“Minha mãe disse: segue os meus passos, que o futuro tá traçado, porque lá na frente Deus vai te honrar”.
É com esse trecho da música do rapper Chefin que Thayná Santos, 16 anos, entrou no ringue em uma das lutas que ganhou. Acompanhando o combate, a mãe Simoni Santos, 37 anos, se encheu de orgulho quando percebeu que a música era para ela.
O legado de Simoni nos ringues é seguido pelas duas filhas, Bianca Thayná Cunha de Oliveira, mais conhecida como Thayná Santos, 16 anos, e Kathelin Peres da Cunha, que também é reconhecida como Kathelin Santos, 17 anos. Ambas, inspiradas pela mãe, constroem carreira na área das artes marciais. Hoje, a luta de Simoni é levantar recursos para que as jovens e seu aluno, Lucas Flores, 15 anos, possam participar do campeonato mundial da World Muay Thai Federation (WMO), em Bangcoc, Tailândia, que acontecerá de 12 a 20 de março.
Contudo, sem patrocínio ou auxílio atleta, eles fizeram uma vaquinha online e vendem rifas para arrecadar o valor da viagem até a Tailândia. Além disso, a arrecadação acontece em sinaleiras na zona sul de Porto Alegre. Para os três competirem, é preciso de cerca de R$ 45 mil – sendo R$ 15 mil para cada um – até a primeira semana de março, pois o embarque é no dia 12. O valor cobre custos com alimentação, hospedagem e passagens de ida e volta.
– Infelizmente, não vou com eles, porque é muito dinheiro. O patrocínio delas sou eu e o do Lucas é a mãe dele. A viagem é dia 12 de março e não temos nada comprado. Nem passaporte. A gente fez uma vaquinha online, mas está em cerca de R$ 1 mil. A gente está indo para sinaleira com banner. Eles vão com as medalhas. Está em cima, mas dá tempo, basta sonhar – diz, confiante, a lutadora.
História que se repete
Em fevereiro de 2019, GZH contou a história de Simoni, moradora do bairro Jardim Vila Nova. Da mesma forma que acontece agora, quando ela foi convocada para o mundial da Tailândia — país que é berço do muay thai, arrecadou o valor da viagem por meio de vaquinha online, venda de rifas e apoio da academia em que treinava. Lá, Simoni conquistou medalha de ouro na categoria Sênior 60 quilos e título de campeã mundial lhe permitir viver novas oportunidades. No início de 2021, ela abrir o seu Centro de Treinamento (CT), onde atua como professora e técnica.
— Eu realizei meu sonhos. Não só o mundial, mas o sonho de abrir meu CT, de capacitar e ajudar outras pessoas, de várias formas. Não tem preço. Quando um deles ganha, está pago todo meu mês e todo o trabalho que tive com eles. Hoje estou com 54 alunos, sendo oito atletas que lutam — explica a lutadora.
Os três foram classificados para o mundial tailandês após participarem do Campeonato Brasileiro de Muay Thai 2022, realizado no Rio de Janeiro, em novembro. O evento teve disputas acirradas desde os estreantes até as lutas da classe principal.
— Estamos tentando mandar as três, mas pelo menos um vai para representar — afirma Simoni.
Dentro dos tatames, mas em lutas diferentes
Thayná e Kathelin têm objetivos diferentes. Kathelin sonha em chegar ao UFC (Ultimate Fighting Championship). Já Thayná, quer ficar no muay thai e morar na Tailândia por causa da arte marcial.
– A Kathelin vinha (para os tatames) pesado, vinha com força para a luta, então a gente via o potencial nela. Já da Thayná, me falavam que ela não tinha nascido para isso e que não gostava, porque não treinava. Um dia, ela me pediu uma chance de lutar, mas estava acima do peso. Eu disse que se ela perdesse peso e treinasse, poderia lutar. A partir da primeira luta, tudo mudou – relembra Simoni, sobre o início das meninas nos combates.
Assim como a mãe, que saiu dos 105 para os 60 quilos quando começou a treinar, Thayná perdeu cerca de 20 quilos. No torneio da Tailândia, ela foi classificada para a lutar na mesma categoria em que Simoni foi campeã, Sênior 60 quilos.
– Eu comecei a lutar porque não estava me sentindo bem com o meu corpo. Aí, comecei a participar das lutas e fui ganhando. Cheguei a 10 vitórias. Meu peso me incentivou a lutar, mas minha mãe me motiva bastante.
No Campeonato Brasileiro de Muay Thai, Kathelin passou para o mundial por W.O. – expressão que significa “sem oponente”. Como ela não tinha oponente na sua categoria Young 81 quilos, foi classificada. Desde o campeonato, Kathelin está em Niterói, litoral do Rio Janeiro, treinando com a equipe Paraná Vale Tudo (PRVT) com foco nas artes marciais mistas (MMA). Apelidada de Baby, lá Kathelin tem alojamento e treinamento intenso com o mestre Elder Lara.
– Baby chegou aqui (na equipe PRVT) através da Simoni para dar início na carreira dela no MMA. A Simoni fez um trabalho muito bom com ela. Agora, ela está vendo como é a rotina de atletas de alto rendimento, ou seja, treina, dorme, come e treina. Com quatro treinos ao dia e luta com atletas de alto rendimento. Na minha opinião, ela que está indo bem, acredito no potencial natural e dedicação dela – diz o mestre.
