O CTG Porteira Velha, de Novo Hamburgo, retomou os ensaios de grupos de invernadas há três semanas, depois de ter ficado praticamente fechado desde março — por força da pandemia, apenas almoços no formato pegue e leve haviam sido mantidos, além de reuniões online e mobilizações para campanhas.
— A gente estava muito ansioso porque a gente gosta demais. E a dança faz bem para a alma e para o coração. A gente estava sentindo muita falta da atividade, do companheirismo. Não estamos aqui só para ir para o rodeio e receber troféu. Mas é o prazer de vir, poder dançar, liberar o estresse — desabafa Magda Spellmeier, 50 anos, integrante do CTG.
A neuropsicopedagoga clínica e institucional é casada com Jaime Henrique Spellmeier, 55, motorista de carga perigosa. Os dois participam do grupo veterano, formado por oito casais de 35 a 55 anos, visitado por GZH no último dia 19 — apenas uma dupla não estava presente. Logo na entrada, já era possível perceber o protocolo rígido: todos que chegavam tinham a temperatura medida e anotada em uma planilha e deviam passar álcool gel nas mãos, além de limpar os pés em um tapete higienizador.
Perto dali, alguns bancos indicavam o local onde os peões e as prendas deveriam trocar o calçado por botas e sapatilhas de treino — a roupa, no entanto, deve vir trajada de casa. Quem termina a uniformização pode ingressar na pista de dança (cercada por uma rede para evitar o acesso dos demais), desde que passe por um novo tapete higienizador. A partir daí, dois itens são obrigatórios: máscaras e luvas.
Foram de R$ 5 mil a R$ 6 mil investidos pelo CTG para a readequação do espaço. Os itens que garantem a segurança são os mesmos que modificam elementos tradicionais da dança gaúcha: peões e prendas ficam impedidos de sorrir um para o outro por causa das máscaras e não podem se abraçar devido às regras de distanciamento social; além disso, com as luvas, o conhecido estalar de dedos tem um som abafado, quase imperceptível em alguns momentos.
— Foi um recomeço bem diferente porque a dança tem muita expressão facial. Acho que a luva também atrapalha porque a dança tem essa troca com o par, uma troca de interpretação. Eu acredito que a luva e a máscara tiram um pouco dessa característica, mas hoje vieram para agregar, para que a gente possa fazer uma coisa que a gente gosta, que é dançar — justifica a professora Daniele Bohn, 36, esposa e par do técnico em eletrônica Fábio Domingues Vargas, 40.
Aprovado pela prefeitura de Novo Hamburgo, o plano de contingência do CTG Porteira Velha tem nove páginas com explicações sobre o coronavírus e sobre as medidas obrigatórias. O documento traz orientações sobre quem não pode ingressar no CTG e determina a obrigatoriedade de serem respeitados os horários de ensaio de cada grupo — mirim, juvenil, adulto e veterano.
Patrão do CTG e diretor artístico da 30ª Região Tradicionalista (30ª RT), Jurandir Oliveira se preocupa com a segurança dos colegas — tanto que todos podem decidir se estão confortáveis ou não para participar dos ensaios. No caso do Porteira Velha, os participantes se mantiveram em contato virtual durante a pandemia, mas havia um temor de que o afastamento prolongado provocasse dispersão:
— Se a gente esperasse o galpão ficar fechado de março a dezembro, retornando só em janeiro, o que poderia acontecer e está acontecendo em outros lugares é o seguinte: o pessoal achou vida fora do tradicionalismo. Aqueles que estão acostumados com isso como uma religião, de vir toda hora, participar, concorrer, achou neste tempo parado outra vida fora. Mas como fizemos um trabalho de reunir o pessoal, conseguimos manter — diz o patrão, que também integra o grupo de veteranos.
A prefeitura de Novo Hamburgo informou que os CTGs precisam apresentar um protocolo para retomar atividades. As regras são semelhantes às das academias e incluem a dança sem contato físico e com material individual. Na cidade, o CTG Essência da Tradição também retomou ensaios, segundo a 30ª RT — os demais realizam somente outras práticas, como venda de almoços e atividades campeiras.
Em Campo Bom, nem de mãos dadas
O CTG M'Bororé, de Campo Bom, também retomou atividades no último dia 9. Nem todos os grupos voltaram aos treinos de dança, mas o juvenil e o adulto, que são os principais, já estão ensaiando.
