Se no nascimento do seu filho você desejou ter um manual de instruções, nem o Oráculo acabará com suas dúvidas quando ele alcançar a adolescência. Ainda mais no momento em que seu “bebê” aparecer com um namorado ou uma namorada.
Deixar ou não o pretendente dormir na sua casa será um dos dilemas. Permitir que seu filho ou filha leve pijama e escova de dente à casa da outra família, então, tem tudo para ser ainda mais polêmico. Para piorar, não tem protocolo ou lei que indique a idade certa para isso. Pensando nisso, GaúchaZH separou algumas dicas para tirar o elefante da sala – e talvez até colocar o namoradinho no lugar. Mas só se a família toda estiver de acordo, viu!?
A primeira lição é justamente essa: ninguém deve aceitar alguma coisa que lhe deixe desconfortável demais. Claro que não aceitar o namorado em casa é uma opção, relata a psicóloga Maíra Sobieski, especialista em terapia cognitivo-comportamental:
— Se os pais não estão mesmo confortáveis, é importante não ultrapassar esse limite. Todo mundo dentro de casa tem de estar (confortável). Se tem irmão, até ele também tem de estar bem com isso.
Mas proibir as visitas não significa que você está adiando a iniciação sexual do adolescente. E deixar de falar não encerra o assunto. A psicóloga Maria Isabel Wendling, terapeuta de família e professora da PUCRS, diz que os cenários mais complicados se desenham quando a família finca o pé em um “não”, com um jeito autoritário, sem sequer se mostrar disponível para conversa e negociação.
— Isso fecha a possibilidade de diálogo e é, geralmente, quando o adolescente acaba fazendo coisas escondidas — alerta. — Famílias mais rígidas podem distanciar cada vez mais os filhos.
Por isso, todas as especialistas ouvidas pela reportagem ressaltam que não há outra alternativa que não seja a conversa. Que, de preferência, tem de começar anos antes. Vai ser muito mais difícil se, com os filhos já na adolescência, pais que nunca falaram com eles sobre sexualidade trouxerem esse tema. Provavelmente ficará um clima estranho.
Respeito à privacidade
A sexualidade pode começar a entrar na conversa já a partir da infância, de acordo com o tom e a franqueza dos pais às perguntas das crianças. Diante da clássica dúvida de onde o bebê vem, responder que é num pé de repolho talvez já não seja mais o adequado. Usando sempre nomenclaturas de acesso às crianças, Maria Isabel sugere que a resposta seja algo como “a partir do namoro entre duas pessoas que se gostam”. Quando a criança começa a descobrir que os corpos de meninos e meninas não são iguais, uma boa dica é explicar as diferenças e ajudá-la a reconhecer o corpo com naturalidade. Em suma: os pais devem ficar atentos às curiosidades que surgirem e explicar dentro da capacidade do filho de entender.
Mas se a família nunca abriu a possibilidade de diálogo sobre sexualidade em casa, quando os filhos demonstram interesse em namorar, ignorar já não é mais uma possibilidade.
— Daí, é a hora de ver se nada aconteceu ainda, ver o quanto os filhos já têm de orientação e aproveitar para falar dos cuidados básicos, como da necessidade de usar camisinha e demais métodos contraceptivos — indica Maria Isabel.
Mariana Steiger Ungaretti, psicanalista e diretora cientifica da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul, destaca a importância de os pais respeitarem a privacidade dos filhos. Se ele não quer ouvir seu papo, se coloque à disposição para conversar quando ele quiser e tente sugerir outro canal (alguma outra pessoa da família, amigo, um ginecologista, um site legal).
Debaixo da asa da mãe
A agente penitenciária Rosângela Martins, 42 anos, e a dona de casa Ana Cristina Carvalho, 48, adotaram estratégias diferentes em suas casas, mas chegaram à mesma conclusão: é mais seguro manter os filhos e namorados por perto, jogando as regras da família.
Rosângela conta que, quando Loren, 15 anos, surgiu com um namorado, tratou ela “como adulta”. Já costumavam conversar sobre qualquer assunto e está certa que assim conseguiu criar uma filha obediente. Mas a mãe não permite que o pretendente, quando vem do Interior a Porto Alegre para visitar Loren, durma no mesmo quarto:
— Ela dorme comigo e ele no quarto dela. Eu expliquei que são jovens, que ela tem de se preservar quanto à intimidade e não avançar muito antes do tempo.
