A preparação é simples. O celular é colocado em cima de um móvel, na posição vertical, e com a lente direcionada para a sala. Feito isso, a estudante Emanoela Correa, 12 anos, moradora de Porto Alegre, escolhe o look e acessórios da vez e se prepara para reproduzir a coreografia ou desafio proposto pela rede social de vídeos, o TikTok.
A dança a ser reproduzida é vista o número de vezes necessário até que todos os passos saiam bons o suficiente para serem gravados e postados na plataforma — isso pode demorar poucos minutos ou uma tarde inteira. Dividindo as horas do período de distanciamento social entre as atividades escolares a distância e o TikTok, a adolescente tenta vencer o tédio provocado pelo confinamento em razão do coronavírus.
Emanoela conta que fez sua conta na plataforma em novembro passado e que se apaixonou pelo universo de gravações divertidas, ferramentas de edição e pela dança.
— Já usava o TikTok, mas, agora, estou acessando e fazendo vídeos de dança quase todos os dias. E olha que eu nem dançava antes, isso surgiu com o TikTok mesmo. Fico treinando, decorando os passos para reproduzir a coreografia, mas não são todos os que eu posto — diz a tiktoker, como são chamados os usuários.
A servidora pública Doris Soares, 38 anos, já se acostumou com a agitação da filha dentro de casa.
— Brinco que ela dá show na sacada de casa para entreter a vizinhança durante a quarentena — diverte-se Doris, que deixa o perfil de Emanoela fechado e a ensinou a aceitar amizades somente de pessoas que ela conhece.
Maria Cecília Martins, oito anos, era usuária ativa do Likee, outra plataforma de criação e compartilhamento de vídeos. Era lá que todas as amigas estavam, mas, em janeiro deste ano, começou a debandada para o TikTok e a pequena porto-alegrense foi junto. Por um tempo, ela dividiu sua atenção entre as duas redes sociais, mas, agora, durante o período de distanciamento social, ela se tornou uma tiktoker oficialmente.
— Não desinstalei o Likee, mas meu preferido é o TikTok. Tenho mais tempo livre, por isso, consigo fazer muitas coreografias ali. É bom, porque tenho muita energia. Aí, gasto um pouco dela dando uma dançadinha — conta a garota que, ao acordar, já escolhe a roupa com a qual passará o dia para poder gravar os vídeos.
A curadoria do look é feita por ela mesma por um motivo:
— Gosto de usar preto. E tenho medo que minha mãe escolha estampas que não combinem.
Distanciamento social impulsiona a conectividade, segundo pesquisa
A reportagem de GaúchaZH entrou em contato com a assessoria de imprensa da plataforma para obter mais informações sobre a base de usuários, mas foi informada que a “empresa não abre números”. Contudo, é possível ver na loja de aplicativo do sistema Android que, em março — período em que alguns países estavam em quarentena —, a aplicação bateu o número de mais de 1 bilhão de downloads.
O estudo Barômetro COVID-19: atitudes do consumidor, hábitos e expectativas da mídia, feito em março deste ano pela Kantar, empresa inglesa de consultoria e pesquisa de mercado, revelou que, a nível mundial, o WhatsApp é a mídia social que apresenta os maiores ganhos de uso. No geral, ele teve um aumento de 40%. O Facebook, por sua vez, registrou crescimento de 37% de conexão dos seus usuários.
O aumento do uso em todas as plataformas de mensagens tem sido maior na faixa etária de 18 a 34 anos. WhatsApp, Facebook e Instagram experimentaram um aumento de 40% no uso de menores de 35 anos, aponta o levantamento. Segundo a assessoria de imprensa do Instagram no Brasil, a audiência das lives dobrou no último mês, mas não foram informados números sobre esta informação.
O real substitui o ideal
Para Isabela Ventura, CEO da Squid, empresa especializada em marketing de influência, o sucesso do TikTok está, entre outros fatores, na oferta de entretenimento rápido e viral.
— Os vídeos são extremamente viciantes e com grande potencial de viralizar em poucas horas. Outro ponto importante é que o engajamento é muito mais no conteúdo real do que no conteúdo perfeito. O editor de vídeo do TikTok é otimizado e facilita a transformação de um clipe rápido e básico de 15 segundos em algo atraente e dinâmico. O ponto alto do app é que pessoas que falam qualquer língua podem se relacionar com o conteúdo do TikTok — observa a especialista.
