É uma cama bem arrumada, uma dica de produto de limpeza ou uma receita prática passando pela página principal da sua rede social. O conteúdo produzido por donas de casa é diverso e, virtualmente, elas abrem a porta de seus lares para seus seguidores acompanharem a rotina. Desde o café da manhã até a hora de dormir, o compartilhamento da vida real entre as “vizinhas” forma uma rede de inspiração, de apoio emocional e até de parcerias comerciais.
A reportagem de GZH conversou com algumas dessas donas de casa do grupo Gurias Influencer do Lar RS para saber um pouco mais do que é compartilhado e do que dá certo nas redes sociais. A maioria delas utiliza o Instagram, rede social que possui hashtags que servem como fio condutor para os temas, como “#donadecasa” que tem quase 5 milhões de publicações. Para além do Instagram, mulheres que mostram a rotina do lar estão dominando o assunto no TikTok e no YouTube, por exemplo.
Conheça histórias de donas de casa que revelam detalhes de suas rotinas na internet e também criaram laços para a vida fora da rede.
Cama e mesa posta
Antes do Instagram, a artesã Luciane Guimarães, 48 anos, de Porto Alegre, começou a explorar a internet com a criação de um blog para publicação de seus artesanatos, em 2009. Na época, ela havia fechado seu salão de beleza e passou a auxiliar na parte administrativa da marcenaria do marido.
– Quando tudo migrou para o Instagram, conheci uma página de “casinha”, que é como a gente chama. Eu amo cuidar da casa, logo me interessei por isso. Percebi que existem pessoas que pensam que para estar dentro de casa a mulher não estudou, não fez faculdade ou não trabalha fora. Mas não é assim, a felicidade não é a mesma coisa para todo muito. Para mim, tudo que eu faço na casa é um amor – explica Lu, como é conhecida pelas “vizinhas”, maneira carinhosa de chamar outras influenciadoras.
No seu perfil, ela publica de tudo um pouco, mas destaca a organização de cama e de mesa, que passou a chamar mais atenção entre seus 20 mil seguidores, principalmente em datas especiais, como Dia dos Namorados.
– Amo ver a cama arrumadinha, penso em quantas coisas que a gente vai tomando gosto e amor. A cama posta foi uma paixão que surgiu no Instagram, assim como a mesa posta e o chimarrão enfeitado. Vamos nos inspirando e inspirando pessoas – afirma Lu.
Ela explica que utensílios básicos e de cores neutras podem ser usados para uma composição mais organizada na mesa e na cama:
– Pratos brancos ou de cor neutra, uma taça transparente, um guardanapo branco, combinam com qualquer coisa e aos pouquinhos se adquire outras peças. Para cama é a mesma coisa, começa com o que tem em casa e dá para investir em capas de almofadas, que são mais baratas do que as almofadas. Até hoje ainda aprendo a fazer novas combinações me inspirando em outras para fazer diferente.
Com o passar do tempo, Lu conheceu muitas donas de casa e, com isso, foi estabelecendo laços até a formação de um grupo, em 2019, do qual ela administra. Hoje, o grupo tem cerca de 50 participantes ativas que interagem diariamente no WhatsApp, trocando dicas, receitas, fotos, experiências e também formando uma rede de apoio.
– Temos uma amizade, compartilhamos situações, experiências, dificuldades, além de trocar dicas, temos o ombro de amigas. E nos conhecemos de tanto que conversarmos e sentimos vontade de nos ver. Esse ano, pelo menos, vamos conseguir nos encontrar – detalha.
Em maio de 2020, elas organizaram um encontro, mas, devido à pandemia, não ocorreu. Depois, em julho de 2020 e maio de 2021, o grupo se reuniu em formato drive-thru para confraternizar e receber produtos de empreendedores e marcas parceiras. Para os encontros, parceiros enviam produtos que serão, depois, divulgados nas redes sociais das donas de casa. Neste ano, o encontro entre elas acontece neste sábado (28).
– Estamos com quase 250 parceiros, desde o pequeno empreendedor até grandes marcas. Tenho desde farinha, temperos até produtos de decoração. No sábado, elas vão estar levando o fruto do seu trabalho para dentro de suas casas – afirma.
Conforme Lu, tem espaço para todas na rede social e, para começar, o que importa é gostar de compartilhar o dia a dia. Para quem se preocupa com a quantidade de seguidores, Lu garante que o número maior ajuda, mas mais importante é ter uma média de pessoas que interagem e que sejam frequentes no perfil.
