A Câmara dos Deputados da Argentina aprovou, nesta quinta-feira (14), projeto de lei que descriminaliza o aborto, em uma sessão que durou mais de 20 horas. No Brasil, o último embate de repercussão no Congresso ocorreu no ano passado, mas no sentido inverso ao tomado pelo país vizinho.
Uma Comissão Especial da Câmara votou em novembro o parecer de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que poderia pôr em risco formas de aborto previstas atualmente no país (o aborto só é permitido em casos de estupro e fetos anencéfalos ou para salvar a vida da gestante).
Originalmente, a PEC 181, de autoria do senador Aécio Neves (PSDB), tratava da extensão da licença-maternidade para a trabalhadora que tiver bebê prematuro. Mas, por influência da bancada evangélica, o relatório final do deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP) incluiu uma mudança no artigo primeiro da Constituição, enfatizando no texto "a dignidade da pessoa humana desde a sua concepção". Foram 18 votos a favor do parecer, todos de deputados homens, e apenas um contra, da única mulher. O texto ainda não saiu da Comissão Especial — não foram votados os destaques.
Para a ativista Maria Fernanda Geruntho Salaberry, membro do Coletivo de Mulheres da UFRGS, a decisão argentina deve ter um reflexo no Brasil, nem que seja para abrir mais o debate. Mas ela lembra que a pauta já aparece com muita frequência na política brasileira, tanto pró quanto contra o aborto, e se diz incrédula com relação à aprovação de algum projeto. Propostas encaminhadas nas últimas décadas para descriminalizar o aborto foram arquivadas no Congresso.
— De ambos os lados, se faz projetos, se faz um grande esforço, mas ninguém quer colocar a mão no fogo de verdade. Também é difícil ter uma bancada que aprove projeto que impeça aborto para mães que correm risco, por exemplo.
Allan Araújo, secretário-geral do Movimento Nacional Brasil sem Aborto, também considera improvável que a legalização do aborto ocorra via parlamento no Brasil. E, por isso, a pauta tem chegado recorrentemente ao Supremo Tribunal Federal (STF) — o que ele critica:
— Não é o fórum para discutir esse tipo de assunto, não cabe a eles legislarem.
O tema será discutido nos dias 3 e 6 de agosto em audiência pública convocada pela ministra do STF Rosa Weber. Os debates deverão auxiliá-la na elaboração de seu voto sobre a questão, que ainda não tem data para ser julgada.
Rosa Weber é relatora de uma ação protocolada no ano passado, na qual o PSOL questiona a constitucionalidade de artigos do Código Penal que preveem pena de prisão para mulheres que cometem aborto nos casos não autorizados por lei.
Em 2016, por maioria de votos, a Primeira Turma do STF decidiu descriminalizar o aborto no primeiro trimestre da gravidez. Seguindo voto do ministro Luís Roberto Barroso, o colegiado entendeu que são inconstitucionais os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto. O entendimento, no entanto, valeu apenas para um caso concreto julgado pelo grupo.
*Com agências