Por Anderson Hartmann
Jornalista, fundador da agência Cachaça Comunicações
Chegou setembro, mês com tantos simbolismos para nós, sul-rio-grandenses: Semana Farroupilha, Dia do Gaúcho (20), chegada da primavera. Mas este setembro se acercou diferente. Muito possivelmente o mais inusitado de toda a existência dos gaúchos atualmente encarnados. O isolamento físico nos impedirá de celebrar e cultuar nossos hábitos mais tradicionais da forma que até então estávamos acostumados. Como mudar os meios sem perder o fim?
Antes de responder a esse questionamento, volto no tempo para falar um pouco da nossa mais famosa revolução, mas que muitos debocham porque fomos derrotados. Nem sempre se ganha na vida, não é mesmo? Nem sempre quem conquista a vitória chegou lá pelas formas mais corretas e admiráveis. Mas não estou aqui para falar disso. Estou aqui para enaltecer o que, de fato, nos motiva na vida: muito mais do que a guerra, importa saber quem está na trincheira ao nosso lado!
Você sabia que o exército farroupilha, em seu apogeu, chegou a ter 3,3 mil homens, mas que enfrentou com menos de mil guerreiros os 12 mil soldados do pacificador Duque de Caxias? Como ganhar uma revolução baseada na força física e luta desigual com um exército infinitamente menor de homens?
O verdadeiro sentido da Revolução Farroupilha, segundo o historiador Moacyr Flores, foi a liberdade, a luta contra o autoritarismo político como símbolo de mau governo. Vanguardistas que somos, há mais de 175 anos a gente já cantava a pedra das mudanças que seriam necessárias. Será que tivemos grandes avanços nesse sentido?
Voltemos a setembro de 2020. A luta que a gente trava agora contra a pandemia também é desigual. Estamos perdendo amigos, parentes, familiares e conhecidos. No que devemos nos apegar neste momento? O Rio Grande pós-revolução ficou despovoado, e a economia, arruinada, mas a guerra acentuou nosso espírito regionalista. É nesses valores que a gente deve se inspirar para comemorar o regresso de setembro. Somos destemidos, colaborativos, aguerridos, trabalhadores, bairristas e peleadores. A gente não se entrega! Façamos valer todos esses diferenciais do povo gaúcho para celebrar o nosso mês.
Sim, este setembro será diferente. Nossa Semana Farroupilha será diferente. Mais tecnológica, com lives, shows, tertúlias, palestras, apresentações, tudo online, digital, virtual, a distância. Sem a cuia passando de mão em mão. Sem os abraços. Sem as danças. Sem o aperto de mão. Sem os encontros presenciais em nossos galpões com os amigos e companheiros tradicionalistas. Nosso mês do gaúcho será o mais virtual de toda nossa história. Mas não deixemos de comemorar, de ritualizar a passagem para um novo tempo. Após os dias frios de inverno, vem a luz e o desabrochar da natureza com suas flores, aromas e sabores primaveris. O advento desta primavera, em especial, simboliza o florescer da esperança de novos dias. O fim do inverno mais sombrio de nossos tempos.
O verdadeiro sentido da Revolução Farroupilha foi a liberdade, a luta contra o autoritarismo político como símbolo do mau governo.
Qual terá sido que foi o sentimento de todos aqueles que lutaram na revolução de 1835 após a assinatura do Tratado de Paz de Ponche Verde? Qual será a sensação após o surgimento e a disseminação da vacina? Será que ela vai chegar logo? Será que ela vai ser eficaz? Qual será o nosso cenário pós-pandemia? O que podemos aprender com nossos compatriotas da revolução? O que eles fizeram para se reerguer enquanto Estado? O que podemos fazer para minimizar o impacto da pandemia e potencializar nossas maiores virtudes?
Humanidade: que a gente tente controlar menos as coisas e sentir mais a vida! Menos ego e mais humanidade! Compaixão: diferentemente da empatia, que é a habilidade de se colocar no lugar do outro, a compaixão é a capacidade de fazermos algo para mudar a realidade do nosso semelhante. Façamos algo pelo próximo, por nossas comunidades! Colaboração: que a gente se inspire nos puxirum, mutirões feitos pelos nossos primitivos habitantes para auxiliar na construção da roça ou de uma casa. Ajudemos nossos amigos e entes queridos a se reinventar, a reconstruir suas vidas. Tudo acabava em festa – com a bebida por conta do beneficiado!
Mais integração e menos competição! Até porque todas as competições foram canceladas em 2020. Só a vida que não foi cancelada. Não seria um sinal divino para ficarmos mais focados em nos integrar e menos em competir? E alegria: que a gente mantenha vivo o espírito festivo dos nossos colonizadores, ainda que em tempos nebulosos. A vida é aqui e agora! O que eu posso fazer para ser feliz neste exato momento?
Comemore a saúde, dance, cante, sorria! Beba a vida! Aprecie o amargo para poder saborear o doce da chegada dos novos tempos. Chegou setembro, o mais alegre dos nossos meses. Está chegando a primavera, tempo de renascer e se reinventar. Abra a janela, abra os olhos, abra o peito, abra o coração! Desperte para essa “Nova Terra” que está sendo preparada. Semeie novos hábitos e será surpreendido com o crescer de novos aromas e sabores. Viva setembro! Viva o agora! Viva a primavera! Viva a tradição gaúcha!