Um acampamento entre amigos, no sul do Estado, acabou se transformando em uma história curiosa com mais de 20 anos e que pode vir de outros mares. O grupo passeava pela Praia do Hermenegildo, em Santa Vitória do Palmar, quando encontrou uma garrafa com uma carta escrita que, depois, descobriram estar escrita em russo.
Os amigos pediram ajuda nas redes sociais e a tradução constatou que se tratava de um recado que pode ter sido escrito por tripulantes de uma embarcação soviética nos anos 1990 como comemoração ao aniversário do seu comandante. A carta agora será analisada no Centro de Pesquisas em Papel do Curso de Conservação e Restauro da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Toda essa história começou no último domingo (22), quando um grupo de 15 pessoas aproveitava o feriadão de 20 de Setembro no Litoral Sul. Divididos entre carros e quadriciclos, parte do grupo aguardava a chegada do restante dos aventureiros na beira da praia quando depararam com muito lixo nas areais. Entre plásticos, madeiras e outros materiais, eles perceberam a presença de uma garrafa de vidro que tinha um papel dentro. Fechada com uma tampa de difícil abertura, os amigos resolveram quebrar a garrafa e logo verificaram que o papel se tratava de uma carta misteriosa.
Com papel ainda molhado e de certa forma danificado, eles perceberam que o texto não estava escrito em português. Tomados pela curiosidade, buscaram entender o que a mensagem dizia. Foi então que Paula Souza, estudante do curso de Farmácia da UFPel, resolveu publicar uma foto da carta nas redes sociais solicitando ajuda de outros alunos da universidade para desvendar o conteúdo.
— Estávamos todos ansiosos para saber o que estava escrito na carta. Levantamos diversas possibilidades, desde uma carta de amor até o pedido de ajuda de alguém. Muita coisa passou na nossa cabeça — contou Paula, ainda empolgada com a descoberta do último final de semana.
A publicação de Paula no grupo do Facebook da UFPel teve mais de 2 mil reações, entre elas a de uma intercambista que dividiu apartamento com uma estudante russa. Ao ler a carta, verificou-se na primeira tradução que se tratava de um recado escrito por tripulantes do navio Atlantic, uma embarcação da antiga União Soviética que, navegando pela região da Groenlândia, a mais de 11 mil quilômetros de Santa Vitória do Palmar, comemorava o aniversário do seu capitão e ironizava sobre a decisão do governo soviético de proibir a bebida alcoólica no país.
"Destinado aos que não tiveram preguiça de tirar da água esta garrafa. Ela foi bebida contra todas as ordens e orientações do governo pelos verdadeiros marinheiros que lembram das tradições marinheiras e as observam no dia de homenagem do honrado marinheiro, capitão de longas viagens, Iudin V.A no dia do seu aniversário", afirmou um trecho da carta, segundo a tradução informal.
Antes de que uma análise mais detalhada do documento possa ser feita, paira a dúvida se trata-se de uma carta real ou fruto da brincadeira de alguém. Para Mauricio Mata, professor do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), apesar de não ser impossível, a probabilidade de que a garrafa tenha saído da Groenlândia e chegado ao litoral do Rio Grande do Sul é baixíssima, já que existem diversos sistemas de correntes marinhas distintos entre os dois locais.
— Ela teria que passar por vários sistemas de correntes distintos, que poderia ter levado a tal garrafa para qualquer outro lugar que não o Hermenegildo, entende? Ou seja, a probabilidade é baixíssima (de que tenha feito esse percurso) — explica Mata.
Entretanto, segundo o site especializado em embarcações russas Atlantniro, a embarcação de fato existiu e o capitão era Iudin V.A. Além disso, no mesmo ano em que a carta teria sido escrita, o líder soviético Mikhail Gorbachev lançou uma campanha para reduzir o alcoolismo na União Soviética e, desta forma, aumentar a produtividade dos trabalhadores no país. Ele restringiu a venda de álcool e destruiu destilarias. Além disso, o Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética adotou uma série de medidas drásticas. Entre elas, a prisão de pessoas que estivessem embriagadas nas ruas.
Já a idade da produção da carta é confirmada pela professora Silvana Bojanoski, do Centro de Pesquisas em Papel do Curso de Conservação e Restauro da UFPel, para onde a carta foi levada na tarde de quarta-feira (25) para ser analisada, conservada e recuperada. Segundo Silvana, o material encontrado tem características que possibilitam a confirmação de que foi escrito há mais de 20 anos.
Uma análise mais completa será executada na próxima semana. De acordo com Silvana, porém, em uma primeira análise, verificou-se que a data escrita na carta foi 1990, e não 1984, como havia surgido na primeira tradução. O problema verificado se deu pela não verificação a olho nu da presença do número zero no ano.
— Essa data apareceu ao final da carta quando colocamos algumas luzes especiais. Faremos uma série de processos de verificação e inspeção neste papel para que possamos compreender a mensagem completa descrita na carta — explicou Silvana.
A intenção de Paula e do grupo de amigos é de que o material desperte mais curiosidade das pessoas e que a mensagem seja difundida para todos. Segundo Paula, os acampamentos com os amigos irão continuar, e a tentativa de descobrir novas mensagens irá aumentar.
— Acho difícil encontrarmos uma nova garrafa com alguma carta misteriosa, mas iremos seguir acampando e quem sabe não encontramos uma nova mensagem — finalizou a estudante.