Enquanto a atriz Alessandra Negrini desfilava com um body preto, cocar e pinturas corporais com referências aos povos indígenas, durante o Carnaval de São Paulo, no domingo (16), a internet reagiu. Criticada por praticar a chamada apropriação cultural, a atriz foi alvo do movimento de cancelamento.
Mas o que significa apropriação cultural? Esse conceito, originário das Ciências Sociais e Humanas, refere-se menos a ações individuais e isoladas e mais a apropriações feitas pelas indústrias e pelo capitalismo, afirma Nina Fola, socióloga e doutoranda em sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Ela (a apropriação cultural) esvazia de sentido uma etnia, sua cultura e suas práticas com o propósito de mercantilização. Enquanto o usuário nativo daquela cultura, vestimenta ou o integrante de determinada etnia permanece invisibilizado e minorizado na sociedade, o branco, que é quem está no topo da pirâmide social, se beneficia, se torna cool ou cult quando a utiliza. Os símbolos e atores são embranquecidos para tornar aquilo aceito e comercial — explica Nina.
Um caso clássico de apropriação cultural e que já causou polêmica é o uso do turbante. Atualmente, ele pode ser facilmente comprado em lojas de departamento e visto em desfiles de moda. Ou seja, ele se popularizou, foi apropriado pelo mercado. Contudo, para as religiões de matriz africana, esse elemento significa proteção para a cabeça, que é o elemento mais sagrado dentro desta prática religiosa. Além disso, dependendo do modo como ele é colocado, o turbante indica o tempo em que a pessoa está inserida naquela religião.
Ela nunca se colocou como tal. No dia a dia, ela não se posicionou na luta antirracista, ela fez uso de elementos dessa cultura como adereço e para se autopromover, para ganhar visibilidade em uma época marcada pelas festividades. Ao final do desfile, ela tirou o cocar e as pinturas e voltou a ser branca
NINA FOLA
socióloga e doutoranda em sociologia pela UFRGS
A socióloga destaca que Alessandra Negrini interpretou papéis em que era indígena, mas na vida pública jamais assumiu essa identidade. O fato de a ligação da atriz com os povos originários não ser uma constante, torna-se um problema. Nina observa que Alessandra nunca reivindicou a identidade indígena:
— Ela nunca se colocou como tal. No dia a dia, ela não se posicionou na luta antirracista, ela fez uso de elementos dessa cultura como adereço e para se autopromover, para ganhar visibilidade em uma época marcada pelas festividades. Ao final do desfile, ela tirou o cocar e as pinturas e voltou a ser branca, mas os indígenas não se despem de sua identidade, inclusive, eles são alvo de racismo e vítimas de homicídio por isso.
A atriz afirmou que se fantasiou de indígena porque a causa é "central no país", mas a socióloga afirma que existem outras formas de atuar em pautas sociais e se inserir na luta antirracista sem tomar o protagonismo da questão. Dentro desse hall de opções há a possibilidade, por exemplo, de dar declarações sobre o tema de forma mais contundente, auxiliar na arrecadação de dinheiro para os coletivos indígenas, combater falas e atitudes racistas contra indígenas nos locais de poder que Alessandra ocupa, por ser uma figura pública e popular.
— Se fantasiar é o mais simples e, talvez, a atitude que acarrete o menor impacto para a causa indígena. Tanto que estamos falando sobre a Alessandra Negrini, e não sobre os problemas que os povos originários enfrentam — pontua Nina.