Quando engravidou, Paula Gil Larruscahim, hoje com 43 anos, ainda tinha quase toda a tese de doutorado em Criminologia para redigir. Muito desejada, mas não planejada, Rosa representou a maior mudança na vida agitada da bacharel em Direito. Após estudar na Inglaterra e na Holanda, a gaúcha casou e foi morar na Alemanha. Sem falar alemão, precisava escrever o trabalho de conclusão em inglês. Ao mesmo tempo, criava-se toda uma outra dinâmica – o casal se transformara em uma família de três membros.
Paula dependia dos horários do marido, o geógrafo alemão Paul Schweizer, 30 anos – que tirou uma licença-paternidade –, para se organizar com os estudos. Quando ele estava livre, tomava conta da menina, mas a estudante chegava a passar cinco ou seis dias sem conseguir tocar no texto. Paula enfrentou momentos de intensa crise criativa. Por vezes, conseguia escrever só um parágrafo em três horas.
— Achei que estava com algum tipo de demência — conta ela, que amamentava em livre demanda e dormia pouco.
Prevista para março de 2017, a data final para entrega do trabalho passou. Paula conseguiu uma prorrogação para novembro daquele ano. Os progressos não estavam do seu agrado, e ela resolveu recorrer também a uma babá. Ia para a biblioteca da universidade e escrevia por até sete horas, enquanto o marido passava a maior parte desse tempo com Rosa. Mas novembro chegou, e a doutoranda não tinha a tese pronta. Concederam-lhe uma última chance: 7 de março de 2018, sob pena de ser desligada do programa.
A doutoranda se refugiava no silêncio do apartamento de uma vizinha brasileira, que estava viajando, parando para fazer pequenas pausas e dar mamá à filha. Na reta final, com Rosa já na escola infantil, mas ainda em fase de adaptação, a mãe dedicava até oito horas diárias à tese.
— Entreguei a tese às 23h do dia 7 de março — rememora ela.
Em dado momento, pai e mãe estavam envolvidos com a pós-graduação: Paula escrevendo a tese, e Paul, a dissertação de mestrado. Houve momentos como o da foto acima: o alemão improvisando uma mesinha para o laptop, destrinchando a tarefa acadêmica, enquanto Rosa dormia junto a seu corpo, sustentada no carregador.
— Teve uma sobrecarga grande, a relação ficou muito de lado, teve muita crise, muita dificuldade. O cansaço era grande. Quando a Rosa dormia, deitar no sofá para assistir a uma série era um luxo. Eu imigrante, num país novo, não falava alemão... Tive de criar uma rede de apoio minha, com suporte afetivo e social, do zero. Fomos improvisando e experimentando. Acho que o amor se construiu e se solidificou muito a partir disso. Hoje nossa relação é mais forte porque conseguimos criar alguma coisa depois do que passamos. Não foram flores. Não quero romantizar — relata.
Hoje, Paul é professor universitário e doutorando, e Paula entrou no pós-doutorado. Rosa está com três anos e nove meses. Vizinhos, também com filhos pequenos, e a mãe dele ajudam bastante. Da época tão intensa, a gaúcha tirou uma série de aprendizados:
— Se for possível planejar, ótimo. Eu queria muito, não me arrependo, mas a maternidade nos ensina a ter de pedir ajuda, aceitar ajuda e aceitar as ajudas como elas vêm. A mulher ainda é quem fica mais sobrecarregada por causa dessa estrutura patriarcal que temos.