A trajetória do Hotel Bassani, em Capão da Canoa, está ligada a memórias de hóspedes e à história do Litoral Norte nos últimos 95 anos. O estabelecimento, que encerrou as atividades em 13 de abril de 2023, teve o prédio demolido em julho de 2024. O local deverá sediar um novo hotel ou residencial.
O hotel foi inaugurado em 1928 na Rua Moema, por Luiz e Emília Bassani, em uma estrutura de madeira. Após investimentos nas décadas de 1950 e 1970, o empreendimento conta hoje com três andares e 118 quartos. Os 12 sócios que administram o local decidiram fechar o local e vender os itens, como camas, TVs e talheres, para pousadas e restaurantes da região.
GZH ouviu quatro hóspedes que compuseram a história Hotel Bassani, que, em quase cem anos, tornou-se ponto de referência àqueles em busca de lugar para se hospedar no litoral gaúcho e foi a base do Garota Verão, o principal concurso de beleza do Estado.
Pedaço do passado
Cíntia Moscovich, escritora e colunista de GZH, foi uma das que frequentou o hotel quando criança e adolescente. Na década de 1960, ela ia à praia com os pais e irmãos em fevereiro e ficava no litoral gaúcho até o início das aulas.
— Eu gostava de tudo: da liberdade que tínhamos para brincar, da sineta que chamava para as refeições, do companheirismo com as demais crianças, das sestas depois do almoço, da vó cozinhando milho em uma panelinha que ela levava, dos cavalinhos de aluguel. E o mar, que ficava diante da gente, era a coisa mais bonita do hotel — relata.
O hotel era destino comum de artistas que faziam shows na região. A escritora conta que, certa vez, encontrou o ator e músico Moacyr Franco, de quem era fã:
— Numa tarde, estou indo passear de bicicleta e quem eu vejo na frente da cozinha do Bassani? Pois meu ídolo. A mãe contava que eu larguei a bicicleta e me atirei no pescoço da criatura. A mãe se constrangeu com a tietagem e tentava por todos os meios que eu largasse o pescoço do coitado. Foi um sufoco. Mas eu fiquei bem feliz. Foi um sonho.
Cíntia fez uma publicação no Facebook sobre o fechamento do hotel, na qual destaca que “a infância de uma geração inteira deve muito a esses quartos apertadinhos, com meias paredes de azulejo, colchões de crina, cheiro de boa-noite, com puro perfume de mar, refeitório comum, onde era servida a melhor sopa de batata do universo”.
— Como uma pessoa se sente ao saber que um pedaço de seu passado simplesmente acabou? As memórias passam a cumprir o papel imprescindível de repor a história e todos os afetos da gente. Dá uma tristeza — lamenta.
Café da manhã de frente para o mar
Claudia Librelotto, 55 anos, esteve presente nos últimos anos do Hotel Bassani. Ela é proprietária da Recktur, empresa de turismo de São Gabriel, na Fronteira Oeste, que levava veranistas que ficavam de sexta-feira a domingo no litoral gaúcho, nos meses de janeiro e fevereiro. Até 2018, ela conta ter tido dificuldade de conseguir leitos para os clientes: uruguaios e argentinos “tomavam conta do hotel”. Uma parceria teve início naquele ano e seguiu até o último fim de semana de fevereiro de 2023.
— Conseguimos ir entrando aos pouquinhos. Sempre fomos muito bem atendidos. Era maravilhoso o hotel, a localização. O pessoal se sentia em casa. É uma perda muito grande para Capão da Canoa e para a nossa região (de São Gabriel), que usufruía desses benefícios do hotel — diz.
Por levar os clientes, Claudia também ficava hospedada no estabelecimento com Jorge Librelotto, marido e motorista do ônibus da empresa, até a volta da excursão, que ocorria aos domingos. Ela destaca o “capricho, apesar de ser um hotel antigo”: ambientes limpos, piscina cuidada, bom serviço diário dos profissionais.
— Lançava minhas viagens para o Bassani e faltava lugar. No Carnaval deste ano, levei dois ônibus para lá. Nunca tive reclamação que me fizesse perder algum cliente em função de mau atendimento (no hotel).
Outro elogio da empresária é o café da manhã servido em um salão do térreo:
— Tinha tudo o que um hotel grande tem: frutas, suco, iogurte, ovo mexido, bolos maravilhosos que eles mesmos faziam. Tu podia tomar café às 7h ou às 10h que seguia a mesma qualidade de produtos, estavam sempre repondo. Era maravilhoso porque tu tomava café de frente para o mar — acrescenta.
Ponto de referência
Fernanda Pereira Cardoso, 40 anos, frequentou o hotel no início dos anos 2000. Além do café da manhã, a professora de dança destaca outros atrativos que lhe chamaram atenção nos dois verões em que esteve no local com familiares:
— Eu gostava da piscina. Também lembro que fiquei no quarto standard, que era na lateral, mas tinha uma sacadinha com vista para o mar. Em uma das vezes liguei antes e estava lotado, mas aí eu consegui um quarto, fiquei super feliz por ter conseguido essa vaga e ter passado as férias lá.
Fernanda conta que viajava de Porto Alegre para Capão da Canoa. Hoje moradora de Tramandaí, também no Litoral Norte, ela comenta que o espaço fará falta.
— Como eu não tinha casa no litoral, o Bassani era como um ponto de referência, um lugar que eu considerava com uma estrutura boa. Fiquei chateada (com o fechamento), porque é um hotel que traz boas lembranças do verão — diz.
Garota Verão
Quem olhasse atento à transmissão do Garota Verão da RBS TV em Capão da Canoa podia ver a fachada com os dizeres “Hotel Bassani”: o tradicional concurso de beleza do Estado ocorria em frente ao estabelecimento. Essa, porém, não era a única ligação entre o hotel e a competição: o empreendimento foi o ponto de preparação para o evento entre 1986 e 2015, ou seja, em todas as edições organizadas na praia gaúcha.
— Éramos recebidos com muita alegria: eles preparavam o hotel para receber a produção, as equipes da RBS TV. Faziam uma preparação gigante porque também recebiam candidatas com mães, mais as famílias. Tinha que organizar café da manhã, almoço, jantar. Eles tinham muito cuidado conosco — conta a jornalista Luciana Falcão, que trabalhou no concurso entre 1998 e 2015, nos cargos de assistente de produção e coordenadora.
Segundo Luciana, os anos de trabalho com o estabelecimento fizeram com que os responsáveis pelo concurso criassem uma relação próxima, “familiar”, com proprietários do hotel e funcionários, em uma parceria que continuou até a última edição do Garota Verão, em 2015.
— Lá tínhamos a certeza do bom recebimento, da prestação do socorro para uma coisa que pudesse vir a acontecer. O hotel nos dava essas garantias, nos dava segurança. Então, a relação com o evento sempre foi maravilhosa. E, para mim, que fiquei muitos verões hospedada lá, fica um sabor de nostalgia. Mas é uma saudade boa, uma saudade de coisas ótimas — afirma.