As crianças de nove anos têm o mesmo nariz arrebitado, amplo sorriso e olhos curiosos e sorridentes. Noah e Josiah são loiríssimos de pele clara, Nariyah e Maliyah têm pele e cabelos bem morenos, e seus quatro irmãos – Jonah, Jeremiah, Isaiah e Makai – variam entre os dois polos.
— Me passa a colher — diz Maliyah, ao pé do fogão.
— Já estou misturando as batatas — diz Josiah.
As crianças vão para lá e para cá o tempo todo, ziguezagueando pela apertada cozinha e pela sala contígua na casa de três quartos no Condado de Orange, na Califórnia, Estados Unidos, enquanto a mãe cuida de Aidan, o irmão de 13 anos que tem autismo.
Uma criança pica vegetais, outra esquenta água, outra arruma os talheres e assim por diante.
— Cuidado com isso — avisa Amerah, 16 anos, fiscalizando enquanto digita no celular.
Calyssa, 12 anos, pinta em silêncio, enquanto "os oito" se apressam como se estivessem no Top Chef. Uma gata gorda, cinzenta e listrada passa furtivamente. Dois irmãos adolescentes jogam videogame em outro cômodo.
Ao todo, são 14 irmãos. São tantos, que têm de se revezar para comer. Alguns dormem no sofá. Os óctuplos são pequenos para a idade, mas são educados, cozinham, são veganos, leem dois livros por mês e fazem a lição de casa sem que lhes peçam. Apesar de todas as horríveis histórias publicadas desde o nascimento, são crianças exemplares de quarta série. Como ela conseguiu?
A origem
Em 2008, Natalie Suleman (que se chamava Nadya e mudou de nome) teve 12 embriões implantados pelo dr. Michael Kamrava, um especialista em fertilidade de Beverly Hills, o mesmo que também fizera os implantes in vitro de todas as seis gestações anteriores.
É difícil acreditar que os óctuplos são todos do mesmo pai – um doador de esperma não identificado – e mais difícil ainda é crer que Natalie não sabia que teria tantos bebês de uma vez. Mas é o que ela diz.
Foram necessários 46 médicos e enfermeiros para realizar a cesariana quando Natalie entrou em trabalho de parto com 31 semanas de gestação. Os bebês pesavam entre 680g e 1,47kg. Seis meninos e duas meninas. Nunca antes tantos bebês haviam nascido ao mesmo tempo e sobrevivido. Uma maravilha da medicina ofuscada pelas manchetes nos tabloides de supermercado.
Natalie foi vista como reprodutora insensível, como uma personagem de quadrinhos chamada Octomãe. Foi acusada de ter gasto centenas de milhares de dólares em cirurgias plásticas para ficar parecida com Angelina Jolie: mãe solteira vivendo à míngua, uma louca que faria qualquer coisa para ter uma família. Ou seja, uma personagem perfeita para nossa assim chamada era da realidade, quando atrações circenses menores se transformam no espetáculo principal.
Não é de admirar que Natalie tenha se aproveitado da situação. Mas quando o dinheiro acabou, desesperou-se: teve uma curta carreira em filmes pornô, striptease e boxe. Uma ação judicial seguiu-se a acusações de abuso e exploração infantil, e Natalie foi a programas de entrevistas para angariar fundos.
O interesse do público minguou, e com tantas crianças para cuidar, diz Natalie, apelou para álcool e Xanax, entre 2011 e 2013, terminando com uma rápida passagem por uma clínica de reabilitação. Nesse meio-tempo, amigos e familiares ajudaram a cuidar das crianças.
— Eu estava fingindo ser uma farsa, uma caricatura, coisa que não sou, e fingia por desespero e necessidade, para sustentar minha família — disse em outubro, ao telefone. —Venho me escondendo do mundo real a vida toda.
— Estou trabalhando num livro. Um trabalho já dura 13 anos — disse.
Ela espera sanar os mal-entendidos.
— É por isso que quero fazer esta entrevista. Estou escrevendo esse manuscrito desde o colégio. Fui a clássica vítima — disse Natalie em sua casa, em novembro.
Vítima de um pai alcoólatra, filha única, ávida por preencher esse vazio. Vítima do destino, já que não poderia ter filhos naturalmente. Mais do que tudo, disse, "fui enganada por meu médico".
