Os períodos de até duas semanas sem ver ou falar com a avó foram amenizados quando Nathalia Vargas Conceição, 11 anos, ensinou para Rosa Bock, 63, os diferentes recursos do WhatsApp — que facilitam a comunicação entre as duas. Agora, elas podem até não se encontrar pessoalmente, já que residem em cidades diferentes, mas não ficam sem conversar.
— A gente sempre se fala. Não todo dia, mas sempre algum dia na semana eu falo com ela. Ligo, mando mensagem, pergunto como está. Isso me aproximou bastante dela, porque a gente começou a se falar com mais frequência, ficou mais prático — conta a menina, que é moradora de Canoas, na Região Metropolitana.
De acordo com Nathalia, às vezes Rosa pede para aprender algo novo, mas, em outras situações, ela mesma percebe as dificuldades e se oferece para ajudar. Um desses exemplos é o aprendizado mais celebrado pela avó: o uso do assistente virtual do smartphone por comando de voz.
— Eu vejo que ela demora muito para escrever e pesquisar, aí resolvi ensinar. O microfone do Google ajudou bastante e ela só usa aquilo agora, no WhatsApp também, ela não digita, só fala — afirma, destacando que sempre gostou de ensinar as coisas para Rosa e que ensina para os outros avós também.
Mãe do padrasto de Nathalia, Rosa mora em Esteio e convive com a menina desde que ela tinha cinco anos. A aposentada se derrete ao apontar como Nathalia é inteligente e paciente para explicar como se usa cada recurso. Também comenta sobre os outros ensinamentos — apagar para todos quando manda algo errado no WhatsApp e pesquisar o nome dos filmes nas plataformas de streaming, para achar o desejado com mais facilidade.
Na pandemia, assim como muitas pessoas, Rosa usou o aplicativo de mensagens para conversar com a família, sempre seguindo as orientações e dicas de Nathalia. E acredita que essa experiência tem aproximado as duas:
— Ela está me ensinando e eu estou curtindo aquele momento com ela, aprendendo com ela, porque é uma troca. Às vezes, a gente não tem tanto recurso para aprender as coisas que, para eles (crianças e jovens), são mais fáceis, então quando ela me passa isso fico muito feliz. E é um carinho só, é bem bacana, acho que nos aproxima muito.
Mãe de Nathalia, Claudia Cassiana Costa Vargas Santana, 38 anos, também enxerga essa aproximação com os outros avós e relata que, como costuma ficar na praia com Rosa de dezembro a março, a menina sentiu a necessidade de ensinar a avó materna a usar o Instagram para que ela pudesse acompanhar suas atividades nas férias.
Ajuda dos netos amplia aceitação
Para Gilson Esteves, engenheiro eletrônico especialista em TI e CEO da Tecnosenior, empresa focada na assistência de idosos por meio da tecnologia, o uso dessas soluções realmente gera maior proximidade entre netos e avós, principalmente para aqueles que moram em cidades, Estados ou países diferentes. Ele aponta que essa relação é muito importante porque as pessoas mais velhas costumam aceitar melhor a opinião dos netos do que dos filhos. E, às vezes, é necessário convencer o idoso de que os dispositivos tecnológicos podem ajudar a melhorar a rotina e aumentar a segurança em casos de emergência.
— A primeira coisa é o idoso aceitar aquilo, porque se quebrar essa barreira e ele tiver vontade de aprender a usar qualquer tecnologia, ele aprende. Mas tem que estar convencido de que é uma coisa boa e aí entra muito o papel do neto, porque, às vezes, ele inicia usando para agradar o neto e acaba gostando — comenta.
Mas Esteves destaca que smartphones e aplicativos podem ser complicados para as pessoas acima dos 80 anos, por exemplo. Por isso, é preciso entender as limitações de cada idoso e buscar soluções que tenham um uso mais simples, como assistentes virtuais que podem ser instalados nas residências e são acionados por voz — sem exigir nenhuma configuração manual no momento.
— As coisas para eles têm que ser mais fáceis, tem que automatizar as coisas o máximo possível. Acredito que a tecnologia para o idoso tem que estar ao alcance de um toque, como algum recurso que ele possa ligar para o neto simplesmente apertando um botão. Existem tecnologias que são mais simples de usar, que são mais interativas. E essas coisas deveriam ser procuradas e incentivadas para aqueles idosos que têm mais dificuldade — opina.
Como dica no momento de adaptar um idoso a uma nova tecnologia, o especialista recomenda anotar o passo a passo de como fazer, passar orientações aos poucos, ensinar repetidas vezes, até que a pessoa grave, e pedir para que ela use frequentemente aquilo que foi ensinado.
Conexão boa para ambos os lados
O contato e a troca de experiências é considerada benéfica tanto para netos quanto para avós, que podem aproveitar a curiosidade e a facilidade de aprender sobre tecnologias que são naturais das crianças, afirma a professora de Pedagogia e dos cursos de Licenciatura da UniRitter Denise Ceroni. Com essa conexão, de acordo com ela, os idosos conseguem desenvolver o pensamento digital de uma forma mais natural — e é neste ponto que se constrói um vínculo importante.
— Mesmo as crianças pequenas ensinam os avós, que podem ter uma resistência maior e até dificuldades maiores, mas, com a relação com os netos, isso se torna mais divertido e acaba sendo naturalizado. Então, eles aprendem com as crianças de uma forma muito mais prazerosa e amistosa do que com outro adulto, e isso vai quebrando a resistência que alguns idosos podem ter para aprender coisas novas — explica a docente, que é doutora em Educação e especialista em psicopedagogia.
Denise ressalta que, para as crianças, ensinar alguém é divertido e traz uma sensação boa. Enquanto que, para os idosos, o convívio com os pequenos instiga e provoca a curiosidade que é necessária para a aprendizagem. E, como isso ocorre dentro do núcleo familiar, sendo permeado por uma relação de amor, afeto e cuidado, também se torna mais interessante.
Com seis netos de seus filhos e duas netas “do coração” de diferentes idades, a professora comenta que aprende coisas como ter mais mobilidade no computador e usar o drive com os mais velhos. Já com as crianças, aprende a viver de uma forma mais intensa, com menos cobrança:
— Elas me mostram como a vida pode ser boa, leve e que é feita de momentos incríveis, e é muito divertido. Mas eu estou aberta para isso. Então, penso que isso faz com que nós, pessoas em processo de envelhecimento, tenhamos uma nova percepção da vida. E quando temos essas relações com pessoas jovens ou que estão iniciando a sua vida, essas trocas de experiências, de expectativas e de perspectivas modificam os dois lados.
Na visão da psicóloga e membro da diretoria da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul Angela Flores Becker, o contato dos netos com os avós gera marcas afetivas muito importantes para a constituição psíquica do sujeito. Essas vivências serão responsáveis, por exemplo, por muitas memórias sobre histórias contadas, brincadeiras, cuidado e convívio.
— É muito importante ter essa referência dos avós, essas lembranças afetivas. Normalmente, eles representam cuidado e carinho, sem aquelas obrigações que os pais têm, de impor limites e educar. E para o lado dos avós também, porque isso motiva, rejuvenesce, faz bem para os idosos ter essa relação de brincadeira, é muito saudável — aponta a especialista, ressaltando que o uso das tecnologias contribuiu muito para a saúde mental de ambos os lados durante a pandemia e que fortaleceu laços entre as gerações.