Pequenas, coloridas, com mais memória do que aparelhos disponíveis anteriormente e uma tela que já possibilitava ver a fotografia de forma instantânea. As câmeras digitais amadoras marcaram toda uma geração nos anos 2000 pela praticidade, mas logo foram ofuscadas pelo “boom” dos smartphones. Agora, elas estão de volta: alguns jovens estão deixando o celular em segundo plano para reviver os dispositivos com os quais tiveram contato apenas na infância.
Nas últimas semanas, os "antigos" aparelhos têm gerado interesse e feito jovens pesquisar na internet pelo assunto. Mas esses dispositivos voltaram a ser febre ainda em 2022 — quando começaram a ser vistos com maior frequência em festas e bares, por exemplo.
Um dos novos usuários dessas câmeras é o cineasta e designer Gabriel Ritter, 26 anos, que recentemente ganhou de um amigo uma Canon IXY. Morador de Porto Alegre, ele destaca uma curiosidade importante: a maioria das pessoas se refere a este tipo de dispositivo como “Cybershot”, mesmo que o nome seja apenas do modelo comercializado pela Sony.
Ritter conta que já vinha notando que algumas pessoas estavam resgatando essas câmeras para registrar momentos em festas e bares no início de 2022. Formado em Cinema pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ele relata que se aproximou novamente desses dispositivos durante as atividades de experimentação na faculdade, quando um colega levou uma Cybershot e começou a compartilhar com todos os resultados:
— Notamos que era um exercício de estética muito interessante e que o resultado ficava bacana. Ela é muito mais prática, porque é menor e ainda é digital, então tira as fotos e transfere via cabo para o computador. E é um processo mais fácil do que levar uma câmera com filme, por exemplo.
O fotógrafo e técnico do Laboratório de Fotografia da Universidade Feevale Diogo Mascarenhas aponta que percebeu o movimento de retorno desses dispositivos pelas redes sociais. Ele comenta que é comum que as pessoas procurem recuperar a cultura de uma determinada época, utilizando itens e ferramentas que produzam os mesmos efeitos — isso foi visto em outros momentos, inclusive, com breves retornos da fotografia analógica, que vem se tornando pouco viável em função do preço dos processos.
E foi justamente a estética vintage das fotos que chamou a atenção de Ritter, que resolveu aderir à moda e buscar uma câmera digital para sua festa de despedida, realizada na última sexta-feira (20) — o cineasta vai se mudar para Sydney, na Austrália, nesta semana.
— Eu também queria fazer registros com um visual um pouco diferente do que a câmera do celular daria hoje em dia. Então, fui perguntando para conhecidos se alguém tinha uma câmera dessas e poderia levar, daí um amigo disse que tinha uma, que estava guardada há muito tempo, mas ainda funcionava. Ele me deu de presente para fazer os registros do evento e do que mais eu quisesse — afirma.
Para Ritter, a principal diferença é a definição da imagem, que é inferior àquela proporcionada pelos smartphones atuais. Além disso, aponta que os dispositivos antigos não oferecem tantas opções para controlar a luz das fotos, por exemplo, o que, na opinião do cineasta, garante um resultado mais espontâneo — que vai desde um registro com cores mais quentes ou mais escuro até uma imagem com luz “estourada”, por conta do flash.
A percepção de Ritter é corroborada por Mascarenhas, que esclarece que, dentro dos dispositivos amadores, o smartphone possui a maior tecnologia, produzindo um resultado mais padronizado, em função da qualidade do software, que gera uma imagem com estética mais limpa e próxima da realidade.
— O que essas câmeras têm de diferente é um software muito mais cru para edição. E acho que é essa estética mais crua que está sendo buscada neste momento. Mas acredito que tenha poucas chances de ficar por muito tempo como um movimento popular, até porque introduz uma etapa entre fotografar e postar. Mesmo assim, vale por ser um recurso barato, que muita gente ainda tem em casa esquecido — diz o fotógrafo.