Voltado exclusivamente para a parte artística, o CTG tem um protocolo ainda mais rígido: peões e prendas ficam a dois metros de distância, sem nem mesmo encostarem as mãos. Usando máscaras, o grupo das mulheres fica de um lado do salão e o dos homens, do outro — cada qual com o seu instrutor. Neste primeiro momento, eles trabalham individualmente as coreografias e a gestualidade de cada canção:
— É muito difícil porque a gente está acostumado a ver o grupo todo: com aquela harmonia, dançando bonito, de forma parelha. Isso é uma das coisas bonitas da dança, e, individualmente, tu não consegues perceber essa harmonia. Eles dançam como se tivessem um par na frente deles, mas não tem ninguém. Fica esquisito, mas é necessário — relata o patrão Alberto Ferreira.
A prefeitura de Campo Bom publicou um decreto no início de outubro orientando as atividades, exigindo itens obrigatórios e proibindo todo tipo de contato físico. Na cidade, outros dois CTGs têm ensaios de grupos de dança, segundo a 30ª RT: Palanques da Tradição e Guapos do Itapuí.
Manutenção de atividades
O Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) diz não ter um balanço sobre quais CTGs retomaram ensaios no Estado, mas informou pelo menos outras sete cidades onde isso ocorre: Canoas, Guaporé, Ilópolis, Lindolfo Collor, Sarandi, Osório e Vacaria. A entidade criou uma cartilha com orientações para as atividades, e o documento tem servido de base para parte dos centros de tradição.
— A retomada de forma mais ampla só ocorrerá após a vacina. Mas, para isso, precisamos de uma retomada gradual agora, senão, quando chegarmos lá, muitas entidades estarão desativadas. Você demora dois ou três meses para montar um trabalho qualificado com um grupo de dança — lembra o vice-presidente Artístico do MTG, Valmir Böhmer.
Conhecidos no Rio Grande do Sul, os CTGs Aldeia dos Anjos, de Gravataí, e Rancho da Saudade, de Cachoeirinha, ainda não retomaram os ensaios. Apenas o de Cachoeirinha projeta o retorno ainda neste ano. Principal competição de dança gaúcha, o Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Enart) não ocorrerá em 2020.
Em nota, o governo do Estado informou que os protocolos estabelecidos no modelo de distanciamento controlado não abrangem todas as atividades de forma específica, razão pela qual o Piratini sempre se mostrou aberto a novas definições, de acordo com o avanço da pandemia. Segundo o Executivo, os ensaios e apresentações de grupos de invernada podem ser compreendidos como quatro tipos de atividades, e, dependendo da forma como são realizados, devem obedecer a regras específicas. Eles podem ser entendidos como ensino semelhante ao de educação física, como competição esportiva profissional, como evento em ambiente fechado com público em pé e como espetáculo.
Retorno lento em Porto Alegre
No último dia 20, a prefeitura de Porto Alegre publicou decreto liberando eventos culturais em CTGs. Apesar de não ter ficado claro no documento, o Executivo municipal garantiu que os ensaios e apresentações estão liberados, desde que sejam obedecidas regras gerais de enfrentamento ao coronavírus.
GZH consultou quatro centros apontados como os mais representativos da Capital: Gildo de Freitas, 35, Tiarayú e Lanceiros da Zona Sul. Destes, apenas os dois primeiros têm data marcada para o retorno do ensino da dança.
No Gildo de Freitas, localizado no bairro Rubem Berta, na Zona Norte, será em 3 de novembro. Além de itens obrigatórios e divisão dos grupos por dias da semana, o espaço terá o tablado demarcado em quadrados de 2 m² por 2 m². Assim, cada dançarino ficará "no seu quadrado", sem contato físico.
— Mesmo os casais que convivem não vão dançar juntos. Até para a gente passar o exemplo para a gurizada e eles entenderem que não pode — explica o patrão Luís Carlos Chomiemiuk.
No 35 CTG, no bairro Jardim Botânico, os ensaios voltam no dia 4 somente para os grupos juvenil, adulto e veterano. Como a pista é espaçosa, os peões e prendas poderão ficar a dois metros de distância, treinando coreografias individualmente.
Os demais CTGs devem retomar outras atividades, sem, por enquanto, prever data para o retorno da dança.