Por Alfredo Culleton
Psicanalista
No Brasil, a pessoa é considerada idosa a partir dos 60 anos e, com um mínimo de cuidado com a sua saúde, é bem provável que a velhice seja a etapa mais longa da sua vida. Em outros países, os indivíduos são considerados idosos a partir de uma idade que varia entre 77 e 80 anos. No cinema, podemos ver aventuras vividas por octogenários, por exemplo, no filme A Mula, (2018) de Clint Eastwood, longa que conta a história de Leo Sharp, um veterano da Segunda Guerra Mundial que se tornou “mula” do Cartel de Sinaloa em seus 80 anos de idade, ou no encantador Elsa e Fred (2006), de Marcos Carnevale, bem como em outros, nos quais podemos encontrar uma imagem de “velhos ternos”, inocentes, cheios de blandícia e doçura.
Tirando raras exceções de restrita circulação, lembro aqui de Antes que Eu me Esqueça (2018) de Tiago Arakilian, ou El Diablo entre las Piernas (2019) de Arturo Ripstein, a representação artística da sexualidade de idosos é praticamente nula, mesmo dentro do feminismo sexuado, que parece estar falando para gente jovem; os filmes, em geral, parecem se limitar a representar os velhos num lugar não sexual, na sua hipotética pureza, mas nunca como sujeitos ardentes. A sexualidade do velho parece ser assunto tabu.
Uma estudante de Artes Visuales da Universidade Nacional de las Artes de Buenos Aires, Julia Tapia, 24 anos, acaba de tentar colocar o tema na pauta ao produzir o documentário Viejas que Hierven (2022), que trata justamente da pouca informação que há sobre os temas da sexualidade e dos preconceitos em relação aos idosos. A jovem diretora consegue que cinco mulheres se animem a contar suas verdades e falar abertamente sobre a sua vida sexual. Em 20 minutos, o curta-metragem conta através de Rosa, 72 anos, e outras quatro entrevistadas (Stella Solanas, a Tili, 75; Clarisa Santos, 73; Griselda Negri, 71; e Norma Castillo, 77) como se vive e o que se busca com sexo quando se chega a esse período da vida. Artistas plásticas, docentes, donas de casa provocam o espectador com expressões como “é um massacre o que se faz com a sexualidade dos velhos” ou “está instalada a feiura da velhice”. Falam de desmoronamento, de pernas “assim”, da pele que sobrou e dos joelhos que não resistem, mas desde essas ruínas que o mercado rotula como descartáveis, seu desejo sexual se acende e pede uma pista. De acordo com a diretora, o curta, já exibido em vários festivais, estará disponível nas plataformas de streaming até o final deste ano.
Falar da sexualidade ou subjetividade desejante desse universo diz respeito não só àqueles que passaram dos 60, para quem a pele parece ter que ser escondida, que a gordura localizada teimosamente insiste em aparecer. O tema da sexualidade diz respeito a todos os interessados numa vida plena: extrapola o que está instituído – segundo o que, as pessoas nessa faixa etária costumam ser tratadas como crianças por garçons e enfermeiros – e coloca a sexualidade no campo da fala, diz respeito àqueles que levam a sério as suas vidas, isto é, acalentam aquilo que pulsa, o desejo.
Pessoas mais jovens têm dificuldades em conceber que velhos tenham uma vida sexualmente ativa, que sequer possam ter desejo sexual, que um homem e uma mulher de, digamos, 80 anos sintam atração sexual mútua ou, cada um deles, por alguém mais jovem. Filhos adultos desavisados podem chegar a entrar no quarto dos pais e vasculhar, sem considerar a possibilidade de estar invadindo a privacidade e intimidade, inclusive sexual, desses “velhos”, como se não houvesse para eles a possibilidade de relações sexuais de acordo com o desejo e interesse de cada um.
É difícil escutar pessoas adultas idosas falando em primeira pessoa sobre sua sexualidade ou a respeito de sua subjetividade desejante fora da queixa, da autopiedade ou da nostalgia de um passado remoto. Penso que a subjetividade dos corpos se conhece e se cultiva com arte, e é bom ver outros corpos que não os fabricados ou domesticados pela indústria farmacêutica, em última instância, cosmética. Os cuidados com os funcionamentos orgânicos e a própria imagem não podem faltar, mas esse cultivo passa também pela fala, a partilha dessa subjetividade que nos habita, esses sonhos e fantasias que povoam corpos e almas, tornando possível uma vida narrável e escrita com a própria caligrafia.