Passar trabalho até se passa, pois a lida no campo nunca é fácil, mas o suor traz retorno. Água Santa, no norte gaúcho, além de ser o segundo município com maior qualidade de vida segundo o Idese – o levantamento, referente ao ano de 2015, foi divulgado em março pela Fundação de Economia e Estatística (FEE) –, também alcançou a melhor avaliação do Rio Grande do Sul no quesito renda. Na prática, a população produz bastante riqueza com o seu trabalho ao mesmo tempo em que retém grande parte do dinheiro gerado.
O município de 3.859 habitantes, localizado a 57 quilômetros de Passo Fundo, é daquelas localidades simpáticas nas quais as ruas são sujas de terra vermelha, por onde rodam tratores e camionetas 4x4. Há pouquíssimas lojas, os rostos se repetem e os diálogos são pontuados por uma curiosidade comum:
— Mas vai na propriedade de quem?
Respondida a questão, a réplica é invariável:
— Ah, sim, conheço.
— Aqui, o pessoal é da colônia — diz, com sotaque arrastado, o empresário Luiz Henrique Ferreira, o "Mineiro", que veio há 14 anos de Uberlândia (MG) para administrar um dos poucos restaurantes locais. — Estou aqui desde que a cidade era pobre, mas ela começou a enriquecer com soja, frango e, agora, leite. É um lugar tranquilo, não tem pedinte, ninguém com tendência violenta, e é só agricultura mesmo.
Desde 2011, Água Santa conquista bom desempenho econômico (em 2013 também teve a melhor renda do Rio Grande do Sul). A economia é essencialmente agrícola, com 60% da população na área rural e a maioria das propriedades no modelo familiar. Mas o bom desempenho se deve sobretudo a três fatores: a população reduzida, o que beneficia no cálculo do PIB per capita; a alta produtividade da soja, que abastece outras cadeias; e a presença de empresas que asseguram o escoamento da produção, a redução de custos com transporte e a concorrência, gerando preços e assistência técnica mais atrativos.
— As propriedades produzem bastante em pouca área, então a produtividade fica acima da média do Estado. E a própria concorrência entre as várias empresas favorece o produtor, porque elas garantem a comercialização, ajudam no processo e levam informação e tecnologias — diz o prefeito Jacir Miorando (MDB).
Em 2015, o PIB per capita anual, um dos componentes avaliados pela FEE, foi de quase R$ 69 mil. A economia do município é puxada pela produção de aves (34% do retorno de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ao município), soja (33%), trigo (19,6%) e leite (7,1%).
O Idese ainda calcula, de forma atualizada, com base no Censo de 2010 do IBGE, a renda domiciliar per capita apropriada – ou seja, o dinheiro que as famílias retêm, envolvendo salários, investimentos e aluguéis recebidos. Na média, uma família de Água Santa faturava em termos nominais R$ 1.131 por mês, um dos rendimentos mais altos do Estado. Parece pouco? O valor médio, no Brasil, é de R$ 767. No Rio Grande do Sul, R$ 940. E, em Porto Alegre, R$ 1.722.
Quase metade do território de 291,9 quilômetros quadrados é destinada ao cultivo da soja. O preço do grão caiu em 2015, no comparativo com o ano anterior. Mas, para compensar, a produtividade por hectare subiu 5,7% no país, 14,1% no Estado e abençoados 27,3% em Água Santa, segundo a pesquisa Produção Agrícola Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O resultado desse alto rendimento é que o valor pago à produção cresceu 16,1% no município – bem acima do aumento de 7,1% no Brasil e de 12,4% no Estado.
— A cidade teria sido prejudicada pela queda no preço da soja não fosse a alta produtividade, uma combinação de investimento em tecnologia e clima favorável — diz Roberto Rocha, economista da FEE.
De fato, o agricultor Valter Dorini, 61 anos, e o filho, o agrônomo Vagner Dorini, 32, lembram de 2015 como um bom ano, enquanto conversam em uma roda de chimarrão na fazenda de 42 hectares localizada a 1,5 quilômetro do centro do município.
— Foi um ano ótimo, tivemos uma supersafra. Água Santa é um lugar extremamente rico porque o solo e o clima favorecem — explica Vagner.
Pai e filho reconhecem as vantagens de morar perto de grandes compradores de grãos, leite e aves, seja na própria Água Santa ou em cidades vizinhas, como Tapejara, Marau e Passo Fundo.
As empresas mais relevantes são JBS, BRF, Unibom, Italac, Agrodanieli, Agrocampo, Cooperativa de Água Santa (Coasa) e Cotrijal. Uma das famílias beneficiadas por esse cinturão é o clã Michelon, dono de três dos cerca de 140 aviários de Água Santa. Na propriedade de 17 hectares, eles criam 80 mil aves, alimentadas com ração e água que surgem de um efetivo sistema de encanamento com comedouros e bebedouros automáticos. As porções são disponibilizadas com o alerta de sensores, que controlam quando o nível de comida ou água está baixo.
O trabalho de Almeri, 55 anos, e do filho, o estudante de Medicina Veterinária Eliseu, 25, consiste em acompanhar o dia a dia das aves e realizar a manutenção dos galpões. Eles têm um contrato de exclusividade com a Agrodanieli – a empresa fornece os pintinhos e a ração e assegura a compra dos frangos, já crescidos, a cada dois meses.
— É tudo propriedade familiar, que nem a gente. É um lugar muito tranquilo. Não tem muita opção diferente de trabalho, mas quem quer, trabalha — define Eliseu.
Como o quesito renda foi avaliado no Idese
> Análise da renda apropriada: renda domiciliar per capita média, um levantamento dos rendimentos da família.
> Renda gerada: Produto Interno Bruto (PIB) per capita.
Os índices
Renda 0,930 (1º)*
Educação 0,786 (59°)
Saúde 0,903 (18º)
Idese 0,873 (2º)
PIB per capita R$ 68. 955,50
População 3.859
*Em parênteses, a colocação no ranking dos municípios do Estado.
Os municípios com melhor renda do Rio Grande do Sul*
Água Santa 0,930
Carlos Barbosa 0,925
Tupandi 0,907
Nova Bassano 0,902
André da Rocha 0,895
Rio Grande do Sul (geral) 0,739
*De acordo com o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese)
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