Nó na garganta. Soco no estômago. São muitas as expressões populares que se aproximam do que foi assistir às imagens de João Alberto Silva Freitas sendo assassinado no estacionamento de um supermercado.
Entre as muitas batalhas travadas pela militância negra, uma é fazer algumas pessoas entenderem que o Dia da Consciência Negra é importante. Mais que isso, que é necessário.
Não que esse entendimento seja primordial para a luta, ou para a grandiosidade do dia, mas afirmações de que somos todos iguais e até pedidos de um dia da "consciência humana" acabam surgindo com mais força próximo ao dia 20 de novembro.
Como em outros anos, eu me preparei para esse dia. Produzimos uma série pra TV, da qual estava orgulhosa, e tinha separado uma foto especial da minha bisavó, que descobri há poucas semanas, para dividir nas minhas redes sociais. Sabemos que o Dia da Consciência Negra não nasceu com o intuito de ser festejado, mas, diferente de outros anos, nesse eu queria exaltar a caminhada dos nossos antepassados de forma positiva.
Mas não tive como tirar meu plano do papel. Ainda na madrugada recebi a notícia da morte de João Alberto. Mais que isso, recebi as imagens dele sendo espancado. A cada cena, de vários ângulos, a que eu assistia era como se eu tomasse uma dose de uma realidade amarga.
Diante de tamanha brutalidade, qualquer homenagem que eu tivesse planejado aos meus ancestrais perdeu o sentido. E sei que eles também conheceram bem essa dor.
Sei que doeu também em qualquer um que tenha um pouco de humanidade e empatia, mas ver aquele homem negro ser morto, diante de tantas câmeras, pedindo ajuda sem que ninguém fizesse nada foi um golpe ainda mais duro em nós, negros.
Impossível não lembrar de quando pessoas conhecidas, ou nós mesmos, vivemos situações parecidas de hostilidade em espaços como aquele. Poderia ser um de nós? Poderia. E quando o assunto é violência contra a população negra, o "poderia ser comigo" não é uma utopia.
Por outro lado, o fato de não ter sido não é sinônimo de comemoração. Nunca é. E neste dia 20 doeu pelo João Alberto mesmo. Um homem negro espancado diante de olhares e celulares. Mais um a virar símbolo de uma realidade que denunciamos.
Que uma violência tão grande, na véspera do Dia da Consciência Negra, não abale somente a nós, pessoas negras, ou nas brancas que se propõem a serem nossos parceiros na luta antirracista. Que seja capaz de tocar também aqueles para quem não deveria haver um dia para pensar na consciência da nossa sociedade.
Nas conversas, nas redes sociais, ficou evidente que o assassinato de João Alberto ressignificou o Dia da Consciência Negra para muitos, deixando-o mais triste, mais cinza, mais dolorido. Ficamos mais uma vez "sem conseguir respirar", como já nos sentimos em outras vezes em que uma pessoa negra virou estatística.
Tenho a esperança de que as imagens tenham chocado até quem não acredita na importância do Dia da Consciência Negra. E um desejo: que os registros de um crime tão brutal não permitam que esse 20 de novembro seja um dia qualquer.