Não há hospital no município, apenas um único posto de saúde para todo mundo que vive em seu território. Mesmo assim, há quem tenha plano de saúde privado mas recorra primeiro ao Sistema Único de Saúde (SUS). A lista de espera para consultas básicas é quase inexistente – quando muito, o cidadão que liga é atendido no dia seguinte. E o secretário municipal da Saúde despacha direto do posto, uma escolha para ficar mais próximo à comunidade.
Bem-vindo a Nova Roma do Sul, a cidade com melhor saúde do Estado pela avaliação do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese), em levantamento referente ao ano de 2015 que foi divulgado em março. Pequeno município da Região da Uva e do Vinho, com 3.546 habitantes, Nova Roma do Sul é daquelas localidades da Serra encravadas na encosta de um morro onde todos se conhecem, a praça central abriga uma igreja católica e tudo se faz a pé, andando pelas suas poucas ruas. Sendo forasteiro, é natural vagar pela rua e atrair o olhar dos moradores.
Colonizada sobretudo por italianos, mas também por poloneses, suecos e russos, com economia baseada no cultivo da uva, Nova Roma alcançou bom desempenho em importantes índices avaliados pela Fundação de Economia e Estatística (FEE) para compor o Idese: os habitantes vivem muito (há 750 idosos no município, 21% da população), as grávidas têm grande adesão ao pré-natal (são apenas 30 nascimentos por ano) e as pessoas adoecem pouco – quando isso ocorre, os profissionais da saúde sabem o porquê.
A agricultora Cíntia dos Santos Pires, 30 anos, morando há quatro meses em Nova Roma com o marido e a filha adolescente, pretende cancelar o plano de saúde. Grávida de Enzo Gabriel, ela diz, com certo tom de admiração, que todas as consultas que realizou no município se desenrolaram com facilidade.
— Não tenho do que reclamar, todo mundo é atencioso, te trata muito bem e não tem demora. Quando fui a Caxias do Sul, o exame foi marcado pela médica (do SUS), o carro do posto me levou e ficou me esperando. Ainda por cima, vão me levar para conhecer a maternidade do hospital em Farroupilha. Vou reclamar do quê? Com meu plano, estou só gastando dinheiro — afirma.
O bom desempenho do município se deve a, sobretudo, dois motivos: primeiro, a cidade é pequena, então fica fácil atender a toda a população. Segundo, a atenção primária é fluida graças a um bem implementado Programa Saúde da Família (PSF), preconizado pelo SUS desde 1994 e efetivado por lá em 2009.
Com um mote "Prevenir é melhor do que remediar", a estratégia consiste em montar equipes multidisciplinares que atendem rotineiramente para evitar que a entrada no SUS seja direto na emergência de um hospital. Agentes comunitários, por exemplo, visitam mensalmente a comunidade para promover, prevenir e acompanhar, questionando sobre vacinas, estado de saúde e até mesmo a frequência da menstruação das mulheres.
O posto de saúde funciona 24 horas por dia. Ocorrem cerca de 1,3 mil consultas ao mês, agendadas por telefone – estatisticamente, é como se um terço da população passasse por ali mensalmente. A unidade é, na prática, um pronto-atendimento sem emergência: no caso de complicações leves, como viroses ou dores, o paciente fica sob observação por até 24 horas em um dos cinco leitos ou é levado de carro até a emergência de uma cidade vizinha.
— Quando preciso, sou atendida. Não tenho queixa nenhuma, né, nonno? — diz, com sotaque italiano, a agricultora Adelina Araldi, 73 anos, que fez uma cirurgia para colocar uma prótese no quadril e realiza três sessões de fisioterapia por semana no posto de saúde.
— Sì, ma como non? É nota 10 — responde o marido, o agricultor Jovelino Araldi, 77 anos, com quem Adelina toca um parreiral de 10,5 hectares no interior do município.
Roberto Panazzolo, que é o secretário municipal da Saúde, acumula o cargo de vice-prefeito – o que não o impede de trabalhar no posto de saúde.
Em 2015, o município investiu 19,5% do orçamento do ano na rubrica – quase 5% a mais do que o mínimo exigido pela Constituição.
— Cem por cento da nossa população é atendida. E sei o nome de 90% das pessoas — brinca Panazzolo. — Preciso estar aqui, próximo a todos. Assim entendemos o que as pessoas procuram para absorver as demandas. Em 2009, antes da implementação do Programa Saúde da Família aqui, falávamos que veríamos os resultados em 10 anos. Pois estamos vendo agora.
Como a população é pequena, os profissionais do posto conhecem o histórico dos habitantes ao longo dos anos, o que fortalece o vínculo e garante a adesão aos serviços do posto – por consequência, o cuidado com a própria saúde.
— Isso dá continuidade ao trabalho, diferentemente de cidade grande, onde em um dia você é atendido por um médico e depois por outro, que não se lembra de nada — diz a enfermeira e coordenadora da estratégia saúde da família do posto de Nova Roma do Sul, Michele das Neves Marini.
Michele não é de Nova Roma – veio de Pelotas há nove anos –, mas interage com todos com grande intimidade. Ao longo de um dia inteiro, ela guiou GaúchaZH na visita a casas de moradores da cidade. Em cada residência, questiona sobre a saúde dos anfitriões, relembra episódios passados e questiona até sobre os parentes.
É o caso da família Donida, que foi influenciada pela qualidade da saúde pública ao trazer de volta a Nova Roma, há três anos, a matriarca e agricultora aposentada Maria Luisa, 97 anos, que morava havia três décadas em Forquilhinha (SC) com um dos filhos. A nonna recebe a reportagem em uma casa situada em um grande terreno com um pátio repleto de flores, fontes d'água, cachorros e tartarugas, em uma decoração que remete a histórias de livros infantis.
Maria Luisa não tem problemas de saúde típicos de sua idade, como diabetes ou pressão alta. Seu único problema é o desgaste na cartilagem no joelho, que tirou sua força para andar. Muito observadora e senhora de poucas palavras, ela descreve a vez em que foi resgatada por uma ambulância do município devido a uma pedra na vesícula e levada para atendimento em Farroupilha.
— Eles têm modos — diz, balançando a cabeça, em referência aos seus benfeitores.
A neta, a comerciante Graciela Zanatta, 39, resume a relação da vó com a cidade.
— Ela queria muito voltar por causa das raízes. A senhora gosta daqui, né, nonna?
A senhora concorda, com o cenho franzido pelas marcas do tempo.
Como o quesito saúde é analisado pelo Idese
> Saúde materno-infantil: taxa de mortalidade com menores de cinco anos e número de consultas pré-natais por nascidos vivos.
> Condições gerais de saúde: taxa de mortalidade por causas evitáveis e proporção de mortes por causas não diagnosticadas.
> Longevidade: taxa bruta de mortalidade padronizada.
Os índices
Saúde 0,924 (1º)*
Educação 0,730 (218º)
Renda 0,837 (21º)
Idese 0,830 (16º)
População 3.526
PIB per capita R$ 43.935
*Em parênteses, a colocação no ranking dos municípios do Estado.
Os municípios com melhor saúde do Rio Grande do Sul*
Nova Roma do Sul 0,924
Nova Araçá 0,916
Santo Expedito do Sul 0,915
Barracão 0,914
Paraí 0,913
Rio Grande do Sul (geral) 0,817
*De acordo com o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese)
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