Na sua época de adolescente, Rosângela teve irmãos muito ciumentos que “proibiam” a aproximação de namoradinhos. O resultado foi que ela namorou escondido durante muito tempo – exatamente o que ela não quer que Loren faça.
Ana Cristina, que se considera uma mãe muito protetora, prefere que as namoradas do filho, de 17 anos, venham à sua casa do que o contrário – o que gera até uma contradição, porque implicaria em algum pai do outro lado ceder. Ela tem medo da violência nas ruas, em festas e nos bares.
O rapaz mesmo pergunta se pode levá-las. Na maioria das vezes, Ana Cristina deixa. Mas tem dias que prefere privacidade com seu marido e acha que pessoas estranhas incomodam um pouco.
A dona de casa sempre fala sobre proteção e pergunta se as meninas tomam pílula.
— Daí, eles falam que não fazem nada, que são só amigos. Ah, tá! – ri Ana Cristina.
A psicanalista Steiger Ungaretti acredita que as regras são fundamentais nas relações de pais com os filhos. Os adultos podem determinar dias para as visitas, estabelecer que um dia o filho pode ir até a outra casa, mas na próxima é a vez da namorada vir para casa, por exemplo:
— É prejudicial quando não tem lei, quando fica tudo solto, porque o adolescente pode ficar perdido.
Mas ela diz que esses acordos não devem ser inflexíveis: é importante o adolescente poder negociar. E as recombinações também podem ocorrer se algo não estiver dando certo para qualquer dos dois lados.
Perguntas e respostas
Permitir que namorado (a) durma em casa é sinônimo de autorizar a iniciação sexual?
A psicanalista Mariana Steiger Ungaretti repara que muitos pais atribuem a possibilidade de deixar os filhos receberem namorados em casa, ou deixar que durmam na casa deles, à permissão para iniciação sexual. Mas ela pondera que não é necessariamente isso que vai determinar quando seu filho começará a transar – o adolescente consegue encontrar várias outras formas para isso. Mariana comenta:
— É a fantasia de os pais terem um controle sobre o início da vida sexual dos filhos.
Isso, segundo a especialista, só reforça a necessidade de instruir os filhos e construir um ambiente de diálogo dentro de casa.
Há idade indicada para o início da vida sexual?
— Em casos de criança, deve-se vetar sempre. Para adolescentes, depende da maturidade biológica, psicológica e social — afirma a pesquisadora em educação sexual e membro da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (SBRASH) Tereza Fagundes. — Depende do nível e da profundidade da relação construída, da forma como lidam com as responsabilidades assumidas, das aspirações que eles têm sobre o futuro.
Se os filhos não trouxeram namorada (o) para casa ainda, devo insistir em conversar sobre isso?
A psicóloga Maria Isabel Wendling entende que ficar perguntando de forma insistente sobre quando vão aparecer as namoradinhas ou namoradinhos pode deixar o filho constrangido.
— Ele pode até achar que tenha que trazer, sem que necessariamente queira — comenta.
Então, tente construir um ambiente em que o adolescente se sinta à vontade para conversar e evite a pressão.
Vale conhecer a família do namorado (a)?
Para muitas famílias, isso pode ser benéfico, segundo Maria Isabel. Até mesmo para tentar estender o acordo feito na sua casa aos pais do namorado ou namorada. E assim você pode tomar a decisão sobre deixar o filho ir até a casa do outro com mais embasamento.
Devo basear minha decisão na forma como meus pais me trataram?
Se a sentença começar com “no meu tempo”, se policie. Muita coisa mudou desde então. Mariana Ungaretti pontua que os pais vão ter de entender a cultura atual, que trata determinados temas de forma diferente. Se não tentarem se atualizar, podem gerar um desconforto maior e o filho adolescente pode se sentir incompreendido.
A psicanalista concorda que lidar com o diferente não é fácil e ressalva que não deve significar abrir mão dos princípios e valores. Relação entre pais e filhos se baseiam em acordos: tente achar o melhor para a sua família.