Estruturado e perpetuado na sociedade a partir da desvalorização e restrição de acesso dos negros a oportunidades de ascensão social, o racismo é histórico no Brasil, consolidado por práticas e políticas que, ao longo da história do país, contribuíram para a marginalização da população negra. Nem sempre esse racismo ocorre de maneira direta, consciente: há também um processo institucionalizado e culturalmente enraizado que organiza as relações sociais no Brasil, chamado "racismo estrutural".
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira (5), a empresária Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, chamou atenção para o tema ao explicar por que decidiu lançar o programa de trainee somente para negros — segundo ela, ao constatar a baixa presença de pessoas negras em cargos de maior nível na empresa. A empresária disse ter entendido que o racismo estrutural existe e é inconsciente.
— Temos que entender mais o que é racismo estrutural. O dia em que entendi até chorei, porque sempre achei que não era racista até entender o racismo estrutural — afirmou.
A pesquisadora Márcia Lima, que coordena o Núcleo Afro-Cebrap no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), explica que o racismo atua em diversas dimensões, sendo a estrutural uma delas.
— É um fenômeno estruturante da sociedade. Ele atua em diversas dimensões e camadas e pode ser observado em diferentes níveis. Mas entendo que a distinção entre estrutural e institucional busca demonstrar que os diferentes níveis da sociedade instrumentalizam o racismo de maneira diferente. O mesmo acontece quando falamos do racismo cotidiano, nas situações de interação pessoal — define Márcia, que também é professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP).
Historicamente, explica Alexandre Magalhães, professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é possível afirmar que as pessoas negras são os alvos preferenciais das polícias, assim como são as que se encontram mais expostas a infecções e contaminações de todos os tipos. São também a maioria entre os desempregados, subempregados e no trabalho informal.
— As denúncias e notícias revelam como a escravidão ressoa ainda hoje em múltiplos domínios, desde relações interpessoais até medidas governamentais mais amplas. O racismo estrutural e institucionalizado regula práticas, estabelece relações, conforma subjetividades e produz as condições de vida e morte de uns e outros — afirma Magalhães.
Para Márcia Lima, o racismo é fruto de um processo histórico e da interpretação deste processo, mas o racismo estrutural no Brasil é mais do que uma consequência histórica.
— As dificuldades enfrentadas pela população negra são decorrentes dos mecanismos discriminatórios contemporâneos, e não simples legado do passado. A discriminação racial é uma forma de produção e reprodução de desigualdades sociais e de preservação de privilégios e de ganhos materiais e simbólicos — define a pesquisadora.
Conforme os especialistas, o fato de muitos brasileiros ainda não aceitarem que o racismo é parte da estrutura da sociedade é um dos motivos para a perpetuação da discriminação. Mas, pouco a pouco, isso pode mudar. Para Márcia, a luta constante da população negra por igualdade tem surtido algum efeito, mesmo que a passos bem curtos.
— Há décadas de denúncias sistemáticas do movimento negro que também sempre foram invisibilizadas, mas que incomodam e que de certa forma vêm surtindo efeito, não na magnitude devida, mas com pequenos e constantes avanços — garante a professora da USP.