoas estão passando e do desconhecimento a respeito do trabalho realizado pela ONG.
O local funciona como creche e atende crianças de três meses a três anos. A maioria são filhos de usuárias de drogas ou que sofrem violência doméstica, ou ainda de pais que precisam deixar os bebês com alguém para trabalhar.
O mesmo aconteceu na Fundação Pão dos Pobres, que, pela primeira vez, quase não conseguiu atingir a meta para realizar a distribuição de chocolates na Páscoa. Até a semana passada, a instituição tinha arrecadado somente sete caixas de bombons, sendo que precisava de pelo menos 500 para beneficiar as crianças. A campanha foi lançada 40 dias antes da Páscoa, como de costume, mas teve de ser postergada em cinco dias para levantar mais recursos.
A mobilização deu certo – no total, serão contempladas 1,8 mil pessoas pela iniciativa. As 160 crianças que residem no prédio da instituição receberão uma festa de Páscoa no domingo (31), com direito a ceia pascal e brincadeiras, e as demais já ganharam os chocolates nesta quinta-feira (28).
Com doações avulsas, foi possível comprar mais chocolates, montar kits e multiplicar a ação para todas as crianças e jovens atendidos pelos projetos. Mas as doações caíram em pelo menos 40%, em relação ao mesmo período no ano passado.
— Foi uma surpresa para nós, ficamos muito preocupados com a baixa nas doações. Um dos fatores pode ser a proximidade do início do ano letivo, como comprar material escolar é caro para as famílias. Mas a gente percebe que não está sendo cultivado o hábito de doar. Há anos vem diminuindo a procura das pessoas que buscam ajudar nessas datas comemorativas. As pessoas mais jovens precisam vir conhecer a instituição e entender o impacto do trabalho social — afirma Lisiane Botelho, responsável pela mobilização de recursos do Pão dos Pobres.
Ações de Páscoa canceladas
Outras entidades sequer conseguiram concretizar as ações de Páscoa que haviam planejado. É o caso da ONG Misturaí, que promove iniciativas como distribuição de refeições a pessoas em situação de vulnerabilidade, reforço escolar e oficinas culturais. A instituição situada na Vila Planetário existe desde 2018 e realiza campanhas para adoçar a Páscoa das crianças todos os anos. Com a baixa nas doações, neste ano não foi possível realizar nada.
— No ano passado, garantimos os materiais para as crianças produzirem ovos de chocolate, como leite condensado. Antes, a gente sempre conseguia levar os projetos para outras comunidades com as quais temos parceria, mas agora a gente mal consegue garantir o mínimo para a nossa comunidade, da Planetário. É uma luta diária — relata a vice-presidente da Misturaí, Adriana Linhares Queiroz.
No ano passado, foram beneficiadas pela ação cerca de 500 crianças de sete diferentes comunidades, em parceria com o projeto Mais Amor. Neste ano, a entidade resolveu não lançar a tradicional campanha de Páscoa em fevereiro, uma vez que a campanha de final de ano foi “um fracasso”, segundo a gestora. Conforme Adriana, foram arrecadados só R$ 3 mil no final do ano, valor muito inferior ao que conseguiam levantar em anos anteriores.
Com isso, a Misturaí quase encerrou as atividades. A entidade chegou a divulgar nas redes sociais, em janeiro, que teria de fechar as portas por conta da escassez de doações, sem conseguir pagar nem mesmo o aluguel do espaço e a folha de pagamento. Com a mobilização da comunidade, foi possível arrecadar os R$ 11 mil que faltavam para fechar o ano de 2023.
Situada na Vila Farrapos, na Zona Norte da Capital, a ONG Juntos Somos + Fortes também não teve como promover iniciativas nesta Páscoa. A instituição realizou campanha de volta às aulas para auxiliar crianças que não estavam indo à escola por falta de materiais, com a distribuição de kits de material escolar para 400 famílias.
Com isso, boa parte das pessoas que ajudaram nesta iniciativa não tiveram condições de contribuir com a Páscoa, segundo o presidente da entidade, Paulo Cesar Felix Barbosa.
— Não temos doações de empresas nem parceiros fixos. É tudo pingadinho, nos mantemos por meio de doações pontuais. Também fazemos vaquinha entre os voluntários para pagar o aluguel do nosso espaço. Não tem nada fixo, e desde a virada do ano diminuiu muito — lamenta.