Maternidade e dicas de cozinha
Depois do nascimento da filha, Mariana da Silva Rosa, sete anos, a pedagoga Carla Patrícia Lima da Silva, 50 anos, de Porto Alegre, optou por ficar em casa. Foram 27 anos em sala de aula ensinando até chegar o momento em que decidiu acompanhar o crescimento da filha. Foi a partir da gravidez que ela começou a interagir com grupos de mães de nascidos na mesma época e a conhecer os diversos nichos nas redes sociais.
– Fiz meu Instagram para trocar experiências, para conhecer pessoas e para descobrir coisas novas. Depois de 27 anos trabalhando, queria me redescobrir no lar. Eu queria voltar para casa e não foi com o objetivo de fazer disso um trabalho. Quando eu comecei a postar coisas de receitas, eram mais os alunos e familiares que curtiam e comentavam. Oportunidades apareceram depois, frutos de uma decisão de estar em casa e compartilhar – relembra Carla, que hoje tem mais de 26 mil seguidores.
Quem visita o perfil de Carla encontra em vários posts a Maricota, como chama a filha carinhosamente. As duas partilham momentos montando o chimarrão com vários enfeites personalizados e, também, com frequência aparecem provando lanches e receitas que aguçam o paladar de quem assiste. O que não falta na dupla é animação de falar com os seguidores e as vizinhas.
Segundo ela, a maternidade depois dos 40 anos é um dos assuntos mais abordados por seguidores que visitam sua página.
– As pessoas perguntam como engravidei tão tarde. Também sempre tem um ou outro que pergunta do fogão de indução e de eletrodomésticos que eu uso no dia a dia. No momento, as receitas das marmitas chamam atenção, eles querem saber como eu faço, quanto tempo dura e em função disso vai aparecendo outras pessoas – conta Carla.
Aproximação
A pandemia impossibilitou os encontros presenciais e, no período mais restrito, Carla destaca que as amizades foram fortalecidas no grupo das gurias:
– Combinávamos que naquele dia ia ser a noite da pizza e todas faziam pizza, de alguma forma ficava todo mundo junto. Não trocar só receitas, mas temos amizades e trocamos opiniões, vivências. Vai além dica, vai além do comercial e da publicidade. A maioria já se conhece pessoalmente, vimos essas amizades saírem do virtual.
A pesquisadora Raquel Recuero, coordenadora do Laboratório de Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), afirma que essas relações são observadas durante todo o desenvolvimento das tecnologias de comunicação.
– As pessoas meio que se encontram online e descobrem que têm pontos em comum, que têm coisas que se interessam e experiências semelhantes. Nesse ponto, o virtual acaba sendo um espaço de socialização, especialmente para pessoas que normalmente não conseguem usufruir de outros. A internet acaba oferecendo um espaço interessante para as pessoas se conhecerem e, muitas vezes, estabeleceram relações de amizade – aponta a pesquisadora.
Produção de receitas e marmitas
Na busca por uma vida mais saudável, a professora de História Monica de los Santos Teixeira, 45 anos, de Canoas, começou a publicar receitas menos calóricas e práticas.
– Há algum tempo, eu queria ser fitness e, por isso, comecei postando os pratos. Foi então que os colegas de serviço disseram que meu perfil era mais receitas e coisas de casa. Eu vi que existia esse nicho das mulheres que se empenham nas redes. Foi então que mudei para o nome do perfil para @casinha_damonica. Eu trabalhava fora e já fazia marmitas para a semana. Quando entrou a pandemia e as escolas pararam, comecei me dedicar mais à rede social – conta a professora, que hoje tem mais de 24 mil seguidores.
Dentre as postagens de organização e das gatinhas Shelly e Penny, são as receitas que recebem mais interação. Segundo ela, a produção do feijão em quantidade para ser armazenado em potes desperta curiosidade dos seguidores, que questionam sobre o tempero, se pode ou não pode colocar sal, e também sobre a duração do alimento congelado. Para Monica, que mantém a rotina de trabalho e estudo, o gosto do cuidar da casa se uniu ao interesse de estar nas redes sociais.
