Deslize o dedo pela tela do celular e observe a variedade de looks postados por Renata Castanheira, 40 anos, no Instagram: vestidos de cortes e estampas variadas, saias jeans e de couro, camisas, blazers, bolsas. O que a diferencia na imensidão do universo de blogueiras de moda exige um olhar mais detido: no perfil @crentechic, não há calças compridas, joelhos de fora (com raras exceções) ou blusas de alcinha. A gaúcha de Caxias do Sul residente em São Paulo, formada em duas faculdades, abandonou uma promissora carreira corporativa quando sua persona virtual ficou maior do que as perspectivas do mercado de trabalho regular poderiam lhe oferecer.
Com o interesse das fiéis evangélicas por dicas de vestuário, um fenômeno crescente, Renata hoje se dedica exclusivamente à divulgação de combinações adequadas para suas 128 mil seguidoras das mais diversas vertentes – ela recebe e responde a uma média de 200 mensagens diárias e tem duas assistentes. “Minha missão é ajudar as mulheres a se vestirem com elegância e modéstia. Aqui falamos de moda e de como podemos ser lindas dentro da doutrina!”, reza seu lema na conta da rede social, onde suas fotos são visualizadas 4 milhões de vezes por mês.
– Tinha a vontade única de mostrar que a gente poderia estar dentro de uma doutrina e ainda assim ser elegante. Mostrar que a gente pode ser crente e ser chique. Hoje está muito mais fácil ver mulher de saia. Olhar para uma mulher evangélica já foi diferente: você via uma mulher cafona – observa Renata.
Fã do mundo fashion desde cedo, Renata logo foi reconhecida pelo bom gosto com que se apresentava. Quase 20 anos atrás, foi eleita a funcionária mais bem-vestida em um call center com 1,5 mil empregados. Já sofreu com preconceito, mas hoje não mais. É fiel da Congregação Cristã do Brasil, que não recomenda calças para mulheres. Este é um ponto central da cartilha da moda evangélica pentecostal: conforme a igreja, há a liberação ou não para o uso de calças compridas (quando toleradas, geralmente é para o ambiente de trabalho) e a determinação do comprimento da saia – quanto mais conservadora a corrente, mais recoberto deve estar o corpo feminino.
As referências se dão com base no joelho: permite-se a barra da saia até dois ou três dedos acima da dobra da perna ou, ao contrário, pede-se que o tecido cubra totalmente o joelho quando a fiel estiver sentada. Renata veste calça apenas na academia, durante os exercícios físicos, e opta por saias e vestidos nas demais ocasiões. Pode deixar entrever um tantinho das coxas, mas, preferencialmente, é dali para baixo. Casada desde os 18 anos com um pretendente que conheceu na mesma congregação, ela é mãe de duas crianças e frequenta o culto duas vezes por semana.
– A doutrina requer modéstia. A mulher deve ser mais recatada, tentar não ser uma vulgar, não mostrar decote, sensualizando – explica.
Questionada sobre decotes, ela revela não optar pelos profundos, com aberturas que descem perigosamente rumo aos seios. Quanto a rendas e transparências, recomenda cuidado: não alia duas características potencialmente infratoras em um mesmo traje.
Tinha a vontade única de mostrar que a gente poderia estar dentro de uma doutrina e ainda assim ser elegante. Mostrar que a gente pode ser crente e ser chique. Hoje está muito mais fácil ver mulher de saia. Olhar para uma mulher evangélica já foi diferente: você via uma mulher cafona.
RENATA CASTANHEIRA
Influenciadora digital
– Se for transparente e curto, não uso. Não posso vulgarizar a roupa – diz a digital influencer, que também presta serviços de consultoria e nunca precisa ir às compras: recebe no mínimo cem peças mensais, gratuitas, enviadas por lojas e marcas, para divulgação em suas plataformas.
Ainda mais pop na internet, a influencer Paola Santana (@paaolasantanaa), 31 anos, de Campinas (SP), contabiliza quase 460 mil seguidores no Instagram, em que prega “Eu não sou nada, Ele é Tudo!”. A agenda de Paola é repleta de desfiles, presenças vip em eventos, publicação de posts pagos e fotos para catálogos de lojas. Fiel da Assembleia de Deus, ela decidiu segmentar seu público: optou por uma linha bem conservadora, ainda que seu álbum de fotos, à primeira vista, chame a atenção pela explosão de cores e texturas e pelos looks “lacre”, em sua própria definição:
– Me sinto superbem, porém, não gosto de nichar como “moda evangélica”. É uma moda que veste de uma forma mais modesta. Tem muitas meninas de outras religiões que me seguem e gostam desse estilo.
Empresária que atua no comércio virtual, Nilza Maria Ribeiro Lara, 37 anos, começou o negócio mirando um público mais variado e amplo, mas não demorou a descobrir o lucrativo nicho da moda evangélica – que muitas vezes cruza caminhos com os da linha executiva. Moradora de Taquara, ela administra a Lara Bless (do inglês “to bless”, “abençoar”), que vende para todo o país. Nilza apostou em uma mudança de perfil. Cada vez mais, sai de cena a figura caricata e esmaecida da “crente” de antigamente, com saia jeans comprida e reta, blusa para fora do cós e cabelão:
Percebo que esse ramo está muito mais sofisticado, mais elegante. Agora é uma mulher mais exigente, que gosta de se sentir bonita. Recebemos muitas fotos das clientes posando com a roupa: “Olha como fiquei bonita”, “Olha que chique”. Elas querem se sentir na moda, mas dentro da sua religião.
NILZA MARIA RIBEIRO LARA
Empresária do setor de vestuário
– Hoje o mercado evangélico está antenado na moda, não é mais aquela visão que se tinha antes, da mulher mal arrumada, sem muita opção. Percebo que esse ramo está muito mais sofisticado, mais elegante. Agora é uma mulher mais exigente, que gosta de se sentir bonita. Recebemos muitas fotos das clientes posando com a roupa: “Olha como fiquei bonita”, “Olha que chique”. Elas querem se sentir na moda, mas dentro da sua religião. Ao mês, são cerca de mil peças despachadas, entre saias, vestidos, blusas e conjuntos, sem restrição de cores e estampas. Mesmo com a desaceleração da economia, as vendas não sofreram impacto.
– Tenho que ser muito grata a Deus porque o comércio eletrônico tem crescido dia a dia. A crise não nos afetou, pelo contrário, contribuiu para o crescimento. Para nós, foi uma oportunidade – atesta Nilza, da Igreja Adventista do Sétimo Dia.