No mês de fevereiro, Kathelin vai estrear no MMA, na categoria 66 quilos. Para quem começou acompanhando os treinos com Simoni, Kathelin está bem confiante com seu resultado. A inspiração na prima, que a cuidou, vai além da luta:
– Meu sonho é tentar mudar a vida da minha família. A Simoni conseguiu o mundial aos 32 anos. Estou começando cedo para construir o que eu quero – diz Baby.
Já Thayná, continua treinando com mãe, no CT em Porto Alegre.
– Estou muito nervosa para ir para a Tailândia, não espero pegar uma lutadora muito fácil. Minha mãe fala que vai me passar a coroa, eu acho muito legal isso. O título vai ficar em casa, da minha mãe para mim, e quero que continue comigo depois. Mas, se não der, a gente tenta de novo – diz a jovem, mas ao lado, Simoni interrompe:
– Mas não pode perder (brinca). Tem que ser na pressão. Vida de atleta é na pressão.
Luta como opção
Aluno de Simoni há mais de cinco anos, Lucas Flores, 15 anos, foi classificado na categoria Young 57 quilos. O jovem mora com a família no bairro Campo Novo, na Capital.
– Lá em casa sempre foi assim, tínhamos que fazer um esporte independentemente de qual fosse. Comecei pelo futebol e parei. Depois vim para a luta e estou há seis anos lutando. Comecei a competir ano passado e quero seguir.
Desenvolvimento no esporte já está na família. Sua irmã é jogadora do time feminino do Inter, a Duda Flores.
Questionado sobre o sentimento em relação ao mundial, ele é sucinto:
– Minha expectativa tá grande, tem que ir lá e ganhar. Não tem mistério.
Apoiadora da intenção do filho em seguir na luta, a representante comercial Lisiane Flores Fuculo, 45 anos, percebeu nos treinos de Simoni o afeto materno.
– O Lucas passou por outros professores, mas quando começou com a Simoni, gostei muito dela pela coisa de mãe. Ela viu que ele tinha medo e o fez despertar para a luta. O treinamento dela é muito afetivo. Sei que cobra onde tem que cobrar – explica Lisiane.
Segundo Lucas, foi vencer o medo da luta o maior aprendizado que teve com Simoni. Hoje, ele já coleciona medalhas de campeonatos regionais, estaduais e até o nacional, que foi o Campeonato Brasileiro de Muay Thai, em novembro.
– É bom ressaltar que os campeonatos do Estado deixam eles fortes. Quando forem lutar fora estarão preparados, porque precisa de experiência no ringue, de combate, com pessoas da idade e do peso deles. Para a Tailândia, eles vão com a equipe da Seleção Brasileira.
Os três foram convocados de Porto Alegre, mas tem outros lutadores do Estado e do Brasil que irão e todos saem juntos do aeroporto para a Tailândia – explica Simoni.
Força no soco e na vida
Hoje, Simoni fala sorrindo dos sonhos realizados e confiante, mesmo parecendo difícil, nos objetivos dos seus alunos – principalmente das filhas.
Na sua história, não falta gratidão a tudo que o esporte lhe proporcionou.
– Eu, com 32 anos, peguei meu primeiro voo de avião para a Tailândia. A Thayná, com 16 anos, já andou de avião. Olha o que o esporte fez nas nossas vidas. A oportunidade que antes, para mim, era muito difícil, ainda mais por ser mulher, está aí para elas. O caminho eu já aparei, agora é só elas caminharem – afirma a lutadora.
Simoni tem quatro filhos, um menino e três meninas, e também cuida de Kathelin, que por ligação parental é sua prima, como filha. Apaixonada por esportes, os filhos só não podem ficar no sofá, segundo Simoni. As que não lutam, fazem natação e ginástica olímpica.
Depois da fase mais complicada da pandemia, Simoni conta que precisou de renovação e decidiu deixar a academia onde trabalhou por oito anos para apostar no próprio espaço. Nos primeiros meses, não foi fácil se restabelecer como treinadora e ela começou as aulas apenas com suas meninas.
– Resolvi não ser vítima, comecei a divulgar. Veio a Carol, minha vizinha. Ela fez a primeira luta, deu show. Depois o Luã e o Michel, que estava sem academia. Comecei a montar minha equipe Leões de Ouro. As minhas filhas começaram a vencer uma atrás da outra. Isso faz com que a visibilidade fique maior e outras pessoas comecem a vir. E a porta tá aberta, principalmente para pessoas carentes. Lembrando que eu vim da vila e eu dou oportunidade para quem paga e para quem não tem condições. Aqui é para quem quiser mudar de vida.
Relembre a história
Nascida e criada no bairro Bom Jesus, a vida de Simoni foi de muita dificuldade. A paixão por lutas existe desde os sete anos, quando ela fugia das aulas de balé em um projeto social na UFRGS para praticar judô. No mesmo período, por causa da condições familiares, ela cuidava de carros e pedia dinheiro em semáforos. Se afastou do esporte na adolescência, quando descobriu a primeira gravidez.
Quase 10 anos depois, a reaproximação dos tatames veio como forma de superar a depressão devido à perda de dois irmãos. Após conseguir bolsa em uma academia, Simoni conquistou primeiras colocações em oito campeonatos em solo gaúcho. Na Copa RS de Muay Thai, foi classificada para participar do mundial em Bangcoc, no qual sagrou-se campeã.
Como ajudar na viagem para Tailândia
- Doe por meio da vaquinha online.
- Doe através do PIX 51984290295, nome de Lisiane Maria Flores Barbosa Fuculo.
- Mais informações pelo perfil no Instagram @simonisantos.lutas.