Praia, rio, montanha e campo: a vista de uma viagem de balão em Torres, no Litoral Norte, é completa. A cidade que tem no balonismo uma das suas principais marcas agora também produz suas próprias aeronaves. O primeiro balão fabricado no Rio Grande do Sul, com capacidade para transportar até seis pessoas, estreou em uma viagem com passageiros em 30 de dezembro. GZH participou do quinto passeio, no último dia 7.
Flutuar dentro de uma cesta de vime, na divisa entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, pode causar certa apreensão até o momento da decolagem. A partir dali, compensa. O cenário que inclui as curvas do Rio Mampitupa, a costa litorânea, a Serra Geral e outros balões voando em Praia Grande (SC) distrai até o mais temido tripulante. O balão saiu do chão às 5h54min da Vila São João, próximo ao interior do município, e pousou uma hora e 17 minutos depois, próximo à praia de Passo de Torres (SC). No trajeto, o silêncio só foi interrompido pelo barulho do lança chamas, acionado sempre que a piloto quer ampliar a altitude. O balão não treme, nem balança. Nenhum ruído que possa roubar a atenção que a paisagem merece.
– Aqui em cima a sensação é de paz – resume a capitã da viagem, Laís Pinho, 27 anos.
Única piloto mulher em atividade no Brasil, instrutora e a atual campeã brasileira de balonismo na categoria feminina, Lais é um prodígio no setor. Aos 10 anos, ela e a mãe ganharam um passeio durante uma edição do festival de balonismo – em Torres ocorre a maior competição do gênero da América Latina. Já na infância o esporte a fascinava. Na fase adulta, é também um objetivo de vida.
– Quem nasce em Torres nasce amando balão. Minha família sempre esteve envolvida com o festival. Sempre estive junto aos balões, desde o dia em que voei pela primeira vez. Comecei a fazer equipe, passei a voar. Passava o ano inteiro esperando o festival de balonismo: para ver balão, para estar junto dos balões, para voar. Eu era louca para voar.
O balão é uma aeronave, tem prefixo como os aviões, para sair do chão precisa ter Certificado de Voo e Apólice de Seguro Aeronáutico e o piloto precisa de brevê – carteira de habilitação para conduzir aeronaves. Laís completou 18 anos em 30 de março de 2011 e, no dia seguinte, estava na Agência Nacional de Aviação Civil com os documentos para ter o seu brevê.
Quando chegou a maioridade, ganhou do pai um cesto e um maçarico. Aos 18 anos, já tinha seu primeiro balão e passou a voar sozinha. Primeiro como hobby, depois por esporte. Mais tarde, foi se aproximando das competições. Há três anos, transportar passageiros em balões é a profissão dela. Laís voa pelo menos quatro vezes por semana. No dia 7, já havia feito sete voos em 2021.
– Hoje voo com oito pessoas, já fiz voos com 12. Vivo só do balão – diz. – Voar de balão, para mim, é tudo: meu trabalho, meu hobby, meu esporte, meu treino. Às vezes, quando não tenho nada para fazer, vou voar. Voo para me divertir, me distrair. Se eu estiver estressada, preciso voar para me acalmar.
A paixão de Laís influenciou o pai, Reni Pinho, 56 anos, que foi treinado pela filha e também é piloto. Das 16 horas-aulas, em oito Laís foi instrutora de Pinho. Para conquistar a habilitação, são feitas aulas e provas práticas e teóricas.
– Todo mundo pensa que a influência foi de pai para filha. Nesse caso, foi ao contrário.
Além do pioneirismo feminino em pilotar balões, Laís também está envolvida na produção da primeira aeronave gaúcha. Funcionária da Victória Baloons, ela é uma das sócias da empresa na filial do Rio Grande do Sul e esteve à frente em todas as fases da confecção do primeiro balão produzido em Torres. A empresa de Campo Largo (PR) tem 27 anos de mercado e é liderada por uma família de pilotos que fabrica balões, faz manutenção, opera voos comerciais e instrui pilotos.
Na Vila São João, em Torres, o balão foi construído em um barracão de 180 metros quadrados. Tudo foi concebido no Rio Grande do Sul: desde o projeto, passando pela impressão dos moldes, o corte do tecido e a máquina de costura. Dependendo da complexidade, o balão leva de 30 a 60 dias para ser feito. Este ficou pronto em 40 e passou pelas mãos de uma costureira. Na fabricação, foram usados 1,8 mil metros de pano, tecido 100% poliamida, que suporta até 125 graus de temperatura. O material, em um balão novo, precisa aguentar até cem quilos por centímetro quadrado. Em média, o tempo de vida útil de um balão é de 450 horas de voo.
– Esse é o primeiro e único balão gaúcho. Tem mais dois sendo feitos na fábrica – conta Laís.
O maçarico veio de São Paulo e o cesto, do Paraná. A ideia é que os próximos já sejam feitos com cestos produzidos por artesãos gaúchos. Antes de ser construído, o projeto do balão é aprovado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Depois de pronto, passa por uma série de testes, além da minuciosa colocação de cordas, que ajudam o balão a subir e descer.
