Eram 11h da manhã de uma terça-feira quando a costureira Andréia Villa, 40 anos, conduzia com tranquilidade o filho Lorenzo, três anos, por uma ciclovia de asfalto novo e flores. Quando interrompe o passeio para conversar com a reportagem, deixa o filho caminhando sozinho na calçada, imune a preocupações típicas de mães das cidades grandes. Diz que se sente feliz e segura onde mora, que não vê pobreza nem lixo no chão. À esquerda, uma visão panorâmica de prédios, casas e árvores. À direita, a fábrica da Tramontina. Ela está em Carlos Barbosa, na Serra, município com a melhor qualidade de vida do Rio Grande do Sul.
As famílias barbosenses produzem e retêm muita renda, a educação e as condições gerais de saúde são consideradas boas e a mortalidade infantil é baixa. Um tanto disso se deve à economia do município, movida pela força da indústria metalmecânica e pela agricultura de pequena propriedade.
O levantamento que posicionou Carlos Barbosa como líder no Estado é referente ao ano de 2015 e foi divulgado em março pela Fundação de Economia e Estatística (FEE), antes de a instituição ser extinta pelo governo estadual. Anualmente, a organização compunha o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese), feito para medir o nível de desenvolvimento dos municípios gaúchos – agora, a pesquisa está a cargo de uma consultoria privada.
O Idese avalia o próprio Estado e seus municípios com base em 12 indicadores, divididos em três grupos: educação, renda e saúde. O estudo estipula que "0" representa o pior cenário e "1", o padrão de países desenvolvidos. Não são levados em conta fatores como segurança, preços ou qualidade do atendimento.
Em 2015, ano de auge da crise econômica brasileira, o Idese geral do Rio Grande do Sul teve a primeira queda em nove anos, passando de 0,757 para 0,751. Na prática, a qualidade de vida do gaúcho piorou. Mas os municípios das áreas de colonização italiana e alemã em pequenas propriedades localizados no Norte e no Nordeste mantiveram os bons indicadores – é o caso de Carlos Barbosa.
São 14 escolas municipais (todas as salas têm ar-condicionado), seis estaduais de Ensino Médio e sete instituições de ensino privadas. Todos os estudantes podem usufruir do transporte escolar gratuito – para universitários, ônibus levam aos campi de outras cidades e cobram 10% da tarifa, cujo valor é revertido para um fundo de segurança e educação. No 5º ano do Ensino Fundamental, 84% dos alunos aprendem o necessário em português, enquanto que a média brasileira é de 50%, segundo a Prova Brasil.
Na saúde, a rede primária, focada em prevenir doenças, é o foco. Há cinco postos de saúde no interior e um grande no município, onde é possível agendar consultas pelo telefone e realizar de raio-X a acupuntura. Pessoas com dificuldade para acessar os serviços recebem transporte gratuito, assim como quem precisa realizar exames ou ser internado em hospitais de referência da região.
Ao caminhar pelas ruas de Carlos Barbosa, são grandes as chances de encontrar um morador que trabalhe, tenha trabalhado ou que conheça alguém ligado à Tramontina ou à Cooperativa Santa Clara, as duas empresas centenárias que mais empregam os barbosenses. É o caso de Andréia.
— As pessoas ficam pouco tempo sem emprego. Não precisa ter alta escolaridade. Eu tenho Ensino Médio completo e trabalhei durante 14 anos na Tramontina, só saí porque quis ter minha autonomia. Mas meu marido trabalha lá e muita gente vai porque ajudam a pagar a faculdade — diz Andréia Villa, logo após caminhar pela ciclovia-jardim mantida pela multinacional que emprega seu cônjuge e, no total, 28% dos 27.926 habitantes.
Em Carlos Barbosa, a história pessoal de cada pessoa se mistura à história das duas empresas. Além de gerar emprego e fazer a renda circular na região, ambas contribuem com a comunidade ao adotar espaços públicos, investir em ONGs ou oferecer incentivos a seus empregados.
