"Faça seu dinheiro trabalhar para você" é o lema de Nathalia Arcuri, jornalista econômica, educadora financeira e dona do maior canal de finanças do YouTube, o Me Poupe!, com mais de 3,6 milhões de inscritos. Especialista em planejamento financeiro pelo Insper, em São Paulo, ela argumenta que investir parte do salário é uma forma de viver com responsabilidade e alerta que a reforma da Previdência pode levar ao adiamento da aposentadoria e à redução do valor do benefício. Confira a entrevista concedida ao site GaúchaZH.
É comum ouvirmos a frase: "Não tenho mais como economizar". Como você vê essa afirmação?
Há casos em que já se cortou tudo o que era possível. Mas essa afirmação é perigosa porque pode trazer comodismo: a pessoa pensa "sou uma coitada e serei pobre para sempre". Muitas vezes, isso não é verdade, porque algumas coisas podem ser retiradas sem prejudicar o dia a dia, como reduzir o uso de energia elétrica ao tirar produtos da tomada, trocar de chuveiro, consumir água de forma consciente, usar menos o carro… E tem outra coisa: você pode fazer mais dinheiro, isto é, buscar uma fonte de renda extra para preencher alguma lacuna, ainda que seja no mercado informal.
Que outros gastos podem facilmente ser cortados?
Você pode trocar as compras no mercado mais próximo pelas compras em um mercado atacadista — economizando assim até 30%. Evite desperdício ao máximo: não compre o que você não vai consumir. Uma banana jogada no lixo são R$ 0,50 jogados no lixo. Você pode deixar mais o carro na garagem, repensar as assinaturas mensais, negociar o valor da escola dos filhos, o aluguel ou o juro da casa própria. Por exemplo: se o seu banco cobra 10% ao ano no financiamento enquanto outros bancos cobram 8%, você pode negociar para pagar juro menor.
Muita gente acha que lida bem com as finanças, mas está enganada. Quais são os sinais de alerta?
Se você não investe, é um sinal de alerta máximo. As pessoas acham que estão bem só porque conseguem pagar todas as contas, mas quem não investe 30% do que ganha já está na zona de perigo. Se não investimos, não fazemos o juro trabalhar para a gente e não teremos dinheiro a longo prazo. Sabendo das mudanças com a reforma da Previdência, quem não poupa aceita um risco muito maior do que quem investe na Bolsa de Valores.
No livro Me Poupe!, você ensina ao leitor como calcular o quanto ele precisa trabalhar para ganhar R$ 100. Por que ter essa noção é importante?
Isso faz a pessoa tomar decisões mais conscientes e entender que o “barato” para alguém pode ser “caro” para outro. O que determina se algo é barato ou caro será o meu custo de R$ 100 – ou seja, quanto tempo levo para ganhar R$ 100. Se eu levo 10 horas e algo custa R$ 200, então preciso trabalhar 20 horas para comprar aquilo. Com base nisso, você precisa também traçar uma meta para quando seu tempo valer mais.
A inadimplência é alta entre os brasileiros. Qual é a razão disso?
A falta de educação financeira como um todo. As pessoas não se preparam para assumir crédito, não sabem qual seu impacto no dia a dia. Olham o valor da parcela do carro, mas não o preço do seguro, da manutenção e da gasolina. Aí esses valores se somam, viram uma bola de neve e levam à inadimplência. No Brasil, estar inadimplente é ficar cada vez mais pobre, porque temos um dos juros mais caros do mundo. É uma bomba financeira.
Qual a lógica por trás de seu bordão "faça o dinheiro trabalhar para você"?
Imagine quando você trabalha: você vende o seu tempo para o patrão e ganha dinheiro com isso. Quando falo que o dinheiro vai trabalhar para você é porque você terá uma espécie de empregado que trabalhará para você: é o seu dinheiro, que reforça o seu ganho mês a mês. Mas, para isso, você precisa investir. Enquanto você trabalha aqui, ele trabalha lá.
Quais são os primeiros passos para quem quer investir e por que você defende começar pelo Tesouro Direto?
A gente cresce achando que a poupança é a única forma de investimento. Mas ela rende pouco, gera frustração e a pessoa prefere gastar. É como se, na poupança, o dinheiro fosse preguiçoso e trabalhasse pouco, mas, no Tesouro Direto, ele trabalhasse mais. Como resultado, o Tesouro Direto incentiva a investir porque você vê o dinheiro render mais. Além disso, ele é um ótimo instrumento para começar: você precisa ter uma conta em uma corretora de valores, precisa entender conceitos básicos, como Taxa Selic, IPCA, investimento pré e pós-fixado, vencimento de títulos… Quem tem acesso a essas informações terá acesso a novos investimentos.
Quem está superendividado deve fazer o que, em primeiro lugar?
No Brasil, muitas pessoas não sabem o tamanho de sua dívida. É preciso colocar no papel. Como temos juro muito elevado, o juro sobre juro faz com que se perca a noção de o quanto pedimos emprestado. Quem deve R$ 1 mil no rotativo do cartão acaba devendo, daqui a um ano, R$ 4 mil. É preciso se focar no valor inicial da dívida para juntar o dinheiro e negociar. E de maneira alguma parcele essa dívida no cartão de crédito ou no cheque especial – o juro no cheque especial passa de 13% ao mês. Busque linhas de crédito mais baratas, por exemplo, e refinancie o carro. Pague a dívida mais fácil primeiro, pois tem um bom efeito psicológico: você se livra de uma e parte para a próxima.
Como vencer o desejo de comprar algo reconfortante, mas desnecessário?
A regra do “que-me-pre-po-de”. Quando pensar em comprar algo, responda cinco perguntas: Quero? Mereço? Preciso? Posso? Devo? Se você respondeu não para uma delas, não compre, ou irá se arrepender. Ter objetivo é essencial, sem ele, você não consegue nada. O brasileiro vive uma desesperança generalizada: não acredita muito no futuro por causa da instabilidade econômica e política, daí, busca a satisfação imediata pelo consumo. Tenha metas, poupe, invista, faça pequenas trocas no dia a dia, faça renda extra. O Brasil é um dos melhores países para se investir em renda fixa no mundo. Os juros são altos: você paga caro para pegar dinheiro emprestado, mas ganha muito dinheiro se emprestar, isto é, se investir, seja em Tesouro Direto, CDB (Certificado de Depósito Bancário), LCI (Letra de Crédito Imobiliário), LCA (Letra de Crédito do Agronegócio). Aproveitar esse cenário é excelente para quem poupa.