O pórtico de entrada dá as boas-vindas à “cidade das azaleias”. Além de flores roxas nas calçadas, a pequena Araricá, no Vale do Sinos, agora ostenta outra característica: é a cidade que mais cresceu percentualmente em população no Rio Grande do Sul entre os dois últimos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eram 4.864 habitantes em 2010 e, em 2022, 8.525 – uma expansão de 75%.
Situada a uma hora e 10 minutos de Porto Alegre, Araricá é tão pequena que não tem praça principal. A natureza desponta nos morros arborizados que circundam o município e nos muros verdes das casas. O comércio da avenida principal fecha ao meio-dia, e um detalhe prosaico ilustra a sensação de segurança: máquinas de lavar ficam na área externa dos pátios.
O pequeno município quase dobrou de tamanho por fatores geográficos e econômicos. O Vale do Sinos, assim como a Serra, é uma região de pujante economia que, nos últimos 12 anos, atraíram moradores – ao contrário da Região Sul gaúcha, que vive êxodo populacional.
A segunda razão para o aumento é localização no mapa: Araricá fica ao lado de Novo Hamburgo, Campo Bom, Sapiranga, Nova Hartz, Parobé e Taquara, cidades que abrigam centenas de indústrias do setor metalmecânico, calçadista e têxtil – portanto, onde há oferta de milhares de empregos.
A distância entre Araricá e Novo Hamburgo, por exemplo, é de 30 minutos, menos do que um morador da zona sul de Porto Alegre leva até o Centro Histórico no horário de pico.
Por ser localizada à beira da RS-239, Araricá permite que moradores cheguem rapidamente às indústrias enquanto desfrutam dos benefícios de morar em uma cidade menor, barata, tranquila e, sobretudo, com um grande trunfo: ensino integral público de graça, da creche ao nono ano do Fundamental.
Desde 2011, uma lei de Araricá obriga escolas municipais a oferecerem aulas em dois turnos. Dos 1.782 alunos da Educação Infantil ao nono ano do Fundamental na prefeitura, 92% optaram por estudar em turno integral. No turno inverso, há aulas de línguas estrangeiras, esportes, culinária, horta e reforço de matemática e português.
A possibilidade de deixar os filhos na escola em dois turnos foi crucial para a mudança do marceneiro Nilton Rodrigues, 35. Natural de Nova Hartz, ele saiu de Araricá, foi para Portugal e voltou ao Brasil, novamente para fixar residência em Araricá com os filhos Thomas Rodrigues, 4, e Theylor Rodrigues, 8. Além da proximidade da família, a cidade com escola em turno integral permite que ele trabalhe enquanto os filhos estão bem cuidados, já que Nilton cria sozinho as crianças.
— Como sou marceneiro, trabalho itinerante. Se preciso ir a Parobé, Sapiranga ou Novo Hamburgo, estou perto. Crio sozinho os filhos, então isso me ajuda muito. As crianças chegam 7h30min da manhã na escola e ganham café da manhã. Depois, pego 18h30min. Assim, não preciso pagar ninguém para ficar com as crianças — diz Nilton a GZH.
Prefeito de Araricá por quatro mandatos, Flávio Foss (União Brasil) destaca que a localização geográfica é crucial para a expansão da cidade, mas destaca que o turno integral e o posto de saúde com psicólogo, psiquiatra, dermatologista, pediatra e ginecologista também contam.
— Araricá é, talvez, a única cidade gaúcha em que é lei ter turno integral até o nono ano. É um investimento. Muita gente vem morar na cidade porque a criança estuda em escolas de boa qualidade, recebe cinco refeições no dia, tem oficinas de línguas estrangeiras e reforço, e ainda passa o dia em salas com ar-condicionado. No turno integral, cuido do desenvolvimento humano e corporal das crianças. Quem não está no turno integral é porque o pai não quis — diz o prefeito.
A onda de imigrantes aquece a economia local. Após a prefeitura criar a "sala do empreendedor" para auxiliar quem deseja abrir um negócio, mais de 300 microempresas individuais (MEIs) foram abertas nos últimos seis anos. Se, quatro anos atrás, o município arrecadava R$ 5 mil ao mês em imposto com MEIs, agora o valor subiu para R$ 100 mil mensais.
— Há oportunidade de trabalho em cidades vizinhas. Quando as grandes empresas crescem, há necessidade de mais funcionários e de empresas terceirizadas que vão contribuir para as grandes companhias. Em Araricá, estão surgindo muitos ateliês. É só passar em Araricá que você vê que há várias empresas chegando e se instalando. Além disso, é uma cidade menor, com aluguel mais em conta e com boas escolas. Isso atrai as pessoas — diz Luiz Paulo Grings, presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Sapiranga, Araricá e Nova Hartz.
A migração pendular – quando uma pessoa mora em uma cidade e trabalha em outra – é comum no Brasil, um país onde o aluguel consome grande parte da renda, observa o geógrafo e demógrafo Ricardo Dagnino, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É um dos motivos para cidades ao redor de capitais terem crescido no Brasil como um todo. Viver em uma cidade mais barata e trabalhar em outra localidade torna-se opção para muitos.
— É importante pensar que quem emigra geralmente não emigra sozinho. O chefe da família vai e leva as crianças junto. Então, o pai que resolve se mudar para Araricá e trabalha em outra cidade acaba fazendo uma pequena viagem até o trabalho, mas sabe que a família estará bem protegida em Araricá — diz.
A migração para o município chega a cruzar fronteiras. Moradores de Manaus, João Batista Faial, 39 anos, e a esposa, Surama Faial, 38, escolheraram Araricá como destino para oferecer uma infância tranquila aos filhos Moisés, 10 anos, Ezequiel, sete, e Daniela, de dois.
Após o relato de uma amiga gaúcha da igreja evangélica que frequentava sobre como a cidade das azaleias tinha segurança, qualidade de vida e escolas de turno integral, a família emigrou para o Rio Grande do Sul sem nunca ter pisado no sul do Brasil. Há três semanas na cidade, João já trabalha como caminhoneiro e Surama, como cozinheira em uma escola. Estão realizados ao ver os filhos correndo pela grama do pátio – reclamam apenas do frio gaúcho.
— Encontramos o que viemos procurar: qualidade de vida e educação para os filhos — diz João na cozinha de paredes amarelas e janela com vista para o morro.
Surama elogia a tranquilidade e a qualidade das escolas, – aponta apenas que faltam opções de lazer e um bom açaí. O primogênito, Ezequiel, gosta de Araricá, mas notou uma "grande" diferença cultural que lhe aflige:
— Aqui no Sul, os professores escrevem muito rápido. Uma vez fiquei com a mão vermelha de tanto escrever — conta o menino, entre risadas do pai e da mãe.
Além de Araricá, outros municípios tiveram expressiva variação de população.
Confira a situação da sua cidade: