Cada vez mais, famílias brasileiras precisam lidar com a possibilidade de os filhos viajarem ao Exterior para estudar – e, não raro, com a perspectiva de não voltarem.
Um estudo da Associação Brasileira de Agências de Intercâmbio, realizado entre dezembro de 2018 e fevereiro deste ano, aponta que o número de brasileiros que embarcaram para fazer intercâmbio cresceu 20,46%, saltando de 302 mil, em 2017, para 365 mil no ano passado. A pesquisa mostra que mais de 50% dos 4.929 entrevistados em 26 Estados investiu em cursos de idiomas com trabalho temporário e na graduação.
Segundo o especialista em carreira e educação internacional Marcelo Melo, o mercado de educação no Exterior vem se transformando na última década com o aumento de opções para estudantes do Brasil de diferentes idades e classes sociais.
— As possibilidades alcançam também as pessoas com renda menor e quem deseja estudar e trabalhar na área de formação. E isso inclui, até mesmo, aqueles que pretendem ter um futuro profissional em outro país — aponta Melo.
A maior parte dos intercambistas, segundo a própria pesquisa da Associação, tem entre 18 e 29 anos, é solteira, está no primeiro curso internacional e mora com os pais. Apesar de a pesquisa não indicar a porcentagem dos que não voltaram depois do curso inicial, Melo destaca que, dependendo do país escolhido, os intercambistas têm cada vez mais optado por permanecerem longe do Brasil o maior tempo possível. Na Austrália, na Irlanda e na Nova Zelândia, por exemplo, os brasileiros que comprovarem matrícula – incluindo cursos técnicos – têm mais facilidade de renovarem a permanecência.
“Os pais podem aproveitar a oportunidade para cuidarem mais de si mesmos e se desafiarem a fazerem outras atividades com o tempo mais livre, em função da diminuição da dedicação com a rotina do filho. Encorajar os filhos a serem eles mesmos e viverem a vida que desejam é o melhor que podemos fazer pela felicidade deles.”
BIANCA STOCK
Psicóloga e mãe de intercambista
— Eles passam por avaliações, mas é possível ficar até oito anos estudando e trabalhando legalmente — destaca Melo.
Foi pensando em aprimorar o inglês e, quem sabe, permanecer fora do Brasil, que a então estudante universitária Estéfani Bauer, de Porto Alegre, decidiu embarcar com o namorado, David Corral, para a Nova Zelândia, em 2017. Hoje, o casal (ambos com 25 anos) segue vivendo do outro lado do mundo e trabalhando em profissões completamente diferentes daquelas escolhidas na graduação brasileira. Uma vez por ano, eles visitam os pais no Brasil. Estéfani admite que a saudade quase a fez retornar de vez ao Rio Grande do Sul. Foi a mãe dela, Raquel Mendes, 46 anos, quem a incentivou a permanecer pelo menos nos seis meses iniciais do curso (na página ao lado, leia mais sobre a família).
Adaptação a distância
Mãe de uma intercambista que teve a experiência de High School (o Ensino Médio americano) por um ano em New Palestine, Indiana (EUA), a psicóloga Bianca Stock reforça que cabe aos pais garantirem um ambiente de confiança, tranquilidade e estabilidade emocional ao filho que deseja morar fora do Brasil. Não se projetar nos “pequenos” é um fator fundamental, ressalta Bianca, para que os filhos possam estar focados em viver a experiência e não se sentirem culpados ou ocupados com a saúde mental dos pais.
— Os pais podem aproveitar a oportunidade para cuidarem mais de si mesmos e se desafiarem a fazerem outras atividades com o tempo mais livre, em função da diminuição da dedicação com a rotina do filho. Encorajar os filhos a serem eles mesmos e viverem a vida que desejam é o melhor que podemos fazer pela felicidade deles — ensina.
Bianca conta que, antes da partida da jovem, a família teve uma preparação feita pela agência de intercâmbio e pela operadora brasileira de viagem, o que ajudou na adaptação de todos com a distância.
— Buscava não compartilhar as minhas preocupações com ela, para não deixá-la angustiada. Os adultos pensam lá na frente, e sofrem por antecipação, enquanto os jovens vivem mais o presente e vão mais de peito aberto. Percebi que um dos estranhamentos mais fortes para ela foi o modo de viver as amizades. Eles não são tão afetuosos e intensos quanto no Brasil, o que num primeiro momento pode gerar insegurança. Logo ela entendeu as características da cultura — recorda.
A mesma experiência teve Estéfani, na Nova Zelândia, nas confidências feitas à mãe durante as longas conversas diárias pelo WhatsApp. Raquel só teve a certeza de que a filha não voltaria quando a jovem encontrou uma igreja de brasileiros, onde comia feijoada nos encontros do grupo e podia abraçar as pessoas – hábito que sentia falta e não é comum entre os neozeolandeses.
Assim com Estéfani, o produtor audiovisual Christofer Golfetto da Silva, 21 anos, de Porto Alegre, pretende viver na Oceania o tempo que conseguir continuar estudando. Ele e a namorada, Isabel Machado, 19 anos, deverão embarcar para a Austrália no início de 2020 para um curso de inglês com duração inicial de seis meses. Apesar de ser a primeira experiência internacional do casal, os dois garantem estarem preparados para viver do outro lado do mundo. Quem ainda alega não ter se acostumado com a ideia é a mãe do jovem, a advogada Angeli Marques Golfetto, 38 anos.