— Praticamente todos os moradores do município têm algum envolvimento com essas empresas. A Tramontina e a Santa Clara têm importância grande, na renda, sobretudo, mas também têm um lado social muito forte. Elas são parceiras do município — sintetiza o vice-prefeito, Beto Da-Fré (PDT).
As pessoas ficam pouco tempo sem emprego. Não precisa ter alta escolaridade. Eu tenho Ensino Médio completo e trabalhei durante 14 anos na Tramontina.
ANDRÉIA VILLA
Costureira
Só a indústria é responsável por mais de 71% do retorno do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ao município – e a protagonista é a Tramontina. Sozinha, a multinacional é responsável, no segmento industrial, por 77,26% do retorno do ICMS. Em 2015, auge da crise, a empresa não demitiu ninguém, ao contrário: contratou 411 novos funcionários.
— Normalmente, por fatores extraeconômicos, a cidade na qual grandes empresas são sediadas é importante para os tomadores de estratégias. Há vínculos com a comunidade, como se a empresa fosse também vizinha dos moradores — diz Roberto Rocha, economista da FEE.
Além de batizar rua e escola, a Tramontina adota espaços públicos e ajuda a manter uma ONG, ao lado de outras empresas. Na prática, a companhia é vista como instituição benfeitora à população tão importante quanto o governo.
Aldair Constantino Nunes, 44, trabalha no setor de talheres da Tramontina há 25 anos. Ele simboliza o típico habitante de Carlos Barbosa: já trabalhou na Santa Clara, assim como sua mãe, mas entrou na Tramontina, junto com seus irmãos, seguindo os passos do pai, funcionário aposentado da firma.
O dinheiro da família Nunes rende. Apesar de não ter completado a faculdade, Aldair adquiriu, ao lado da mulher, a governanta Sirlei Barbosa Nunes, 43, uma casa de dois andares com cinco quartos, três banheiros e duas cozinhas, onde vivem com a filha, Gabriela, de 14 anos. A jovem estuda na escola municipal Elisa Tramontina e faz curso de inglês.
— Morar aqui é bom. Tem de trabalhar o marido e a mulher, mas a gente vive bem — diz o operário.
A Santa Clara, que vende leite e derivados, empregava 1.254 funcionários, ou 4,5% da população.
Além de ações voltadas à cidade, como a oferta de bicicletas para uso público no estilo BikePoa e um projeto de conscientização ambiental e alimentação saudável que já beneficiou 7,2 mil alunos desde 2016, a cooperativa estimula a agricultura de pequena propriedade. Em poucos hectares, cuidam-se de vacas cuja produção, inteira, é vendida à instituição.
Diego Baldasso, 34 anos, já atuou na Tramontina, quando era mais novo, mas optou por seguir os passos da família e se tornou a quarta geração a trabalhar na produção de leite. Hoje, ele toca o negócio ao lado do pai, de dois tios e do primo na Granja Margarida, onde 230 vacas vivem em 63 hectares. O clã leiteiro produz 3,7 mil litros ao dia, vendidos exclusivamente à cooperativa.
Baldasso não tem vida fácil: trabalha de segunda a segunda e acorda às 3h para ordenhar as vacas, manejo repetido no fim da manhã e da tarde, quando volta para casa. A rotina férrea só é quebrada em casos excepcionais — como em 16 de março, nascimento do filho, Teodoro, com a esposa, a cabeleireira e manicure Elisandra Baldasso, 32, com quem está junto há 18 anos.
— Tenho orgulho do que faço, é da família. E gosto muito de Carlos Barbosa, não trocaria por nada. Todo mundo conhece todo mundo, é uma cidade completa, limpa e organizada — resume.
Os índices
Educação 0,816 (8º)
Renda 0,925 (2º)
Saúde 0,894 (36º)
Idese 0,879 (1º)
População em 2015 27.926
PIB per capita R$ 66.824
*Em parênteses, a colocação no ranking dos municípios do Estado.
Os municípios com a melhor qualidade de vida do Rio Grande do Sul*
Carlos Barbosa 0,879
Água Santa 0,873
Nova Araçá 0,865
Aratiba 0,860
Nova Bassano 0,854
Rio Grande do Sul (geral) 0,751
*De acordo com o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese)
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