Local de presença da comunidade negra na formação de Porto Alegre, tendo abrigado terreiros e moradias em seu entorno, além de espaço de manifestação e reafirmação da cultura afro nos dias atuais, o Largo Zumbi dos Palmares é descrito como local preferido para a construção do Museu da História e da Cultura do Povo Negro. A diretriz está no primeiro artigo do projeto de lei que institui as bases para construção do centro cultural, aprovada pela Câmara da Capital em 20 de outubro de 2010. Depois de nove anos, de propostas para construções em outros locais e da morte do proponente da pauta - o vereador Tarciso Flecha Negra - o museu ainda não saiu do papel.
O ex-vereador planejava tornar o local um centro de referência para estudos sobre a população negra no município, com a criação de um espaço para auxiliar as escolas no ensino sobre a história, a cultura e contribuição do povo negro para o desenvolvimento da Capital. Além dos espaços educacionais, o museu deveria apresentar fotografias, pinturas, livros, móveis e utensílios, além de outros objetos que pudessem reconstituir a contribuição cultural e histórica dos afro-descendentes em Porto Alegre, no Estado e no Brasil.
— Muitos lugares em que viajei, principalmente nas capitais do país, tem um museu negro, onde a gente vai resgatar toda história do passado e de nossos antepassados. Isso dá uma visibilidade muito grande para o nosso povo, não só o povo negro, mas também para outras raças conhecerem nossa história, o que o negro fez pelo Rio Grande do Sul e, principalmente, pela Capital — afirmou Tarciso em entrevista à TV Câmara, após aprovação do projeto, em 2010.
Prédios fora do Centro surgiram como alternativas
Um dos principais entraves apontados para construção do museu, atualmente, são os custos. Conforme o projeto, o centro cultural deverá ser desenvolvido com orçamento da prefeitura, podendo destinar recursos próprios ou realizar convênios com órgãos públicos federais e estaduais e com entidades da sociedade civil sem fins lucrativos.
As questões devem ser debatidas com o representantes do Movimento Negro de Porto Alegre por meio de audiência pública. Contudo, não foi possível apurar junto a representantes da administração municipal da época da aprovação se este foi o principal motivo para que o museu não avançasse. A reportagem tentou contato com o ex-prefeito José Fortunati, mas não obteve retorno.
Por outro lado, ex-assessores e apoiadores do vereador afirmam que, entre os obstáculos à criação do museu, estavam os locais oferecidos para a construção, em sua maioria em bairros periféricos ou sem condições ideais de infraestrutura.
— Os prédios do município que eram oferecidos não tinham infraestrutura, acessibilidade, eram em locais que não eram acessíveis para toda população. Alguns eram longe do Centro, ofereceram um na zona sul. Eles (a prefeitura) batiam sempre no CRN (Centro de Referência do Negro) - Nilo Feijó. Pensamos em fazer alguns investimentos, mas é um espaço que é bem complicado — relata Nara Marques, ex-assessora parlamentar de Tarciso.
O texto aprovado pela Câmara apresenta um detalhamento dos objetivos e funções do museu. Apesar disso, não foram desenvolvidos desenhos ou projetos arquitetônicos que dessem as dimensões da estrutura.
Em dezembro de 2016, a Câmara aprovou emenda parlamentar que destinou montante de R$ 150 mil à construção do museu, fato comemorado pelo então vereador na tribuna da casa, conforme registrado em notas taquigráficas na ocasião.
— Transformação e admiração pela luta e resistência do povo negro, eu sonhei com isso e tenho a certeza de que a implantação do Museu do Negro em Porto Alegre será um grande passo para o fim da desigualdade racial na nossa cidade maravilhosa, a nossa Porto Alegre. — celebrou.
Conforme Nara, a verba acabou sendo devolvida por não ter sido utilizada.
Se para Tarciso o museu era parte importante de seu sonho para diminuição das desigualdades raciais no Estado, para sua filha, Gabriela Sousa, a conclusão do projeto seria a grande realização da carreira política de seu pai:
— Usando uma expressão dele, seria mais um título que ele iria levantar. Agora na carreira política, não no futebol. Ele iria ficar muito realizado com isso.