Natalie disse que só queria gêmeos, mas que Kamrava – formado pela Universidade Case Western Reserve em Ohio, com 30 anos de experiência – a induzira a consentir no implante de mais embriões quando estava atada a uma maca e sob o efeito de fortes sedativos.
— Ele me disse que havíamos perdido seis embriões; disse que haviam sido expelidos, e por isso queria implantar outros seis — disse Natalie.
Kamrava afirma que foi ela quem o pressionou a realizar os múltiplos implantes.
Criada nos arredores de Fullerton, Natalie é bacharelada em desenvolvimento infantil e passou três anos trabalhando num hospital psiquiátrico até sofrer uma lesão que resultou numa indenização de US$ 80 mil. Uma subsequente herança familiar de US$ 60 mil a ajudou a financiar suas fertilizações in vitro.
Em janeiro, os óctuplos completam 10 anos. A mãe diz que o médico não tem feito nenhum contato com ela nem com as crianças.
Caricatura
— Fui egoísta e imatura — diz Natalie, hoje com 43 anos.
Ela se recusa a dizer que errou, e não mudaria o passado, pois ama demais seus filhos. Mas admite que tem um necessidade opressiva de ter "mais e mais".
— Eu nunca quis toda essa atenção — afirma, sendo um pouco contraditória.
Diz que funcionários do hospital violaram seu prontuário e o venderam para a mídia:
— Havia helicópteros sobrevoando o hospital enquanto eu dava à luz.
Suas respostas pulam de um lugar para outro:
— Tive transtorno do estresse pós-traumático por causa do assédio de tantos repórteres ao longo destes anos todos. Naquela época, eu aceitava qualquer coisa e os deixava entrar. Estava caindo num buraco negro. Não havia jeito de a Octomãe ter uma oportunidade saudável. Eu fazia o que me mandavam fazer e dizia o que me ordenavam que dissesse. Quando você finge ser quem não é, pelo menos em meu caso, acaba quebrando a cara.
Natalie não quis revelar quanto a revista The National Enquirer ou a Star lhe pagaram, afirmando:
— A Octomãe foi criada pela mídia. Acho que a maioria das notícias é filtrada e falsa. Foram eles que criaram essa caricatura.
Com uma risada nervosa, prossegue:
— Depois que finalmente fugi da falsidade toda, consegui ser eu mesma.
Mas fisicamente, pelo menos, essa "eu mesma" foi irreversivelmente transformada. Segundo ela, a coluna ficou danificada por causa da última gravidez, um dano agravado por correr meias maratonas durante anos.
Natalie diz estar trabalhando como conselheira em período integral, mas depois acrescenta que está se concentrando na família, contando com a assistência do governo e com "sessões internacionais de fotos". Como em outras declarações dela, às vezes é difícil conseguir uma informação clara.
Ela diz que não está saindo com ninguém e que não tem contato com os homens que doaram esperma para realizar seu sonho. Admite que aumentou as mamas, e se arrepende, mas declara que são falsas as acusações sobre Angelina Jolie. Assim como as de abuso infantil.
Os Super Oito
Já as crianças vivem isoladas.
— A maioria dos meus amigos não sabe sobre as oito — diz Amerah. — Quando nasceram, eu estava na escola primária. E me perguntavam sobre tudo. Mas eu respondia dizendo que era minha mãe e minha família. Eu estava um pouco confusa com aquilo. Entendo sua curiosidade, mas eu não me intrometeria na sua família; por que você se intromete na minha?
Joshua, o jogador de 15 anos, diz:
— Alguns de meus amigos não têm irmãos, daí querem saber como é. É legal ter com quem brincar, mas às vezes é insuportável.
O dia começa por volta das 6h20min, com uma van Ford E-350 Super Duty caindo aos pedaços, que ela chama de "caminhão de lixo", e os cuidados de rotina. Após a escola: faxina, tarefas, cama às 20h30min. A família se diverte nos sábados à noite com comida vegana e TV, mas os passeios não são em grupo.
— Ela fica ansiosa com todo mundo olhando, então sai com quem se comportou melhor. Há altos e baixos — informa Amerah, que quer ser cirurgiã ortopédica e ter uma família grande. — Mas não de 13 ou 14 filhos. Quatro já estão de bom tamanho.
Por Adam Popescu