Uma campanha promovida pela prefeitura de Quaraí, na Fronteira Oeste, sobre planejamento familiar está gerando polêmica devido ao modo como aborda o tema. Intitulada "Só tenha os filhos que puder criar", a ação está presente em outdoors com a foto de uma criança triste acompanhada da seguinte frase: "Não tem condições emocionais, pessoais e econômicas? Pense bem antes de ter filhos! #AEscolhaÉSua".
A secretária municipal da Saúde de Quaraí, Fabiana Saldanha, se pronunciou sobre a polêmica em entrevista ao programa Gaúcha + nesta terça-feira (15). Conforme ela, o objetivo da campanha é chocar os moradores da cidade e, deste modo, incentivar o debate sobre planejamento familiar.
— O objetivo é esse mesmo (chocar). Todas as campanhas de planejamento familiar são muito sucintas. Elas não provocam a consciência de ser responsável pelas coisas. Queremos fazer com que as pessoas reflitam sobre essa grande responsabilidade que é colocar alguém no mundo — explica.
A campanha, que foi lançada em novembro de 2017, não teve grande repercussão à época. Contudo, a postagem de uma usuária do Facebook no último dia 6 mostrando um outdoor da ação ganhou repercussão nacional e alcançou mais de 120 mil compartilhamentos. Um dos grandes pontos da polêmica é o fato de a campanha aconselhar, entre outros pontos, pessoas "sem condições financeiras" a repensar sobre ter filhos, o que levou a interpretações de que a prefeitura estaria recomendando que famílias de baixa renda não tivessem bebês. Para a prefeitura, a campanha não estimula o preconceito:
— Todos nós somos responsáveis por essa discussão. O planejamento familiar não é tratado como deveria. Não é só questão de pobre poder ter filhos. Tem a questão emocional... Eu acho que essa é uma discussão necessária e o nosso prefeito é médico, sempre teve essa preocupação. A gente sempre focou em projetos que venham a ter resultados positivos. Então também temos que ter essa preocupação com o amanhã. Já foi o tempo em que diziam que onde come um comem dois. Um filho requer atenção — afirma.
Localizada a 600 quilômetros da Capital, Quaraí possui população de pouco mais de 23 mil habitantes, conforme dados do Censo IBGE 2010. A secretária de Saúde afirma que algumas famílias do município possuem até oito filhos.
Além da campanha publicitária, Fabiana diz que a prefeitura realiza rodas de conversas com jovens e gestantes em escolas para tratar sobre a importância de métodos contraceptivos e planejamento familiar. Outra ação do município é disponibilizar procedimentos de vasectomia.
— Também é feito um trabalho de conscientização com homens e mulheres. A campanha não está direcionada somente à mulher. Hoje, oferecemos vasectomia. O casal pode escolher — acrescenta.
Importante gerar o debate
Em uma avaliação superficial (sem considerar outras possíveis ações paralelas à publicidade) das peças usadas na campanha de planejamento familiar em Quaraí, na Fronteira Oeste, quem lida com o tema no dia a dia e gosta de discuti-lo não se ateve às frases expostas nos outdoors. Médica ginecologista e obstetra do TelessaúdeRS-UFRGS, Ellen Machado Arlindo não reconhece nenhuma abordagem eticamente equivocada na iniciativa da prefeitura e entende que o alvoroço nas redes pode ser bem aproveitado. Para ela, o tema deve ser discutido sem tabus entre homens, mulheres e profissionais da saúde, e a polêmica pode instigar mais oferta de informações sobre planejamento familiar e sobre responsabilidade.
— Se a campanha é agressiva ou não é uma interpretação muito pessoal, mas o importante é que gere um debate e lembre que as decisões sobre contracepção devem ser compartilhadas entre pacientes e médicos e que muitos não têm acesso à informação e nem têm disponível todo o universo de assistência — diz a médica, ressaltando que o TelessaúdeRS-UFRGS lançou, no começo de abril, um novo protocolo sobre planejamento familiar, disponível na plataforma do serviço.
Professor da Faculdade de Medicina da UFRGS e médico de família, Marcelo Gonçalves entende a intenção da campanha, mas suspeita que, da forma como o tema foi abordado, tenha ficado a impressão de que planejamento familiar é uma responsabilidade somente da população. Ele pondera que é inevitável colocar na mesa de discussões não só as famílias, mas o poder público, que tem o dever de ofertar adequadamente educação, informação e recursos para colocar esses planos em prática.
— É uma conjunção de responsabilidades. Precisamos saber como está a oferta de métodos contraceptivos na rede pública, por exemplo. Saber como é a oferta de métodos de educação em planejamento familiar. Tem todo o restante — avalia.
Apoio por telefone aos profissionais da saúde
No meio dessa polêmica, Gonçalves lembra que nesta terça-feira (15) foi retomado o serviço de apoio clínico para profissionais da saúde via TelessaúdeRS-UFRGS, em que médico, enfermeiros e outros agentes podem tirar dúvidas que surgem durante os atendimentos, incluindo temas ligados a planejamento familiar e métodos contraceptivos. O serviço havia sido suspenso em 2017 em âmbito nacional. O atendimento é feito pelo número 0800-644-6543, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h30min. Informações: www.ufrgs.br/telessauders.