Apesar de festivo, o Dia das Crianças, comemorado neste sábado (12), também serve para reflexões sobre a infância e os problemas que interferem no crescimento saudável dos pequenos, como o trabalho infantil. Levantamento exclusivo feito pelo Procuradoria-Geral do Trabalho (PGT) a pedido de GaúchaZH indica que há redução de denúncias de trabalho infantil, mas que os números ainda preocupam.
Ao todo, de janeiro a setembro, foram 169 registros no Rio Grande do Sul. A média mensal ficou em 18,77 - a mais baixa em seis anos. O levantamento feito pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) leva em conta dos dados de 2014 a 2019.
Chefe da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do MPT, Ana Maria Villa Real, alerta que os números podem não refletir a realidade.
— Primeiro, que a realidade está nas ruas. A gente vê que, na verdade, houve um crescimento do trabalho infantil, inclusive nas ruas, bares e restaurantes. O que eu acho é que estamos com problemas de fluxo no "Disque 100" e essas denúncias não estão chegando — afirma a procuradora do trabalho, que diz que o MPT está providenciando uma solução para esse problema.
O "Disque 100" recebe denúncias de exploração de crianças e adolescentes.
Ações de combate ao trabalho infantil
A procuradora do Trabalho em Porto Alegre, Patrícia Sanfelice, antecedeu Ana Maria no cargo. Destaca a importância de uma rede de proteção forte para barrar os casos de trabalho infantil.
— O Ministério Público do Trabalho tem como uma de suas metas prioritárias o combate ao trabalho infantil. O MPT tem atuado fortemente para tentar acabar com essa chaga social — destaca.
Gestora regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), a desembargadora Maria Madalena Telesca diz que são realizadas diversas ações pela Corte para prevenir essa ilegalidade.
— Nós visitamos escolas, distribuímos materiais, promovemos eventos, realizamos todos os anos a Semana Nacional de Combate do Trabalho Infantil, Semana da Aprendizagem — relata a magistrada.
Crianças ajudam no sustento da casa
Integrante da Divisão de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, de Erradicação do Trabalho Escravo e de Promoção de Igualdade de Oportunidades do MPT no Estado, o procurador do trabalho Bernardo Schuch defende que a criança não tem que ajudar no sustento da casa.
— Três por cento das crianças que começam a trabalhar, entre 12 e 15 anos, sequer atingem o Ensino Médio. É muito claro pra gente que essa situação de trabalho infantil não combina com escola, com desenvolvimento e com a saúde da criança — avalia.
Além disso, segundo Schuch, o trabalho precoce expõe crianças e adolescentes a possíveis maus-tratos, assédios e abusos sexuais.
Procuradora do trabalho em Santa Cruz do Sul, Enéria Thomazin diz que o trabalho infantil leva o ser humano a conviver com a desigualdade social e com a falta de oportunidades.
— Aquela criança ou adolescente trabalha ou porque precisa ajudar na manutenção da família, precisa do dinheiro do trabalho para sobreviver. Ou então ele trabalha para comprar itens de consumo que a família não tem acesso e não pode fornecer a ele — conta a procuradora.
Polêmica envolvendo trabalho infantil
No ano em que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) celebra o seu centenário e que o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) completa 25 anos, a declaração do presidente Jair Bolsonaro feita em julho deste ano não foi bem recebida por quem luta no dia a dia para acabar com essa chaga, que segue acontecendo e preocupando o país.
— Olha só, trabalhando com nove, dez anos de idade na fazenda eu não fui prejudicado em nada. Quando um moleque de nove, dez anos vai trabalhar em algum lugar, tá cheio de gente aí "trabalho escravo, não sei o quê, trabalho infantil" — disse o presidente na época, declaração repetida em outras oportunidades neste ano.
Isa Oliveira, secretária-executiva do FNPETI, classifica como inaceitável a declaração do presidente.
— No Brasil, há uma ausência de uma liderança política na esfera do Governo Federal que busque a adesão dos governadores e dos prefeitos para uma ação eficaz de erradicação do trabalho infantil — pondera.
Procuradora do Trabalho em Uruguaiana, Ana Lucia Stumpf Gonzalez diz que todos, e principalmente um chefe de Estado, devem saber que trabalho para criança faz mal e que as pessoas têm que saber disso.
— Dizer que trabalhar desde pequeno não faz mal é uma inverdade. A gente têm estatísticas de acidentes e adoecimento de pessoas que começaram a trabalhar muito cedo — sustenta.
Acidentes de trabalho com crianças
Ao todo, 17.200 crianças e adolescentes se acidentaram trabalhando entre 2012 e 2018 no Brasil, de acordo com os dados mais atuais do Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil do MPT. São pelo menos seis casos por dia. O site do Observatório, lançado em julho deste ano, reúne uma série de estatísticas sobre o trabalho infantil.
Em 23 de setembro, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou um dado preocupante sobre o Estado. O Rio Grande do Sul é o pior estado na proteção contra o trabalho infantil e no acesso à educação da Região Sul do país.
O que é trabalho infantil?
No Brasil, o trabalho é proibido para quem ainda não completou 16 anos. É apenas permitido a partir dos 14 anos, se o adolescente for contratado como aprendiz. Entre 16 e 17 anos, há uma série de restrições, como, por exemplo, a atividades noturnas, insalubres, perigosas e penosas.
Cata-vento
O símbolo da campanha de luta contra o trabalho infantil é o cata-vento de cinco pontas coloridas. As cores simbolizam os continentes e o dispositivo expressa a alegria que deve estar presente na vida das crianças e dos adolescentes. E mais, ele indica que as ações de prevenção e erradicação do trabalho infantil sempre estejam em movimento permanente.
Aprendizagem
A Lei 10.097/2000 estabelece que empresas de médio e grande porte devem contratar jovens com idade entre 14 e 24 anos como aprendizes. O contrato de trabalho pode durar até dois anos.
Para a auditora do trabalho e responsável pelo setor de Aprendizagem do Ministério do Trabalho no Rio Grande do Sul, o Estado tem apresentado melhoras em relação à erradicação do trabalho infantil. Denise Brambilla Gozales ressalta, no entanto, que ainda é preciso seguir com atenção redobrada.
— Havendo a constatação de exploração, nós retiramos essa criança do trabalho penoso — destaca a auditora do trabalho, que admite que há dificuldades de flagrar trabalho infantil em ambientes familiares.
— A gente tem que fazer uma investigação, uma abordagem mais precisa para verificar se é realmente Trabalho Infantil — explica.
A vontade da criança
Interrompido pela reportagem de GaúchaZH durante um jogo em seu celular para falar sobre o Dia da Criança, o tímido menino Cauã Alce, de nove anos, foi direto e objetivo:
— Criança não deve trabalhar, infância é para sonhar — disse o menino loirinho, que assim que respondeu já voltou ao celular para seguir o jogo.
Podcast sobre exploração de crianças e adolescentes
Confira podcast que traz dados exclusivos sobre denúncias de exploração de crianças e adolescentes.