Por Marcus Coester
Empresário, CEO da Aerom e presidente da AHK Porto Alegre
Em meio às turbulências da geopolítica mundial, por vezes não nos ocorre que as cidades são estruturas sociais mais antigas e sólidas do que as próprias nações. Um exemplo extremo é Roma, fundada há mais de 2700 anos enquanto a unificação da Itália ocorreu somente 150 anos atrás, em 1870. O mesmo ocorre com São Paulo, constituída em 1554, ao passo que a existência do Brasil como país só viria 268 anos depois, com a proclamação da independência. As cidades são claramente a forma fundamental da organização humana, desde sempre, e seu protagonismo está de volta, só que agora na forma e na dinâmica das cidades inteligentes.
Em 2018, pela primeira vez na história, a população mundial passou a ser majoritariamente urbana – o Banco Mundial projeta um grau de aglutinação de 70% até 2050. Ocupando apenas 2% do território global, as cidades já consomem dois terços de toda a energia produzida no planeta e são causadoras da maior parte das emissões atmosféricas. Os compromissos para o desenvolvimento sustentável, firmado pelos 193 países membros da ONU, são essencialmente desafios das cidades.
Na virada do milênio, o conceito de cidade inteligente cingia basicamente o uso da tecnologia digital no meio urbano. Após 2010, este conceito evoluiu para a centralidade nas pessoas: Powered by People é a chamada do icônico encontro Smart Cities New York (SCNY). Finalmente, o desenvolvimento econômico e a competitividade, associados à inclusão e à qualidade de vida, consolidaram uma definição mais abrangente. Segundo o BID, cidades inteligentes são, em essência, ecossistemas de empreendedorismo e inovação, com excelente padrão de vida e atratividade para pessoas talentosas e investidores nas áreas de criação, inovação e alta tecnologia.
Portanto, além de ser o local onde vivemos, as cidades são também o novo núcleo da competição global. Precisarão contar, cada vez mais, com seu legado, sua cultura e seus valores para continuar crescendo. Precisarão ser eficientes para empresas e pessoas e disporem de infraestrutura e serviços públicos de qualidade. Precisarão de ótimas escolas e universidades, além de centros de pesquisa e inovação. Precisarão de entretenimento, lazer e atrações turísticas. Precisarão, acima de tudo, de visão, planejamento e projeção internacional para colocar em prática suas virtudes e competências.
Passadas as eleições municipais no Brasil, tempos conturbados se avizinham como consequência da maior crise mundial após a Segunda Guerra. Além da desestruturação generalizada da economia, a pandemia da covid-19 lançou desafios específicos para cidades, que marcarão o próximo período, como, por exemplo, o colapso dos sistemas públicos de transporte. A gestão e as lideranças locais definirão quem vai se consagrar e quem será arrasado nestes tempos excepcionais. Além da crise, a crescente competição entre cidades torna o tabuleiro complexo.
Nova York não se acomodou e lançou, na última década, dois importantes parques tecnológicos: Cornell Tech em Roosevelt Island e, mais recentemente, o Brooklyn Navy Yard, um gigantesco estaleiro da marinha agora convertido em hub de inovação e design. Shenzen consolidou-se como o “Vale do Silício Chinês” nos últimos 15 anos, mas, tomando a dianteira do original californiano, já converteu para veículos elétricos 100% da frota de táxis e ônibus urbanos. E isso considerando que Shenzen tem mais de 12 milhões de habitantes.
Paris está se transformando na amigável e prática cidade de 15 minutos, e Oslo estabeleceu a meta arrojada de atingir o equilíbrio de carbono já em 2025. Tornar as cidades excelentes para seus cidadãos é o passaporte para o desenvolvimento econômico e para a competição global de alto valor agregado. Um bom lugar para viver: este é o nome do jogo.