O procedimento de interrupção da gravidez de uma menina de 10 anos, de São Mateus, no Espírito Santo, foi realizado nesta segunda-feira (17), num hospital de referência, no Estado de Pernambuco, por determinação da Justiça. Vítima de estupro, a menina afirma que era violentada desde os seis anos de idade.
De acordo com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional do Rio Grande do Sul (OAB/RS), Ricardo Breier, havia o respaldo legal para o procedimento, independentemente do tempo de gestação. A legislação não cita idade gestacional para interrupção da gravidez em casos de estupro.
— Ela foi estuprada. Ainda que se tenha ou não consentimento, não se discute isso, se a vítima tem menos de 12 anos, é estupro de vulnerável. A criança não tem capacidade de entendimento sobre a questão. O Código Penal é muito claro. E a violência sexual é um assassinato da alma da criança. Infelizmente, isso ocorre em todo o Brasil — alerta Breier.
Em Porto Alegre, quatro hospitais públicos são credenciados para realizar o procedimento de interrupção de gravidez em casos previstos na legislação - na maioria das vezes, estupro. Segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), o médico ginecologista e obstetra Carlos Isaia Filho, a idade gestacional da paciente não é justificativa para a não realização da intervenção nas três situações previstas pela Justiça.
— Os profissionais que trabalham num hospital credenciado não podem ter conflitos de interesse, emocional ou religioso, para realizar o procedimento. Há lei que ampara a questão — afirma o médico.
Isaia Filho destaca que o primeiro grande problema de uma gravidez aos dez anos de idade é o altíssimo risco de vida para a gestante.
— A criança ainda está em desenvolvimento do crescimento. A parte óssea está em formação, assim como todo o sistema hormonal. O segundo ponto é que ela vinha sendo vítima de estupro por um familiar há muito tempo. Em função destas ações repetitivas, ela pode ter engravidado na primeira ovulação — explica o especialista.
O presidente do Cremers ainda enfatiza o dano psicológico sofrido pela vítima.
— O que mais me preocupa é o tipo de encaminhamento que terá esta criança, a partir da interrupção da gravidez. Isso é ainda mais importante porque esta vítima terá sequelas psicológicas. É preciso acolhê-la, tratar a questão emocional e livrá-la do estuprador — ressalta Isaia Filho.
O caso
A menina chegou à unidade de saúde no domingo (16). Um tio dela, que está foragido, foi indiciado pela Polícia Civil pelos crimes de ameaça e estupro de vulnerável. O caso ganhou repercussão nacional nos últimos dias.
No Brasil, a interrupção da gestação é permitida por lei e deve ser realizada em hospitais públicos em três situações: anencefalia fetal, risco de morte da gestante ou gravidez decorrente de estupro. A ordem para interromper a gravidez da menina partiu do juiz Antônio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude, atendendo a um pedido do Ministério Público do Espírito Santo (MPES).
Na decisão, Fernandez abordou a idade gestacional e se baseou na Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, editada em 2005 pelo Ministério da Saúde, para autorizar a interrupção da gestação. No sábado (15), a menina chegou a ser internada em Vitória, capital capixaba, para realizar o procedimento. Porém, a equipe médica do Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Pavivi) se recusou a realizá-lo, alegando que a idade gestacional não estava amparada pela legislação vigente. Ela estaria com mais de 20 semanas de gestação.