Contudo, além do fator da estética, Ritter acredita que a febre das câmeras digitais entre as pessoas a partir dos 20 anos ocorra porque remete a algo que faziam quando eram mais novas. Ou seja, também traz uma certa nostalgia:
— Para mim, também pega essa questão, porque, ao ver as fotos tiradas com a câmera, penso que parecem as que a minha família tirava quando eu era criança. Tanto que, nesse evento, que era uma coisa bastante significativa para mim, fiz questão de ir atrás de uma máquina dessas para conseguir ter os registros.
Herança de família
Um outro recurso bastante utilizado pelos jovens é o filtro que “imita” o resultado de uma câmera antiga. Isso porque, atualmente, não é tão fácil encontrar um dispositivo desses para vender — as opções são brechós de eletrônicos, sites que vendem itens usados e a tradicional “herança” de família ou amigos.
Assim como Ritter, Cândida Vitória Martins, 21 anos, ficou com a terceira alternativa. Em março do ano passado, ela recuperou uma câmera que era usada por seus pais durante sua infância. A estudante de Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) encontrou o dispositivo guardado em uma caixa e levou para consertar.
— Ela estava em perfeito estado, a única coisa que não funcionava era a bateria, então só trocaram e deu tudo certo, funcionou superbem. Decidi usar justamente por ser uma câmera antiga e pensei que seria diferente da câmera profissional que tenho agora e do celular — conta.
Moradora da Capital, ela explica que usa a câmera em festas e para fotografar aniversários de amigos. Também afirma que gosta muito do resultado, justamente por não conseguir controlá-lo, e concorda que o dispositivo traz uma certa nostalgia:
— As fotos saem borradas, estouradas e é essa a ideia que eu gosto, não é uma foto perfeita. É bem do jeito que a gente tira, é para ser bem espontâneo mesmo. Gosto desse conceito da câmera ser antiga e registrar as fotos desse jeito mesmo. No celular, fica tudo bonitinho e a gente consegue ver como vai ficar.
Proprietário do Bric Fotográfico, estabelecimento localizado no Centro Histórico de Porto Alegre, Evaldir Garcia do Canto aponta que a procura pelas câmeras digitais não aumentou significativamente no último ano, mas garante que vende uma ou duas por mês. Atualmente, estima ter cerca 50 unidades de diferentes marcas e modelos para comercializar — os valores variam entre R$ 350 e R$ 550.
Na avaliação de Evaldir, que trabalha neste ramo desde 1979 e é mais conhecido como Didi, a chegada dos smartphones "matou" esses dispositivos, que hoje são mais procurados por quem realmente ama fotografia.
— Essas digitais eram boas câmeras, muito famosas. Todo mundo comprava, mas o que acontece é que todo mundo quer vender agora. Elas tiveram uma fama muito grande, mas as coisas mudaram. Agora, a procura é baixa — destaca o proprietário do Bric Fotográfico.
Espontaneidade
A experiência de Carlos Iuri Simoni de Souza, 20 anos, com uma câmera digital começou em novembro de 2021. O morador de Cachoeirinha, na Região Metropolitana, relata que decidiu comprar o dispositivo em um site de itens usados porque sempre foi fascinado pela estética vintage dos anos 2000. Para ele, a Cybershot abre uma porta para esse universo e é uma opção mais acessível para quem gosta, em comparação com as câmeras analógicas.
Souza afirma que usa a câmera com bastante frequência, em festas e viagens, já que pode ser transportada com muita facilidade. Além da questão estética, o gaúcho comenta que prefere utilizar o dispositivo no lugar do celular justamente para se desconectar um pouco.
— Estamos vivendo em uma era do imediatismo, tudo é para ontem, e eu acho muito legal que eu saio com meus amigos com a câmera e tiramos as fotos, nos divertimos e não ficamos vendo o resultado na hora. Isso que é o mais bacana: ter aquela surpresa das fotos, todas saem muito diferentes umas das outras. E eu gosto muito do resultado — ressalta.
Ele concorda com Cândida e Ritter que, diferente do celular, a câmera digital não gera uma foto perfeita, permite registrar a espontaneidade das pessoas e traz uma certa memória afetiva, já que era utilizada por seus pais antigamente.