Uma homenagem da cidade portuguesa de Ponte de Lima ao Rio Grande do Sul, entregue ao Estado no final dos anos 1980 para ser instalada numa rodovia gaúcha, permanece esquecida até hoje em um depósito do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) de Osório. O responsável por trazer a placa de granito de mais de 300 quilos, o empresário português João Martins de Lima, 96 anos, que vive em Porto Alegre, passou as décadas mais recentes acompanhando a saga do presente deixado de lado.
Nascido em Ponte de Lima, João mora no Brasil desde os seus 20 anos e sempre esteve envolvido com a cultura portuguesa e entidades portuguesas no país. Inclusive, foi um dos incentivadores da mudança do nome da RS-030 para Rodovia Cristóvão Pereira de Abreu, o tropeiro português que desbravou os caminhos no Rio Grande do Sul no século 18. Em meio à mata ainda virgem, Cristóvão, que nasceu na mesma cidade de João, garantiu um fluxo constante e regular do comércio de gado e cavalos, entre a região do Rio Grande do Sul e São Paulo, designado “caminho tropeiro”. O roteiro comercial iniciado por Cristóvão originou a formação de núcleos populacionais, como Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula e Nossa Senhora da Oliveira da Vacaria.
Em 1986, o então governador Jair Soares denominou a RS-030 com o nome do tropeiro. A via faz ligação entre a Região Metropolitana de Porto Alegre e o Litoral Norte, cruzando Santo Antônio da Patrulha, uma das cidades nascidas a partir do trabalho de Cristóvão. Na época, João estava em Portugal e ficou entusiasmado com a alteração do nome da rodovia. Junto com o reitor de uma universidade portuguesa, o empresário conseguiu apoio do governo português para a produção de uma placa de granito representando a amizade entre os dois povos. Foi ele o responsável por trazer o presente até o Estado.
Por anos, a placa ficou guardada na Casa de Portugal. No vaivém de indecisões de onde e como ela seria instalada, ela acabou indo parar no Daer.
- Até um pouco antes da pandemia, estivemos em Osório e a prefeitura chegou a propor a instalação da placa próxima ao parque de Rodeios. Mas veio o distanciamento e logo depois a troca de governo municipal, e a instalação foi novamente adiada.
— Meu pai vai fazer 97 anos e dói na alma dele saber que a situação jamais foi resolvida — conta a enfermeira Ana Cláudia Martins de Lima, filha de João, que esteve com o pai em Osório, no início de 2020, e viu a placa no depósito do Daer.
Em casa, João guarda numa parede, quase como um altar, todas as fotos e os documentos relacionados à doação e à instalação da placa em terras gaúchas, do Diário Oficial de março de 1986 com a publicação do novo nome da rodovia, a um documento assinado por um engenheiro do Daer, em setembro de 2000, indicando a liberação do local para a instalação da placa no km 93, à margem direita da pista, distante 12 metros do acostamento, no sentido Osório-Tramandaí.
Ao tomar conhecimento da situação por meio da reportagem de GZH, a direção do Daer informou em nota que "está apurando os motivos pelos quais o processo de instalação da placa na ERS-030 não teve prosseguimento desde a sua entrega à autarquia. Paralelamente a isso, foi emitida uma determinação para que seja confeccionado o material de suporte da placa, dentro dos parâmetros técnicos necessários, visando à instalação o mais breve possível."
Prestes a completar 97 anos, João está internado na Unidade de Tratamento Intensivo do Instituto de Cardiologia desde o início deste mês. Durante a internação, antes do quadro se agravar, gravou um vídeo com a filha onde fala sobre a placa e a espera de décadas por uma definição. O desejo da filha é que o pai se recupe e possa ver a placa instalada às margens da RS-030, como sempre sonhou.