Heróis sem capas ou deuses que salvam vidas. No imaginário infantil, há espaço de sobra para descrever a imagem do pai. Estes que você vai conhecer nesta reportagem, no entanto, fazem jus à imaginação dos seus filhos. São homens que atuam em atividades essenciais e que são fundamentais durante toda a pandemia. Do fisioterapeuta ao motorista de ônibus, passando pelos profissionais da segurança pública, todos se mantiveram nas ruas enquanto boa parte da sociedade se isolava em casa.
Em homenagem ao Dia dos Pais, instituído no Brasil em 1953 e celebrado neste domingo, dia 8 de agosto, GZH conversou com os filhos desses homens que não têm superpoderes, mas que, sem dúvida, são fundamentais para a sociedade. Alguns deles escreveram cartas para expressar o amor que sentem pelos seus pais.
O salva-vidas
Com apenas seis anos de idade, o pequeno Davi de Lima Dresch já sabe muito bem o que quer ser quando crescer: cientista. É para ajudar o amigo Eduardo, que planeja ser médico. Talento, o guri já tem. Em poucas palavras, explica como ninguém o que é uma vacina:
— É o remédio para não pegar covid e não ficar doente.
A noção surpreendente do que está acontecendo no mundo tem justificativa: o menino é filho da enfermeira Ana Paula de Lima, 40 anos, e do fisioterapeuta e técnico em enfermagem Diego de Freitas Dresch, 40. Trabalhador do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre desde 2012, Diego tinha como parte da rotina o atendimento e tratamento a pacientes de traumas até o estouro da pandemia, em março do ano passado. A partir desse momento, começaram a surgir os primeiros casos de pessoas com traumas e sintomas de covid-19.
— Tivemos que nos preparar e treinar para esse atendimento até que, no pico da pandemia (em março deste ano), o hospital virou covid-19 e se perdeu a essência exclusiva do trauma — relembra o fisioterapeuta e técnico em enfermagem.
De lá para cá, Diego vivenciou pelo menos dois momentos que considera os mais difíceis: a própria contaminação pelo coronavírus, há cerca de um ano, e a perda do avô, por covid-19, em 2021.
Eu acho ele um deus, porque tem várias pessoas morrendo e ele as salva."
DAVI DE LIMA DRESCH
Filho de seis anos do fisioterapeuta Diego de Freitas Dresch
— No ano passado, foi difícil. Fiquei mal e não me recuperei tão rápido. Tive sintomas fortes. E agora, em 26 de março, meu avô faleceu pela doença. Ele era uma referência paterna muito grande. Isso me deixou assustado. Tive medo de me contaminar de novo e morrer — relata.
Por observar de perto as mudanças na rotina do pai — e por ter experimentado muitas delas na prática, como o isolamento, paralisação nas aulas presenciais e afastamento dos amigos e familiares —, o futuro cientista define Diego como um ser muito maior que um herói:
— Eu acho ele um deus, porque tem várias pessoas morrendo e ele as salva. Ele é fisioterapeuta, que é tipo um médico, só que faz coisas diferentes do médico — argumenta.
Além do presente comprado para entregar no domingo ao Diego, Davi tem na ponta da língua as palavras que colocaria num cartão para o papai:
— Que ele curou muitas pessoas, que ele vai muito bem no trabalho e que merece um dia para ele.
Apesar da perda recente do avô, Diego acredita que este domingo será sinônimo de esperança. A data vai marcar uma reunião com a família da esposa, que já foi vacinada.
— Vai ter tristeza, mas ao mesmo tempo esperança. Tenho um filho que nasceu há dois meses, ele traz esperança — avalia.
Melhor pai do mundo
Motorista da Carris há dez anos, Jeferson da Rosa, 43 anos, mantém, desde março do ano passado, a mesma rotina: acorda por volta das 3h10min, pega o "madrugadão" (veículo que busca os trabalhadores do transporte público), chega na sede da empresa, confere as condições do veículo e se desloca rumo ao Terminal Triângulo, na Zona Norte, de onde puxa a primeira corrida do T13, às 6h. A sequência diária só foi interrompida em 2020, quando teve covid-19 e precisou se afastar do trabalho.
Em casa, Lucas Ávila da Rosa, 11 anos, e Eduardo Ávila da Rosa, sete, não veem o pai sair no meio da madrugada, mas sempre o esperam atentos, conta o condutor:
— Quando chegava em casa, se eu demorasse para entrar e ficasse um tempo na rua conversando com minha esposa, eles já diziam: "Pai, banho, vai pro banho".
A recomendação da dupla faz parte do ritual de cuidados que a família adotou desde o começo da pandemia: Jeferson alocou um cabideiro na garagem onde deixava as roupas mais pesadas, como calças e jaquetas. As demais peças eram colocadas em uma sacola que ia direto para a lavadora, enquanto o motorista ia para o banho.
