Não há indicativo concreto de que Jair Bolsonaro vá tentar barrar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ele não fez nenhuma promessa durante a campanha eleitoral e não incluiu o tema em seu programa de governo. Nesta semana, GaúchaZH teve informação de uma dezena de casos desse tipo apenas em Porto Alegre.
Mesmo que deseje fazer algo a respeito, teria de enfrentar grandes obstáculos. O Supremo Tribunal Federal já deliberou sobre o assunto, reconhecendo as uniões entre pessoas do mesmo sexo, e poderia vetar medidas ou leis em sentido contrário, declarando-as inconstitucionais.
— Não é assim, o Bolsonaro entrou e acabou o casamento homoafetivo. Teria de haver todo um processo, e eu tenho dúvidas de que ele vá fazer isso, porque criaria uma indisposição muito grande com o Judiciário. Mesmo que ele faça algo, o STF certamente declararia inconstitucional — afirma o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família.
Nesse cenário, a apreensão manifestada pela comunidade LGBT+ tem mais a ver com o ambiente político, com a base de apoio de Bolsonaro e com posições que foram manifestadas no passado pelo presidente eleito. Somados, esses fatores indicam à chegada ao poder de um grupo que reiteradamente tem se oposto ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, inclusive na prática legislativa, buscando amparo no artigo 226 da Constituição, que identifica como entidade familiar "a união estável entre homem e mulher".
Confira abaixo quais são as posições de Bolsonaro e seus apoiadores que preocupam a comunidade gay.
1) Bolsonaro e os gays
Em 2011, quando o STF reconheceu as uniões gays, Bolsonaro qualificou a decisão como uma "gracinha", dizendo que o tribunal "inventou" e "extrapolou". Dois anos depois, atacou a resolução do CNJ que obrigou os cartórios a registrar casamentos de pessoas de mesmo sexo: "O Judiciário, a exemplo do Supremo, tem avançado sobre a Constituição. Está bem claro na Constituição aqui: a união familiar é um homem e uma mulher".
Bolsonaro fez declarações consideradas homofóbicas pela comunidade LGBT+, como dizer que não gostaria de ter um gay morando em seu condomínio, por considerar que isso desvalorizaria o imóvel. Em entrevista à revista Playboy, em 2011, questionado sobre a hipótese de ter um filho homossexual, respondeu: "Pra mim, se morrer é melhor". Em outra ocasião, afirmou: "Uma criança adotada por um casal gay tem 90% de chances de ser gay também. Você acha que vou pegar meu filho de seis anos de idade e deixar ele brincar com outro moleque de seis anos adotado por um casal gay? Não vou deixar".
2) A influência de Magno Malta
Um dos políticos com quem Bolsonaro mais se identifica é o senador Magno Malta (PR-ES), a quem o presidente eleito é grato por tê-lo aproximado do público evangélico. Recentemente, Bolsonaro assegurou que Malta terá um cargo no governo. Especula-se que assumiria o novo Ministério da Família.
O senador é um adversário do casamento homoafetivo. Em 2013, apresentou o Projeto de Decreto Legislativo 106, que susta a resolução do CNJ sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, com o argumento de que ela "esbulhou a competência legislativa do Congresso Nacional".
No ano passado, quando uma comissão do Senado aprovou projeto para colocar na lei o casamento entre pessoas do mesmo sexo, Malta abordou o tema em entrevista ao jornal O Globo: "O que eu devo aos homossexuais? Devo respeito, e eles também me devem, porque são regras de boa convivência. Mas eu não preciso aplaudir a opção sexual deles. Sou contra esse casamento, e não só eu, mas a maioria absoluta dessa Casa, que vive em um país majoritariamente cristão".
Malta também ficou conhecido por torpedear um projeto que criminalizaria a homofobia e por se opor ao Estatuto da Diversidade Sexual, em tramitação no Senado, que tem como proposta defender minorias sexuais e combater a discriminação: "Vai de encontro a tudo o que nós acreditamos", disse.
3) A base evangélica
Um dos suportes com que Bolsonaro contou para chegar ao Planalto foi a comunidade evangélica. No Congresso, muitos dos parlamentares que estarão na base de apoio do novo governo são ligados a igrejas pentecostais e neopentecostais. Por esses motivos, acredita-se que o futuro presidente terá de contemplar demandas desse público.
Um dos projetos da Frente Parlamentar Evangélica é o chamado Estatuto da Família, de autoria de Anderson Ferreira (PR-PE). O texto prevê que família passaria a ser "o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher". Esse tipo de família, heterossexual, teria prioridade para atendimento médico e psicológico e também no Judiciário. A proposta estipula a criação de um cadastro nacional de famílias, que excluiria as uniões homossexuais. Aprovada, essa proposta colocaria em risco vários direitos dos casais gays, incluindo herança, pensão alimentícia e inclusão como dependente em plano de saúde e adoção.
Em entrevista concedida em 2015 a ZH, Ferreira disse que o casamento homoafetivo faz parte de uma "investida na desestruturação familiar" e mostrou preocupação com desdobramentos futuros: "Você abre uma janela para a adoção mais na frente. A criança não faz a escolha na adoção. E é um comportamento que você não sabe o dano psicológico que pode causar".