Os brasileiros têm mostrado crescente interesse pelas temáticas raciais. Foram 73 mil buscas pelo termo racismo em maio, segundo o Ubersuggest – plataforma que mostra as palavras mais buscadas na internet. E o Google Trends revelou que houve aumento de 980% pelo conceito no último mês. Esse crescimento repentino pelo assunto, que há séculos é um problema no Brasil, teve como estopim o caso de George Floyd – homem negro norte-americano que foi assassinado por Derek Chauvin, policial branco que o asfixiou com o joelho, em Minneapolis, nos Estados Unidos, no dia 25 de maio.
Desde então, pessoas têm recorrido a livros, filmes e documentários para entender como se estrutura o sistema racista na sociedade e também para aprender como elas podem auxiliar na luta antirracista com o objetivo de romper esse ciclo de desigualdade e segregação.
A reportagem conversou com alguns produtores de conteúdo gaúchos que trabalham com essa temática sob diferentes vieses. Confira abaixo quem são esses profissionais, o que eles fazem, o que abordam e quais canais de comunicação utilizam.
Winnie Bueno
Nascida e criada dentro do ativismo negro, Winnie Bueno conta que via o movimento de mulheres negras enquanto era trançada na infância. As inquietações e reflexões sobre o tema a acompanham desde então, mas foi em 2010 que ela passou a usar a internet como plataforma para ampliar e disseminar conversas sobre o racismo.
Ao longo dos anos, ela passeou pelo Orkut, Facebook, mas agora está mais atuante no Twitter e no Instagram para estabelecer esse diálogo.
— Falo de todos eles, porque todos afetam a vida da população negra. Mas, centralmente, falo de feminismo negro, justiça social, epistemologias negras, e do pensamento político de mulheres negras — relata.
Além de cuidar dos próprios conteúdos, ela foi convidada pela chef Paola Carosella a ocupar, por um mês, o seu perfil para levantar mais questionamentos raciais:
— Foi sugestão da própria Paola, a gente tem uma relação de carinho que começou quando ela descobriu o meu projeto de distribuição de livros. Tem sido legal, porque a gente tem trocado muito, se manda áudio, conversa, planeja coisas e executa. Paola é uma mulher ímpar, engajada e disposta. É bem bacana produzir coisas com ela.
Winnie, que é doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é a criadora do projeto Winniteca, que conecta pessoas através da doação de livros para promover o debate contra o racismo.
Luana Carvalho
Invisibilizada dentro do movimento negro por ser gorda, e entre mulheres gordas, por ser negra. Era nessa bifurcação que Luana Carvalho, 21 anos, se via três anos atrás, quando passou a entender as implicações que esses dois fatores tinham e ainda têm sobre a existência dela.
— O movimento anti-gordofóbico é branco e elitizado demais, e o movimento negro negava metade da minha existência. Passei a buscar referências de mulheres parecidas comigo e senti uma necessidade muito grande de falar sobre isso. Sobre a essa dupla opressão — diz.
No Twitter, ela passou escrever textos em forma de threads com o intuito de desabafar, a surpresa foi quando identificou um bom engajamento e receptividade com o conteúdo. Atualmente, ela também faz vídeos sobre as duas temáticas para o Instagram.
A resposta do público é positiva: a gorda-ativista e criadora da campanha Carnaval sem Gordofobia conta com 38 mil seguidores na rede de compartilhamento de fotos e 28 mil seguidores no Twitter.
Marcelo Carvalho e o Observatório do Racismo
Ao ver noticiado os casos de racismo contra o ex-árbitro Márcio Chagas, o ex-jogador Tinga e Arouca, todos nos primeiros três meses de 2014, Marcelo Carvalho decidiu agir para mostrar que aqueles episódios não eram casos isolados no futebol brasileiro:
— Senti necessidade de mostrar que aquilo era sistêmico, que acontecia com regularidade. Contudo, percebi que, apesar de recorrente, não existia uma plataforma que reunisse todos os casos de racismo no futebol brasileiro. Por isso, criei o Observatório do Racismo para acompanhar e monitorar essas situações no futebol.