— Todos os pais pensam que os filhos irão, mas voltarão. Nada melhor do que tê-los ao nosso lado. Mas eu estou apoiando as decisões dele e torcendo para que tenham uma experiência incrível. Até eu já me empolguei e penso em ficar um mês estudando fora do Brasil, coisa que nunca fiz — confessa Angeli (leia mais sobre eles neste link).
Estéfani e David querem ficar na Nova Zelândia
Depois de um ano de planejamento, os então estudantes universitários Estéfani Bauer e David Corral, de Porto Alegre, decidiram aportar na Nova Zelândia, na Oceania, para uma experiência inicial de seis meses cursando inglês e trabalhando 20 horas semanais, cada. Não imaginavam que o intercâmbio iniciado em fevereiro de 2017 seria o começo de uma nova vida.
Inicialmente, as aulas diárias das 9h às 15h30min quase não deixavam os namorados aproveitarem a pequena Queenstown, de 15 mil habitantes. Ambos, então com 23 anos, começaram a trabalhar em funções completamente diferentes daquelas imaginadas caso continuassem estudando no Brasil. Aos sábados e domingos, Estéfani, que era atriz e havia trancado a faculdade de Publicidade e Propaganda, trabalhava em um hotel como auxiliar de camareira. David, que cursava Administração e atuava na empresa da família, tornou-se auxiliar de limpeza no aeroporto local.
— Nossa ideia inicial era falar o mínimo possível com brasileiros, para aprendermos o inglês mais rápido. Mas no primeiro dia de aula, encontramos uma brasileira e nos tornamos amigos — conta Estéfani, aos risos.
O choque cultural, a dificuldade de conseguirem um local para morarem sozinhos e a saudade da família quase fizeram Estéfani voltar ao Brasil. Nos primeiros meses, os dois dividiram uma casa com indianos que também pretendiam seguir na Nova Zelândia. As conversas diárias com a mãe, Raquel Mendes, 46 anos, foram fundamentais para suportar a distância.
— Quando eles foram, dissemos para que conseguissem ficar o maior tempo possível. Eu tinha a ideia de que eles voltariam após seis meses — diz Raquel.
A mãe sabia que se a filha suportasse os três primeiros meses, iria até o final.
— Perto da data da volta, já não queríamos mais voltar. Ganhávamos razoavelmente bem para o tipo de trabalho que desempenhávamos, nosso inglês estava cada vez melhor e começamos a amar todas as possibilidades que o país nos dava. Decidimos ficar e tivemos o apoio dos nossos pais — conta Estéfani.
Ela obteve visto para permanecer por mais um ano no mesmo emprego, onde em seguida tornou-se treinadora das novas camareiras e passou a trabalhar todos os dias. David recebeu visto para trabalhar em qualquer emprego.
Nas primeiras férias, em maio de 2018, os dois retornaram a Porto Alegre e deixaram os familiares com o desejo de também atravessarem o mundo para conhecerem o paraíso dos esportes radicais e da natureza exuberante. Como moradores locais, começaram a aproveitar a conhecida “temporada na montanha” – a neve encobre os montes ao redor das ilhas. Os dois acabaram fãs de snowboard.
Funcionários do mês
Em julho de 2018, Estéfani tornou-se supervisora no hotel, e David, o responsável pelo café da manhã do mesmo estabelecimento. Juntos, alugaram uma casa com vista para o lago e compraram um carro 4x4 para cruzarem o país em pequenas aventuras nas folgas.
Na visita à filha, Raquel e o marido, o diretor de empresa Alexandre Bauer, 47, acabaram praticando atividades jamais imaginadas. Pela primeira vez, a mãe saltou de bungee jump e o pai, de para-quedas.
— Foram as melhores férias da nossa vida! — garante Raquel, que hoje mora com o marido no Rio.
No verão deste ano, os pais de David visitaram o casal. Os jovens também vieram ao Brasil mais uma vez. Recentemente, os dois receberam o prêmio de funcionários do mês, assim como a chance de renovarem o visto de trabalho por mais um ano. Estéfani agora atua na recepção do hotel e pretende iniciar um curso na área de hospitalidade, pago pela empresa. David ganhou dos patrões uma bolsa de um ano para especializar-se em gastronomia.
— Nossa meta é permanecer o tempo que conseguirmos. Pretendemos aplicar o visto de permanência porque estamos totalmente adaptados, nossos patrões gostam de nós e somos apaixonados pelo país — afirma Estéfani.
Dicas da estudante
- Comece a planejar a viagem com, pelo menos, um ano de antecedência.
- Faça uma poupança.
- Planilhe possíveis gastos durante a estadia.
- Pesquise muito sobre as possíveis cidades do intercâmbio: visite o site da cidade, entre em grupos de discussão, tire todas as dúvidas possíveis.
- É importante fazer um seguro-saúde.
- Procure uma agência de intercâmbio de confiança, pesquise sobre ela antes de fechar o pacote.