Por Carlos Alberto Gianotti
Professor de física, editor-executivo da Ed. Unisinos
À medida que os anos de velhice progridem, vamos adquirindo e denotando certas características típicas da idade, como a deficiência na audição, o claudicar das pernas, o não enxergar como antes, a impaciência (ganhamos anos de vida, mas perdemos a paciência com certas coisas). Talvez o mais notável desses traços distintivos será a eloquência, o falar incontinente, numa espécie de verborragia, com relatos de fatos pessoais, às vezes de um passado já distante, em detalhes miúdos que absolutamente não são do interesse do improvável interlocutor, que acaba por se evadir para não ter de ouvir.
Em aparente contradição com essa tendência ao falar descontrolado, também é peculiar do idoso mostrar-se indiferente ou desatento a manifestações verbais do outro, ou mesmo lhe atravessar a conversa com um tatibitate algo descontextualizado, que faz com que aquele que tentava falar desista e procure cair fora.
“Velho, então, eles pisoteiam!”, disse-me com indignação, em meio à conversa de um encontro casual há poucos dias, o meu antigo professor colegial, dos anos 1960, hoje com idade de mais de 90. Referia-se a um serviço de atendimento ao público em que habitualmente o tratavam como uma criatura indesejável, isto é, com patente velhofobia.
Desde a minha também já adiantada idade, procurei tranquilizá-lo, comentei que isso é o que acontece hoje em vários lugares; e que, em parte, até se justifica, pois idosos muitas vezes não escutam ou não compreendem direito determinadas explicações, enxergam mal e esquecem os óculos em casa, são impacientes, enfim, configuram características típicas que incomodam ao interlocutor, no caso, atendentes de serviços. Tentei consolar mais o meu professor dizendo ainda que, por exemplo, se acaso um garotão bronzeado e sarado chegue numa farmácia, será natural que a atendente lhe dê uma atenção bem diversa da que oferece a um longevo trêmulo. Recomendei que se resignasse com a recrudescente velhofobia, e me fui embora.
Evidentemente, o etarismo hoje se torna mais visível em razão de as pessoas estarem a se tornar longevas e da desordem que esse naco da população oportunamente possa vir a causar no dia a dia das famílias e no curso dos serviços de atendimento. Todavia, em contrapartida, constata-se uma nova chateação nas mídias, fundada no imaginário de mitigar a discriminação escancarada do idoso. Vem a ser um discurso cínico, mas tingido de bacana, que enaltece essa época existencial e recomenda a sua total curtição. Algo tão sem cabimento como se viessem a recomendar a crianças que aproveitem bem sua criancice, a adolescentes que desfrutem ao máximo de seu adolescer e a jovens adultos que gozem na íntegra a sua juventude.
Agrega-se ao arrazoado sobre os aspectos maneiros do ser velho uma outra explanação, estranhamente provinda de idosos, que, dizendo-se de bem com a vida na sua velhice, teimam em louvar as efetivas maravilhas a serem usufruídas na ancianidade, e fazem recomendações para aprimorar o bem-estar. Entre essas, há prescrições de comportamentos que vão desde idealizar e implementar projetos de fazeres desafiadores até manter uma febril vida social, passando por práticas esportivas visando à saúde corporal e mental e por atividades que reforçam a autoestima (seja lá isso o que for), porque é essencial estar satisfeito consigo mesmo.
Trata-se, no fim das contas, de um esquisito marketing que pretende revelar uma até agora antropologicamente incompreendida faceta da velhice do bem. Um marketing bom-moço, às vezes construído por idoso fantasiador, dirigido a idoso. E sequer se pode dizer que vem a ser coisa do mercado direcionada a anciãos, porque eles representam uma fatia irrelevante no consumo, se detêm no essencial, não no supérfluo. Velhos consomem artigos para velhos (próteses auditivas e dentárias, bengalas etc.), e não itens na moda, pagam meia-entrada, e não inteira, e são encontradiços acomodados em suas residências ou em casas de longa permanência (leia-se, residenciais geriátricos), e não alvoroçados em ambientes descolados em voga – por isso, constituem faixa etária destituída de interesse para qualquer mercado. E, como tudo é comandado pelo mercado, os jovens continuarão a ser seu foco, enquanto os velhos permanecerão como o desinteressante prescindível a ser mantido em sua condição de criaturas que não têm futuro.