As linhas e os tecidos colorem um quarto que foi transformado em ateliê no bairro Jardim Europa, na Capital. E não poderia ser diferente. Natural de Criciúma (SC), mas moradora de Porto Alegre há 15 anos, a artista plástica e arteterapeuta Joseane Panato Back, 54 anos, decidiu transformar uma de suas paixões em doação. Com uma máquina de costura que tem pelo menos 35 anos de uso, Joseane faz bonecas e bonecos de pano. Parte da produção é doada a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
— Tu consegue abraçar, tu consegue apertar bem no teu peito, por exemplo, e ela é macia, ela é quentinha. Dá um aconchego, um aconchego da alma — explica.
Foi daí que partiu o nome do projeto BonecAlma. Por meio dele, Joseane conseguiu aumentar o número de doações porque propôs que parte da renda de cada boneca vendida permitisse a produção de uma segunda boneca, destinada à doação.
A "magia" natalina
Era final de 2020 quando a artista, que participa da Confraria Feminina do Jardim Europa, decidiu pegar algumas cartinhas de Natal enviadas ao grupo. Em uma delas, uma menina pedia uma boneca de presente. E Joseane decidiu ir atrás de uma feita de pano. Apesar da dificuldade em encontrar nos moldes de como queria, conseguiu uma para presentear a menina.
— Como era Natal e eu tenho uma neta e uma afilhada, pensei: "Já que está difícil de encontrar, eu vou fazer um curso e fazer as bonecas" — lembra.
Ela fez três aulas presenciais e o restante foi aprendendo com a ajuda de vídeos no YouTube.
— Eu comprei material, amei fazer, dei para as duas. E o fato de dar a boneca lá para aquela menina no Natal, da cartinha, mexeu muito comigo — destaca.
Com esse sentimento, decidiu começar a fazer doações no ano que estava por vir, 2021. Em paralelo, pessoas passaram a se interessar em comprar as bonecas. Diante disso, foi criado o projeto BonecAlma.
O modo de fazer
Antes de ingressar na faculdade, Joseane tinha uma confecção, que manteve por sete anos. No local da produção, entre outras, tinha a máquina que hoje a permite costurar os bonecos. A costura, porém, vem de muito antes na vida da artista.
— Quando eu tinha oito anos, a minha mãe já me ensinou a costurar naquelas máquinas bem antigas, movida a pés, não era elétrica — lembra.
Com cerca de 35cm de altura e 25cm de largura (com os braços abertos), os bonecos acompanham uma bolsa e um traje extra. A produção de cada "kit" leva de dois a três dias, afirma Joseane. E, além da parte material, há muita energia envolvida na criação. Em cada boneco, são pintados os sete principais chakras — isto é, os pontos de energia distribuídos pelo corpo. E a prática do reiki, técnica por meio da qual se busca transmitir energia, acompanha toda a produção, descreve Joseane.
A artista, que hoje trabalha sozinha, diz que, no futuro, gostaria de ter o apoio de costureiras na produção.
Companhia fiel
A maior parte das doações foi para o Instituto Passos, de Porto Alegre, que atende crianças e adolescentes de seis a 14 anos em situação de vulnerabilidade social. As entregas ocorreram em 2021, sendo a primeira em abril por conta da Páscoa. Depois, a ideia passou a ser dar bonecas ou bonecos de presente a aniversariantes, explica Tatiana Bottin Cardoso, coordenadora geral da instituição. Segundo ela, foram 38 doações.
— Não sabíamos como os adolescentes reagiriam ao receber um boneco, uma boneca. Mas foi interessante, porque o convívio deles grupal estava tão limitado e fizemos todo um trabalho de dizer que aquele boneco era uma companhia enquanto não podíamos estar reunidos — ressalta a coordenadora.
Prazer, Bernardo
Na casa de Guilherme Machado Santos, 11 anos, um dos frequentadores do instituto, o boneco rendeu uma votação na hora de definir um nome. E o escolhido foi Bernardo — chamado carinhosamente pelo apelido Bê. Para Guilherme, ganhar o boneco foi como se tivesse ganhado "algo mais especial do que um presente".
— Ele me acompanha por todas as coisas que eu faço, quando eu estou dormindo, ele está dormindo comigo, quando eu estou jogando, ele está do meu lado. Ele está sempre comigo — conta.
A mãe, Sônia Oliveira Machado, percebe que o filho se identifica com o boneco: os dois têm algumas semelhanças físicas, como o mesmo formato de cabelo.
Além da compra das bonecas e bonecos, é possível ajudar o projeto BonecAlma por meio da doação de materiais, como tecidos, rendas, linhas, fitas, botões, elásticos e lãs, e de quantias em dinheiro para a aquisição dos mesmos. Para isso e no caso de instituições que queiram fazer uma parceria, o contato com Joseane pode ser feito pelo Instagram (@bonec.alma) e pelo Facebook (facebook.com/bonecalma).
Produção: Isadora Garcia