Ele destaca que não existe democracia racial no Brasil porque os dados e a estrutura dos clubes mostram isso.
— Há apartheid. Não há negros em cargos de comando nos clubes e vemos um número cada vez maior de casos de racismo. Somente em 2019, foram 63 em todo o Brasil, sendo 17 delas no Rio Grande do Sul – o líder do ranking — relata.
Mara Gomes
Quando era estudante de Psicologia na UFRGS, Mara Gomes, 29 anos, criou uma conta no Instagram para divulgar seu trabalho. À ferramenta, ela acrescentou o gosto pela escrita – e a visibilidade veio. Com mais de 10 mil seguidores, a psicóloga usa esta rede social para falar sobre a saúde da população negra, autocuidado e para popularizar o conhecimento sobre psicologia.
— Tento passar esse conhecimento de maneira mais diluída e busco fazer com que as pessoas questionem alguns comportamentos e os motivos pelos quais, por exemplo, a mulher negra tem a autoestima frágil ou por que o homem negro contém seus sentimentos — explica Mara.
Por meio deste trabalho, ela acredita que possa contribuir tanto para a população negra, que se identifica no que é escrito por ela, quanto para a população branca, que vai entender os elementos que perpassam a existência de pessoas negras:
— Muitos psicólogos brancos me seguem para encontrar esse conhecimento que eles têm ou não procuraram ter durante suas respectivas formações. E isso gera um rombo, porque, às vezes, esses profissionais, por não terem acesso a essas problemáticas, não sabem escutar seus pacientes negros. Então, muitos vêm até a página na perspectiva de aprender.
Jad Silva
Por entender que o racismo, cotidianamente, poda a possibilidade de sonhos e de vida de pessoas negras – por estarem mais sujeitas à violência –, o estudante de Ciências Sociais Jad Silva, 26 anos, criou a página Em Busca de Afeto, no Medium. Por meio de textos e poesias, ele versa sobre os percalços, mas também procura apontar caminhos:
— A população negra sobrevive e, nesse processo, é deixado de lado o viver. Por isso, tento trazer, por meio do texto, sentimentos que nos são negados, ao mesmo tempo que abordo como o racismo opera quando cruzado com outros fatores como gênero, sexualidade e classe, por exemplo. Proponho também o exercício empático e de aproximação das pessoas em relação às nossas experiências como sujeitos negros.
Luana Daltro
A escrita foi a válvula de escape encontrada pela analista de branding Luana Daltro, 26 anos, para lidar com o racismo quando a angústia alcançava o pico ainda em 2018. As reflexões e dores postadas na plataforma de texto Medium passaram a alcançar outras pessoas, que também se viam nas situações que a jovem descrevia.
Anteriormente, questões relacionadas à vivência de mulheres negras eram o grande foco das publicações, mas isso mudou:
— Sei que não é minha obrigação, mas a população precisa internalizar conceitos e me proponho a falar sobre eles e educar as pessoas sobre o racismo, conceitos e atitudes antirracistas. Procuro mostrar que a prática antirracista é prática, simples, e é possível transcender essa chaga social.
Luana também marca presença no Instagram, onde produz cartões informativos sobre o cruzamento de raça, de gênero e de classe.
Dina Prates
Desde pequena Dina Prates foi educada sobre o que ela poderia enfrentar da porta de casa para fora. E, na universidade, ela viu isso se concretizar ao escutar de um professor universitário que os alunos cotistas diminuíam a qualidade técnica da instituição.
O argumento foi rebatido e ela se inseriu com mais afinco em discussões e coletivos negros da UFRGS. Formada em Contabilidade e Administração, Dina presta consultoria de finanças pessoais e, ao mesmo tempo, dialoga com negros e brancos no Instagram:
— Procuro mostrar que famílias negras são colocadas em lugar de miséria e incapacidade pelo racismo. E pessoas brancas que são meus clientes e empregadores, eu busco apontar a potência que existe na comunidade negra e a importância do fortalecimento desta parcela populacional ao torná-los seus colaboradores, fornecedores etc.