— Sempre tivemos muita cautela, mas não chegamos ao ponto de usar sacos para abraçar as crianças. Mas nunca faltou álcool gel e cuidados — lembra Jeferson.
É o melhor pai do mundo. Ele é batalhador, carinhoso, amigável e engraçado."
LUCAS ÁVILA DA ROSA
Garoto de 11 anos é só orgulho do pai, Jeferson da Rosa
Trabalhador essencial, Jeferson é inspiração para os filhos. Nas palavras de Lucas, o pai merece muito respeito pela pessoa que é e pela profissão que exerce:
— Fiquei orgulhoso, muita gente se contaminando e meu pai lá trabalhando para pagar as contas, conseguir o que e eu meu irmão queremos. Ele não é um superpai. É o melhor pai do mundo. Ele é batalhador, carinhoso, amigável e engraçado.
Neste domingo, a programação de Jeferson é aproveitar seu dia junto com os filhos. Mas só depois do expediente. Apesar de a Carris promover uma ação que ajustou a escala de alguns profissionais para que eles passassem a data com os filhos, o motorista vai trabalhar até as 14h normalmente.
— Escolhi trabalhar nessa profissão ciente que é serviço essencial. Nessas datas, como Dia das Mães, dos Pais, Natal, me chamou, estou lá. Mas isso não vai impedir que eu almoce em casa e passe a tarde junto deles — garante Jeferson.
Segurança
Pai de quatro guris — e da Fiona, uma gatinha —, o tenente Edgar Ricardo da Silva, 43 anos, foi mais um dos trabalhadores que não arredaram os pés das ruas durante a pandemia. Ele e a esposa, a também policial militar Rita de Cássia Duarte Gomes, 39 anos, precisaram ajustar as rotinas de trabalho com as aulas remotas dos trigêmeos Cássio e Murilo Gomes da Silva e Vitor Falcão Gomes da Silva, dez anos. A saída encontrada foi deixar o trio com a avó paterna enquanto mantinham as funções e buscá-los no final do dia.
Ele consegue superar tudo o que tentar fazer com vontade! "
MURILO GOMES DA SILVA
Um dos trigêmeos de dez anos fala do orgulho do pai, Edgar Ricardo da Silva
Com a mudança no dia a dia, novos hábitos passaram a ser incorporados pela família, como o da leitura antes de dormir e das competições em jogos de tabuleiro.
— Aprendi muito com a pandemia. Passamos a ler juntos, fazer exercícios de matemática, jogos novos. Agora, cultivamos isso. Tiramos isso de positivo do período — fala o policial, que também é pai de Lucas Aurélio da Silva, 20 anos.
Em uma família de gremistas, Murilo, o único colorado, seguindo os avós paternos, deixou a timidez de lado para homenagear o pai:
— Ele é o melhor pai e ele consegue superar tudo o que tentar fazer com vontade! — cravou.
Também membro da segurança, o bombeiro Laerte da Silveira, 34 anos, é o herói da filha, Nicoly da Silveira, dez anos, que sonha "em ser como ele". Juntos, os dois desenham animes, veem filmes e passeiam, conta a menina. Mas a atividade preferida da pequena é ir para as aulas de taekwondo com o pai.
— Eu comecei agora, então eu estou na (faixa) amarela — fala.
Como a mãe da menina, Beatriz da Silveira, 29 anos, também é bombeira, o casal precisou de uma grande adaptação com a filha, que teve as aulas presenciais suspensas. Inicialmente, os pais de Nicoly trabalhavam com um regime de revezamento, umas semanas em casa e outras do comando. Contudo, por se tratar de uma atividade essencial, eles logo saíram do trabalho remoto e precisaram deixar a filha aos cuidados da avó materna, Eliane Simões Pereira.
Obrigada por sempre cuidar de mim. Eu te amo muito, você é meu herói."
NICOLY DA SILVEIRA
Garota de dez anos é puro amor pelo pai, o bombeiro Laerte da Silveira
— Foi complicado, mas não nos afastamos dela. Só quando contraímos o vírus, em dezembro. Ficamos 20 dias longe, ela sentiu muita falta — diz Laerte.
Cheia de orgulho do pai herói, a guria pretende presentear Laerte com chocolates, com um desenho e uma carta repleta de amor na qual ela agradece ao bombeiro por tudo: "Obrigada por sempre cuidar de mim. Eu te amo muito, você é meu herói", escreveu.
Neste ano, diz Laerte, o Dia dos Pais promete ser diferente, especialmente, pela perda recente de dois colegas, mortos durante o incêndio do prédio da Secretaria de Segurança Pública, em Porto Alegre.
— Estamos comovidos com a situação dos meus colegas. São pais que não vão estar presentes com as suas famílias nesta data. Isso criou um vazio dentro de todo mundo, não só dos familiares deles — lamenta.