Nas segundas e quintas-feiras, o dia começa cedo para os sócios e apoiadores voluntários da iniciativa Amada Massa, que gera renda para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Às 6h30min da manhã, eles estão uniformizados na padaria localizada no bairro Azenha, em Porto Alegre, dando início à fabricação dos pães que serão vendidos ali mesmo e distribuídos entre aqueles que fazem parte do clube de assinatura e recebem o pão quentinho em casa.
Idealizado em 2017 e em funcionamento desde abril do ano passado, o coletivo foi estruturado por Daniel Silva, 35 anos, Carlos Eduardo Carvalho, 38 anos — experientes no ramo de comida vegana por terem trabalhado em um restaurante — e Anderson Ferreira, 42 anos, que tem uma trajetória de 15 anos de vida nas ruas e hoje estuda Políticas Públicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Daniel e Carlos Eduardo frequentavam as reuniões do Movimento Nacional da População de Rua e lá conheceram Anderson. A partir da troca constante de saberes entre eles, surgiu a ideia de criar uma iniciativa que gerasse renda, mas também autonomia e acolhimento para essas pessoas em situação de rua, conta a apoiadora do Amada Massa e estudante de Relações Públicas, Luise Xavier, 21 anos, que também pega junto na produção.
— A ideia sempre foi que eles tivessem autonomia para participarem de todo o processo do trabalho. O propósito não é oferecer assistencialismo, porque esse tipo de auxílio é de ajuda pontual. Nossa ideia é de reparação social, procurar entender de maneira mais completa a história da pessoa e pensar maneiras de transformação da realidade dela — explica a Luise.
O propósito não é oferecer assistencialismo. Nossa ideia é de reparação social, procurar entender de maneira mais completa a história da pessoa e pensar maneiras de transformação da realidade dela.
LUISE XAVIER
Apoiadora do projeto
Em um primeiro momento, a aposentada Maria Madalena da Silva, 55 anos, mãe de Daniel, era quem fazia sozinha, em casa, os 200 pães semanais que eram vendidos pelos sócios —pessoas em situação de vulnerabilidade — nas ruas da cidade. Com a criação do clube de assinantes, foi possível juntar dinheiro para mudar de casa.
Com a verba arrecadada mensalmente, eles pagam o aluguel do novo espaço, bem como as contas de luz, água e insumos necessários para a produção. O valor dos planos de assinatura varia de R$ 45 a R$ 60. É possível escolher se deseja receber um ou dois pães por semana, em casa ou retirá-lo na padaria da iniciativa. Atualmente, o clube conta com aproximadamente 140 pessoas.
Oportunidade de transformação
Com a mudança de sede, os sócios, literalmente, começaram a colocar a mão na massa. Eles saíram da venda nas ruas e passaram a frequentar também a cozinha. Para isso, todos foram capacitados e fizeram um curso de boas práticas oferecido por uma engenheira de alimentos.
Edisson Campos, 34 anos, passou por essa transformação. Ele viveu mais de 20 anos na rua, morou em ocupações e, agora, consegue alugar um quarto em uma pensão localizada no bairro Cidade Baixa, na Capital. Isso é possível porque ele soma a renda mensal que ganha com a inciativa — que gira em torno dos R$ 300 e R$ 400 reais para cada sócio — com o dinheiro angariado com a venda do jornal Boca de Rua, que é feito por um coletivo de moradores de rua de Porto Alegre.
Enquanto faz bolinhas dos pedaços de massa pesados e cortados pelo sócio e amigo Leandro Corrêa, 35 anos, que também viveu mais de duas décadas na rua e agora mora em uma pensão, Edisson ressalta os benefícios trazidos pela Amada Massa.
— Eu não tinha endereço fixo, aí, não conseguia emprego. Esse coletivo gera renda, mas também independência e oportunidade — diz o padeiro, que é um dos oito sócios da inciativa, que ainda conta com o apoio voluntário de outras sete pessoas.
Eu não tinha endereço fixo, aí, não conseguia emprego. Esse coletivo gera renda, mas também independência e oportunidade.
LEANDRO CORRÊA
Padeiro, ex-morador de rua
O dinheiro revertido da venda dos produtos e do clube de assinantes é dividido somente entre as pessoas em vulnerabilidade social e Maria Madalena. A repartição leva em consideração os dias trabalhados por cada um.
Desde setembro de 2018, quando a iniciativa passou a contar com uma sede própria, a produção semanal saltou para 400 pães. As portas da padaria abrem para venda de produtos nas segundas e quintas-feiras. Além deste local, eles também se fazem presentes na feira do Largo Zumbi dos Palmares, nas terças-feiras, e na feira orgânica realizada no pátio da Faculdade de Biblioteconomia da UFRGS, nas quintas, ambos eventos são em Porto Alegre.
Todos os itens comercializados são veganos, feitos com farinha de trigo orgânica, fermentação natural, água e sal marinho. Semanalmente, os sabores dos pães mudam. O favorito dos clientes é o de milho, mas eles ainda oferecem o de couve, o tradicional, o de aveia, o de cenoura, o de beterraba entre outros.
Vaquinha online para tornar a produção diária
Atualmente, a padaria abre somente duas vezes na semana. Mas o objetivo é fazer com que essa frequência se torne diária, porque, assim, seria possível aumentar a produção e a renda dos sócios. Por isso, foi lançada uma campanha de financiamento coletivo para a compra de equipamentos como padeiro noturno, máquina que permite a programação e realização de determinadas etapas da produção do pão sem a presença humana. Para cada contribuição feita, existe uma recompensa. Quem doar R$ 30, por exemplo, recebe um livro digital com as principais receitas do Amada Massa.
Para fazer parte do clube basta acessar o endereço amadamassa.com.br. Quem quiser doar para tornar possível a abertura diária da padaria do Amado Massa, acesse apoia.se/amadamassa.