Isabela afirma ainda que o tipo de conteúdo produzido nesta aplicação tem moldado e transformado a criação de conteúdo. Essa nova vertente, segundo Isabela, foi abraçada pela geração Z, que corresponde a 60% dos usuários ativos, conforme aponta estudo feito pela Mediakix em 2019.
Veteranas e recém-chegadas
Mesmo aos 13 anos, Anahí de Oliveira, moradora da zonal sul da Capital, pode ser considerada uma veterana na rede social. Já aos nove anos ela fazia uso do aplicativo Musical.ly, que permitia que as pessoas dublassem músicas conhecidas e compartilhassem o resultado dos vídeos com sua rede de amigos. A aplicação foi fundida com outra, em 2017, e se transformou no TikTok. Essa é a única rede social que a estudante faz uso. E, neste universo multimídia, ela coloca em prática as habilidades artísticas que tem.
— Dublo áudio, gravo coreografia, canto algumas músicas e faço os desafios que aparecem durante a semana. Eu dançava, mas, com esse tempão que tenho livre venho me dedicando ainda mais às coreografias, me tornei mais ativa e saio dançando pela casa, sem motivo algum. O bom é que minha família entende — brinca a guria que compartilha a febre pelo app com os colegas da escola.
Por ter sido informada do grande número de crianças e adolescentes, assim como ela, que fazem uso da plataforma, Anahí está sempre atenta:
— Sempre tem gente ruim nos lugares. O TikTok é como se fosse a vida aqui fora, por isso, eu denuncio, bloqueio quando considero o conteúdo falso ou ofensivo.
Maria Cecília Loureiro, 10 anos, assim como todos os estudantes da Capital, está em casa e viu seu tempo diário de consumo e produção de conteúdo na plataforma crescer exponencialmente. Com a orientação de distanciamento social, a garota, que dança jazz, encontrou no TikTok uma oportunidade para extravasar sua paixão pela dança e aproveitar para ver os conteúdos mais populares do momento, que vão desde dublagens até brincadeiras.
— Além dos meus amigos, meus primos e avós também fazem vídeos e a gente fica se enviando. É um jeito da gente se divertir — diz a menina.
A administradora de empresas e mãe de Maria Cecília, Thais Guimarães, 37 anos, às vezes, dá um puxão de orelha:
— Ela não fica parada um segundo. Quando conversa comigo, está gesticulando, movendo os braços, porque ela não para de ensaiar as coreografias. E por ela estar sempre conectada, preciso estar sempre de olho. Eu fiscalizo as publicações, a conta dela é fechada e ela só aceita amizade de amigos e parentes.
Os jovens-adultos também entram na brincadeira
Se antes a atenção da estudante universitária Eduarda Peruzzo, 20 anos, estava dividida entre Twitter e Instagram, com o distanciamento social o TikTok também entrou na lista. Por estudar publicidade, a jovem baixou o aplicativo para entender melhor o funcionamento da ferramenta.
No começo, seu engajamento com a aplicação era baixo, mas com a chegada da pandemia e a orientação para ficar em casa, o TikTok passou a chamar mais a atenção de Eduarda, apesar dos cursos e aulas a distância que ela faz. E foi com um vídeo despretensioso que a estudante saiu do anonimato como tiktoker.
Eduarda gravou a reação que ela e a amiga tiveram quando o ex-BBB Felipe Prior foi eliminado em um paredão com recorde de votos – mais de 1,5 bilhão.
— Estava acostumada a ter 200 visualizações nos meus vídeos e, na época, tinha 50 seguidores. Aquele conteúdo simples, nada produzido, agora está com 500 mil visualizações, 100 mil curtidas e tenho mais de 4 mil seguidores. Foi um crescimento muito repentino — espanta-se.
A CEO da Squid aponta outros motivos para a popularidade do aplicativo:
— Adultos confinados e anunciantes começaram a descobrir o TikTok, impulsionando a rede social, que, até pouco tempo atrás, era povoada apenas pelos mais jovens.
O TikTok também criou uma página com dados sobre a covid-19 alimentada com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), que busca desmentir informações falsas relacionados ao vírus. A civilidade e as boas ações são o ponto de entrada para que pessoas mais velhas e anunciantes busquem a rede.