Produzir um balão de porte médio custa em torno de R$ 120 mil. O valor inclui tecido, cesto, maçarico e quatro cilindros de gás de aço inox. Também há o investimento em equipamentos de bordo, como GPS, variômetro, altímetro e termômetro para medir a temperatura do teto do balão, que saem por mais R$ 12 mil.
É o cliente que escolhe as cores do tecido do balão. Cada quadrado pode ser de uma cor. O primeiro balão gaúcho tem mil metros cúbicos e é considerado de porte médio. Tem capacidade de até uma tonelada, contando o peso de todos os equipamentos, do piloto e da tripulação. No passeio feito por GZH, voaram repórter e fotógrafo. Laís convidou mais duas amigas para participarem do voo para que houvesse um peso mínimo dentro da cesta.
– Dependendo do tamanho do balão, é necessário ter carga apropriada para ter equilíbrio. O balão muito leve demora para descer. Controlamos a subida e descida, mas a direção é o vento quem manda – explica a piloto.
Mauro Leandro Chemin, 56 anos, proprietário da Victoria Baloons, explica que saber a previsão do tempo é fundamental para voar:
– O principal fator de segurança é o conhecimento meteorológico. Com o avanço da tecnologia, vários equipamentos nos dão com exatidão a temperatura ambiente, a umidade relativa do ar.
Há uma série de variáveis levadas em conta até o momento em que o balão sai do chão: além da temperatura e da umidade, a altitude em que se está e o vento fazem a diferença. Outro fator importante é o horário do passeio. No mundo inteiro a prática de balonismo ocorre no começo da manhã ou no final da tarde, quando há um equilíbrio das camadas de temperatura e menor incidência de aquecimento solar.
Quanto mais perto do meio-dia, maior a quantidade de térmicas em locais úmidos, como banhados, lagos e áreas com árvores. A água esquenta, evapora e sobe, girando, o que prejudicaria o controle do balão. O voo de GZH chegou a uma altitude máxima de 900 metros, ficando acima da primeira camada de nuvens. Mas também voou baixinho sobre uma lavoura de milho, quando foi quase possível tocar as folhas da plantação.
– Temos controle total da altitude e escolhemos as camadas de ventos em que queremos voar. Durante nosso voo, conseguimos estar mais embaixo, para pegar uma corrente de vento que nos levou em direção à praia. Depois subimos bastante, achamos mais uma corrente de vento que nos deu velocidade para ir em direção ao mar – explica Laís.
Em todo o trajeto, é evidente como a piloto entende o vento. Diferentemente de um voo de avião, não há um local exato para pouso ou um plano de voo rígido. O balão sai de um ponto e pousa mais ou menos num local em que o piloto imagina.
– Tudo o que vai acontecer estamos planejando. Voar é razoavelmente fácil. Mas, na aviação, não se pode errar. Para mim, voar acaba sendo muito natural. Eu sinto o balão com o meu corpo. Às vezes pego uma rajada de vento, sinto uma brisa no cabelo, e já vou usar o maçarico. Já sei o que aquilo vai gerar no balão. Ele tem um tempo de resposta. Tudo que quer que aconteça tem que antecipar em três segundos. Se lá na frente vou querer descer, tenho que me preparar agora. Aprendemos a observar o vento. Me apaixono todo dia por balões.
A ideia de construir balões no Estado surgiu da própria demanda do setor por reparos e manutenções de aeronaves que sobrevoam Torres. Como a fábrica mais próxima era no Paraná, havia mercado para abrir uma filial local.
– Da necessidade vimos a oportunidade de estar em Torres, que é onde há mais pilotos per capita do Brasil – afirma Laís.
Piloto há quase três décadas, Chemin já participou de 25 edições do festival de balonismo em Torres, é presidente da federação paranaense do esporte e foi quem treinou Laís. Hoje, está à frente da expansão gaúcha da empresa junto à pupila:
– Sou paranaense, mas de coração, gaúcho. Nossas grandes amizades estão em Tores. O Rio Grande do Sul é o Estado que mais cresceu em número de pilotos nos últimos anos. Aproveitamos esse nicho que está crescendo de forma robusta – analisa Chemin.
O balonismo é um dos principais atrativos de Torres, na avaliação do secretário de Turismo do município, Fernando Neri. O festival é o mais relevante evento da cidade, ele diz. Ocorre sempre em baixa temporada, gerando um fluxo semelhante ao do Ano-Novo ao longo de cinco dias na cidade – em 2020, não foi realizado devido à pandemia.
– É um evento que permeia a imaginação e o sonho de todo torrense desde pequeno. É algo que está na nossa cultura. E economicamente traz frutos para a cidade. A imagem lúdica que a cidade tem por causa dos balões é algo de valor imensurável.
Na Câmara dos Deputados, em Brasília, tramita um projeto de lei para instituir Torres como a Capital Brasileira do Balonismo. O festival gaúcho é o quarto maior do mundo, atrás de competições do Japão, Estados Unidos e França.
– Muitas empresas tem balão em Torres, marcas usam o balonismo como marketing. Muita gente vem para cidade em virtude do balonismo. Isso tudo tem impacto importante na nossa economia. Parte significativa do PIB de Torres é estimulada pelo balonismo.
Como voar
Entre em contato com o Centro de Atendimento ao Turista de Torres, no telefone (51) 3626-9150, de segunda a sexta-feira, das 13h às 18h