Homenagens e propostas de mudança
Em meio às negociações e procura para um local que abrigasse o museu, uma proposta que tramitou na própria Câmara teve destaque. Em 2017, o então vereador Professor Wambert lançou na casa um projeto para que o prédio projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer para ser o memorial Luiz Carlos Prestes se transformasse no Museu da História e da Cultura do Povo Negro. Entre os motivos, Wambert afirmou que o ex-líder comunista "agia em oposição ao regime democrático". Sendo assim, como "poderia vir a ser rememorado por este próprio regime?". O projeto não teve êxito.
Mesmo após a morte de Tarciso, o parlamento municipal ainda tem sido um dos espaços de reverberação da pauta. Neste ano, a vereadora Claudia Araujo (PSD) protocolou projeto na Casa para que o nome de Tarciso seja anexado ao nome do museu, como forma de homenagear o ex-parlamentar.
— É uma forma de homenageá-lo, enquanto vereador, dentro da pauta que ele queria muito que acontecesse. Ele queria muito que o trabalho viesse à tona, que a cultura afro brasileira fosse mostrada, principalmente dentro das escolas de ensino Fundamental e Médio — explica.
Na mesma frente, ex-apoiadores do vereador, políticos, artistas, além de outros coletivos têm promovido uma exposição fotográfica itinerante que objetiva manter a busca pela construção do Museu da História e da Cultura do Povo Negro. A mostra Nossa negritude, distintos olhares reúne obras dos fotógrafos Fábio Cruz, Jucimara Costa, Luís Pedro Fraga e Nilvo Pereira Christiano, que retratam fragmentos e riquezas culturais do povo negro. A exposição, que iniciou na Câmara, passou pela Assembleia Legislativa e deve seguir para escolas públicas de Porto Alegre. Antes, no próximo dia 23 de novembro, a exposição deve ocorrer no CRN, em comemoração à semana da Consciência Negra.
Segundo José Miguel Sisto Júnior, gerente do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural (Fumproarte) de Porto Alegre, o CRN não possui estrutura para abrigar um museu, além do local estar condicionado por decreto a estar disponível para abranger toda manifestação cultural negra e não apenas ao funcionamento do museu. O local deve receber reparos como pintura parcial e conserto no telhado.
— Todos tem vontade de ver o museu construído, abrigando a cultura negra. Na verdade, em tempos de crise nós estamos distantes de realizar isso no momento. Nós estamos apoiando os atos para que isso não caia no esquecimento, para que possa ser pensado constantemente. São ações que são muito bem vindas, mas são a título de reunião de esforços. Ele pode ser recebido no Centro de Referência do Negro, mas também pode acontecer que ele tenha sua sede em outro lugar. Tudo isso está em aberto — destaca.
Sisto Júnior também afirma que artistas, gestores e produtores procuraram a Secretaria Municipal de Cultura (SMC) para solicitar um canal de diálogo com gestores sobre a revitalização do CRN. O secretário municipal de Cultura, Luciano Alabarse, não quis se pronunciar sobre o assunto. Ficou definido que a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte (SMDSE) ficará encarregada de realizar eleição para escolha do conselho gestor do espaço, enquanto a SMC auxiliaria na renovação estrutural do centro.
Museu de Percurso Negro é alternativa na Capital
O Museu de Percurso do Negro é um projeto que busca viabilizar a representatividade da comunidade afro-brasileira gaúcha por meio de instalações artísticas em espaços públicos no Centro Histórico da Capital.
O projeto foi resultado da união de diversas entidades e a primeira etapa do museu a céu aberto foi concluída em 2011 com a inauguração da obra Tambor, na Praça Brigadeiro Sampaio. Na sequência, foram levadas a público a Pegada Africana, na Praça da Alfândega, o Bará do Mercado, no Mercado Público, e, por fim, o Painel Afrobrasileiro, no Chalé da Praça XV.
Museus pelo Brasil
Levantamento obtido por GaúchaZH junto ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) mostra que o Brasil possui 36 museus voltados à história e cultura do povo negro. Dois estão localizados em cidades gaúchas: Museu Treze de Maio, em Santa Maria; e o Museu Paroquial Padre Osmar Possamai, em São Marcos. Ambos privados. Por outro lado, capitais como Recife, São Paulo e Salvador possuem museus públicos.