– Sempre gostei disso, do dia a dia do lar, e acabei sendo influenciada por outras pessoas. Comecei a cuidar mais da casa, a fazer coisas que eu não fazia. Conheci as meninas, aquilo me fez tão bem na pandemia. Eu ria, conversava, criei laços que não têm explicação – conta Monica sobre o grupo de influenciadoras, administrado por Lu.
Empreendedoras e econômicas
Ruth Rocha, 37anos, e Jane Alves, 39 anos, adentraram ao universo do “IG” de casinha de maneira parecida. Ambas, moradoras de Porto Alegre, foram convidadas por Luciane para participarem como parceiras do primeiro encontro do grupo de influenciadoras, em 2020, já que as duas são empreendedoras. Ruth faz placas de madeira artesanais para decoração e Jane faz canecas e produtos personalizados.
– Fui chamada para ser parceira, mas me encantei pelo grupo. Me identifiquei porque sou mãe, esposa, dona de casa, artesã, cuido de toda a venda dos meus produtos, em todas as plataformas. Então, ativei meu perfil pessoal.
Questionada sobre o sentido da dona de casa de hoje, a artesã reflete:
– Essas mulheres vêm para desmistificar o estereótipo de dona de casa, pois são mulheres que mudam a casa, em todos os sentidos, e muitas também são empreendedoras.
Segundo Ruth, a função de trocar experiências e publicar fez seu nível de organização aumentar e, hoje, ela se considera mais organizada, pois tem uma rotina estabelecida. Na sua página, ela conta que o conteúdo que mais ganha interação com os seguidores são as receitas feitas na fritadeira elétrica.
– Acho que chama atenção porque é mais saudável e prático. Muitas pessoas têm dúvida da fôrma que pode usar dentro da air fryer, aí já me perguntam. E eu gosto de cozinhar, mas a parte que acho chata de fazer é picar e cortar os ingredientes. Então, normalmente já deixo tudo pré-pronto. Se estou cansada, cozinhar não vai dar trabalho, ganha tempo – explica.
A troca de dicas vai além das receitas, também impacta no bolso das famílias. As entrevistadas afirmam que uma da iniciativas que ganham atenção dos seguidores é mostrar produtos que geram economia, tanto pelo valor quanto pelo rendimento.
– Estou sempre experimentando um sabão diferente. Uma das coisas que eu uso bastante é o detergente em galão de cinco litros, que é mais economia quando comprado em maior quantidade e dura até quatro meses. Além disso, o produto que eu escolho rende
mais porque é concentrado e mesmo misturando com água, ele não fica fraco – conta Jane, que dá dicas de limpeza e de decoração na sua página, além de mostrar as canecas personalizadas.
Jane tem uma rotina cheia que vai além da casa. Ela trabalha como compradora de uma loja e está no final da graduação em Administração. No negócio das canecas e na organização da casa, ela destaca que tem a ajuda do marido e da filha:
– Estou correndo com a faculdade, porque falta um ano para finalizar e coloquei como uma prioridade. Uso o meu tempo dentro do ônibus para o trabalho para postar alguma coisa e muita coisa organizo no fim de semana, depois só vou publicando. Além de postar do meu dia a dia, posto a função do trabalho. Quanto tenho retorno de alguém que comprou uma caneca e marcou a gente é gratificante.
Explorando outras plataformas
Em Tramandaí, no Litoral Norte, Katiely Oliveira, 29 anos, que até pouco tempo mantinha as publicações da casa organizada somente no Instagram decidiu dar uma chance pro TikTok – aplicativo conhecido pelos vídeos curtos e, principalmente, de danças que viralizam. O despertar para a rede veio quando ela reparou na plataforma que o seu filho mexia:
– Um dia, ele estava olhando as dancinhas. Pensei: por que eu não podia colocar as coisas que posto no meu Instagram no TikTok também? Decidi investir e colocar mais conteúdo na minha página e cresceu muito rápido.
Ela detalha que muitos dos seguidores que chegaram pelo TikTok (14 mil) também a procuraram no Instagram (21 mil). Em menos de um mês, ela viu seu número de seguidores praticamente dobrar. Entre conteúdos que envolvem utensílios na cor rosa, organização e reforma e bom-humor, ela conta a estratégia para estar recebendo várias visualizações:
– Uso as músicas que estão em alta e coloco hashtags de dona de casa e de organização. O TikTok é uma rede bem legal, maleável e tem gente para todos os públicos. Depois que eu entrei ali comecei a ver que tem muitas donas de casa.