Por Natália Mansan
Pedagoga, coordenadora pedagógica de escola infantil e pesquisadora da primeira infância, além de mãe da Betina, de três anos
Estamos vivendo um período delicado, com distanciamento social que, muitas vezes, produz um aperto no coração. Sentimos isso porque temos saudade de algo que vivenciamos antes, o calor humano, os abraços, os relacionamentos. Aprendemos, desde muito cedo, a importância de dar e receber afeto.
Fico pensando nas crianças da atualidade, principalmente as bem pequenas, que vivenciam a primeira infância, do zero aos seis anos. Período em que ampliam seu conhecimento de mundo e constroem as primeiras impressões sobre tudo. Período de maior plasticidade cerebral da vida, no qual há uma janela de oportunidades para a aprendizagem. Período em que as experiências vivenciadas marcam a jornada dos indivíduos, repercutindo comportamentos que os acompanharão pela vida afora.
O que elas levarão deste tempo? O que estão entendendo sobre tudo isso? Como se relacionarão com as pessoas no futuro? Confesso que isso me preocupa.
Nesse tempo em que ainda temos uma jornada pela frente, pois não há uma data para o fim do pesadelo, se faz importante um olhar sobre a infância. Precisamos oportunizar, em nosso núcleo familiar, oportunidades e modelos de relacionamento. As crianças nos observam o tempo todo, e estão construindo suas ideias sobre as relações e sobre o mundo. O que vivenciam hoje refletirá no futuro delas, ou, no mínimo, produzirá marcas muito significativas.
Como diz Glória Tognetti, é importante oferecer modelos de relacionamento para os pequenos. Oferecer modelos de adultos que sabem conviver, que sabem conversar, defender ideias, mediar sem renunciar seu ponto de vista. Certamente isso é oferecer à criança de hoje um oásis no meio do deserto, uma oportunidade de salvar as marcas desse período cruel que vivenciamos.
No cenário atual, a cada dia que passa aumentam as ansiedades do mundo adulto. Não tem sido nada fácil equilibrar todos os desafios deste tempo. São inúmeras preocupações, e se torna, muitas vezes, inevitável não transparecer para os pequenos tais sentimentos que borbulham dentro de nós. A questão é que as crianças estão compreendendo o mundo por meio de tudo que experimentam. Se as ansiedades dos adultos forem pontuais, é possível que as crianças entendam como uma postura atípica. Entretanto, se esses comportamentos se tornarem corriqueiros, nossos pequenos observadores irão aderir tais atitudes ao seu repertório pessoal.
Por outro lado, em meio ao caos, podemos ter muitas oportunidades. Sabemos que existem inúmeras necessidades ao nosso redor. Se tivermos sensibilidade e atitudes solidárias de amor ao próximo, a criança que nos observa certamente entenderá a importância de pensarmos no outro e não em nós mesmos apenas. Se essa não for uma atitude pontual, se permanecer no cotidiano da família, podemos contribuir positivamente com a formação do caráter desse indivíduo.
Uma missão para os adultos deste tempo atual: criar modelos de relacionamento para que os filhos possam experimentar.
Desejo profundamente que as crianças de hoje sejam marcadas por observarem adultos que se reinventaram em meio à desordem. Adultos criativos, resilientes, otimistas, que sabem se relacionar, que se preocupam com seus semelhantes e que, acima de tudo, não deixaram o amor se esfriar.
Mais uma missão para os adultos deste tempo atual: criar modelos de relacionamento para que os filhos possam experimentar. Ainda mais agora que não há uma diversidade de oportunidades como outrora.
Que as pessoas cuja infância será marcada pelo isolamento social tenham a oportunidade de conhecer o mundo dentro de casa. E que seja um mundo de possibilidades, que seja um mundo de afeto, que seja um mundo que compreenda as individualidades e, mais do que isso, que seja um mundo que valorize e respeite a infância!