É muito difícil prevenir massacres como o ocorrido na escola de Suzano (SP) porque, em geral, os autores não dão sinais prévios e planejam o crime de forma muito organizada.
— Eles são mais quietos, introspectivos, mas não têm necessariamente um comportamento que os coloquem muito em evidência, não chama a atenção — diz o psiquiatra Antonio Serafim, coordenador do núcleo forense do IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo).
O temor agora, segundo ele, é que a ação possa ser copiada por outros jovens:
— É a nossa preocupação, que outras pessoas repitam isso com maior impacto ainda — afirma.
Confira a entrevista com o profissional:
Os atiradores de Suzano seguiram uma série de rituais antes do ataque, como roupas alusivas à morte, máscara de caveira, uma besta, entre outros. O que isso significa?
Só representa o perfil desse tipo de crime. Geralmente, envolve pessoas com um modus operandi bem delineado, organizado. Começam com um processo de fantasia, depois saem do plano do pensamento para a execução. Aí vem todos os adornos possíveis, o tipo de arma, de vestimenta. Há outro padrão: eles atuam no ambiente que conhecem.
Envolve também pessoas que mantêm um certo isolamento?
Sim, mas gradativamente buscam meios de fundamentar e melhorar a possibilidade da ocorrência. Hoje, com a facilidade das redes sociais, isso facilita bastante porque eles encontram adeptos e, consequentemente, cúmplices.
É um crime planejado?
Sim, não acontece de forma de um rompante. Geralmente, é um processo bem organizado, elaborado. Pode até ter um gatilho, aquilo que impulsiona a ação, mas é uma ação planejada e eles geralmente buscam subsídios para executar a ação.
Tem como prevenir um crime dessa natureza?
É uma questão delicada porque, em geral, eles não têm um padrão de previsibilidade de ação, é muito no anonimato. Se a gente for pensar em causas, há uma associação de variáveis que podem colaborar, como histórico de bullying e questões familiares.
Em geral, eles têm uma característica de isolamento, são mais quietos, introspectivos, mas não têm necessariamente um comportamento que os coloquem muito em evidência, não chama a atenção.
Quando você tem um jovem mais problemático do ponto de vista de comportamento, que se envolve com drogas, brigas, a família abre um sinalzinho vermelho de atenção. Esse padrão de comportamento de atiradores é muito sutil, não fica muito evidente. Eles se falam muito entre si, nos grupos em que compartilham as mesmas ideias.
O senhor chegou a ver os vídeos do ataque. O que eles nos revelam sobre a personalidade dos atiradores?
O primeiro que entra, o mais novo, é mais organizado, executa o plano de forma muito eficaz, com muito controle.
Ele vai, tira a arma, dispara. O outro entra em seguida num nível de desorganização muito grande, que mostra perfis bem diferente. Provavelmente, em uma análise a distância, o primeiro era o mais organizado e com um poder de influência maior sobre o outro.
O segundo provavelmente tinha o desejo, porém, pouco potencializado em termos de execução. Ele desfere os golpes com uma certa agitação, de forma desordenada, até com uma baixa qualidade de entender o que estava fazendo. Isso, de certa forma, ajudou o massacre não ter uma extensão ainda maior.
Há algum risco de uma ação dessa natureza ter alguma espécie de eco, um efeito cópia?
É a nossa preocupação, que outras pessoas repitam isso com maior impacto ainda. A questão é que, em geral, elas não dão sinais prévios, como uma mudança brusca de comportamento, então fica difícil rastrear, prever.
Todos os estímulos podem predispor pessoas predispostas. Para uma pessoa, um jogo violento pode ser apenas um momento de fantasia, para outros, isso vai vira uma verdade.
A pessoa precisa ter uma condição psicológica, tomada por fantasias destrutivas e essas tomarem um sentido lógico. Dentro de um grupo que compactua com os mesmos pensamentos, isso passa a ser um potencial disparador para essas questões.
Da mesma forma que se tem a vulnerabilidade para assistir um filme ou praticar um jogo e internalizar as questões, há também em relação às notícias. Ele pode pensar: "Pô, o cara fez isso, então eu posso fazer mais. Olha como ele está famoso!".
Não enxerga o impacto na vítima, ele tem uma empatia enviesada, no caso, com o agressor. É uma necessidade psicológica distorcida em relação ao contexto de coletividade.