Uma mamãe urubu aproveitou as férias dos moradores do terceiro andar de um edifício no bairro Sétimo Céu, zona sul de Porto Alegre, para transformar a floreira do apartamento em ninho, colocar dois ovos e começar a chocá-los. O endereço foi bem escolhido: tem telhado que abriga a família da chuva e vista privilegiada para o Guaíba. Os urubus gostam de locais altos para fazer seus ninhos, e, no ambiente urbano, as floreiras dos prédios estão entre seus destinos favoritos.
Quando a psiquiatra Ana Cristina Tietzmann voltou de viagem, no início de agosto, foi surpreendida pelos novos hóspedes. Por morar perto do Parque Natural Morro do Osso, ela relata estar acostumada a conviver com os pássaros e que já tinha visto urubus pousando no telhado. Para que não fizessem ninhos, no entanto, costumava tentar afugentá-los. Mas, dessa vez, não teve como evitar. Decidiu, então, abraçar a ideia de ter, pelos próximos meses, uma família de urubus morando pertinho da sacada.
— Apelidei a mãe, uma urubu-de-cabeça-preta, de Dona Cora, uma homenagem ao nome científico da espécie, Coragyps atratus — afirma Ana.
Os ovos, um pouco maiores do que um ovo de galinha, apareceram quebrados em 11 de setembro, mas a mãe, zelosa, não deixava ver os recém-nascidos. Dois dias depois, os filhotes se mostraram pela primeira vez, pequenos e com uma plumagem branquinha. Quase um mês após do nascimento, a dupla já está bem maior, mas ainda precisará de pelo menos mais um mês para aprender a voar e deixar o ninho. Para não interferir no desenvolvimento dos animais, a única interação que a psiquiatra tem com a família são as conversas na sacada, coisa que já rendeu até comentários no estilo "não acredito que tu estás, de novo, falando com urubus", do marido.
— Agora eu sei tudo de urubus. No início, morria de vontade de dar um bifinho, um guisadinho, mas pesquisei e vi que não deveria, pois os filhotes iriam se acostumar a ter comida fácil, à disposição, e isso ia prejudicá-los — afirma Ana.
Embora sejam encarados por muitas pessoas como uma espécie feia e portadora de mau agouro, principalmente pelo fato de sua dieta ser baseada em carne em decomposição, os urubus não costumam atacar ou transmitir bactérias ou vírus se os humanos não invadirem o espaço deles, segundo o professor de zoologia da Feevale Marcelo Pereira de Barros. E ainda são importantes para o meio-ambiente, já que eliminam boa parte das carcaças de animais mortos na natureza.
— A interação deve ser reduzida ao mínimo possível. A fauna silvestre tem que ser deixada à sua própria regulação, não temos que tocar neles, alimentá-los, tentar levá-los para dentro de casa, assim como não devem ser insuflados esses mitos de que o animal traz mau agouro. É um animal que tem sua importância no equilíbrio da cadeia alimentar — afirma Barros.
Quebrar o estigma tem sido uma das missões de Ana nas redes sociais: no seu perfil no Instagram, @actietzmann, ela compartilha cada etapa da evolução dos filhotes, do chocar dos ovos ao primeiro estender das asinhas. Nesta semana, seus seguidores estão inclusive participando da votação para escolher o nome dos recém-nascidos. Estão no páreo as alternativas "Uri e Bu", "Sancho e Pança" e "Rum e Tequila".
O braço direito de Ana na tarefa de zelar pelas aves é a empregada doméstica Dulcinara Cavalcanti, que se preocupa em ficar de olho nos filhotes nos momentos em que a mãe urubu não está, por medo de que sejam atacados por outras aves, como gaviões ou outras espécies de urubus.
— A gente vê eles rondando de vez em quando. A mãe dos urubus não nos ataca, ela sabe que quem é daqui desta casa não vai machucar eles, então não fica tão na defensiva. O pai quando aparece já é mais arisco, abre as asas pra nós e para os cachorros — afirma Dulce, se referindo aos três cães da casa que não se habituaram aos novos hóspedes e latem para eles.
Ana e Dulce admitem estar muito apegadas nos urubus, mas entendem que a partida é inevitável.
— Se eles escolheram a nossa casa para fazer o ninho, o nosso papel é protegê-los, pois eles são animais vulneráveis, estigmatizados, mas que são parte importante do ecossistema. Daqui alguns meses eles vão embora e nós teremos feito a nossa parte — conclui a psiquiatra.