A recente alteração no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que ampliou penas para motoristas bêbados que causarem mortes, não colocou fim a uma discussão jurídica recorrente: o enquadramento dos casos como homicídio culposo (quando não há intenção e não se assume o risco de matar) ou homicídio com dolo eventual (quando o motorista aceita o risco de produzir a morte). A interpretação do juiz Luis Antônio de Abreu Johnson é de que a mudança na legislação, que agravou a punição para o crime culposo, não exclui a possibilidade de o motorista responder por homicídio doloso, mais especificamente por dolo eventual, cujas penas são maiores.
Segundo o magistrado, que é diretor do Foro de Lajeado, as autoridades policiais e o Ministério Público devem considerar elementos como a gravidade do crime de trânsito e a postura do condutor para decidir se se trata de um crime culposo ou doloso.
— Em casos graves de homicídio de trânsito praticado pelo agente embriagado, em circunstancias em que está com o dobro do limite de álcool permitido em lei, fuga do local do acidente, carteira de habilitação suspensa ou com proibição do direito de dirigir, pode ser reconhecido o dolo eventual e o condutor responder junto ao Tribunal do Júri. Em resumo, as circunstâncias do fato vão ditar se foi um homicídio culposo ou doloso — afirma.
O juiz lembra que, para algumas situações, se não for reconhecido o dolo eventual, penas mais leves do que antes serão aplicadas. Isso porque a nova lei ampliou as penas para cinco a oito anos de prisão para homicídios culposos causados por condutores embriagados. Entretanto, quando o homicídio é considerado doloso, as penas sobem para um mínimo de seis a 20 anos de prisão - podendo aumentar se houver qualificantes. O magistrado admite ainda que a interpretação final sobre essa questão passará pelos tribunais superiores.
— Há uma interpretação sendo feita de que, com a nova lei, acabou o dolo eventual. Porque a lei diz que é culposo e a pena aumentou. Eu penso que não, que o dolo eventual persiste e pode ser reconhecido. Haverá decisões de primeiro grau e a jurisprudência, a partir dos tribunais e do Superior Tribunal de Justiça, vai fazer a interpretação final — salienta, acrescentando que haverá um período de insegurança jurídica.
A interpretação de Johnson diverge daquela feita por outro especialista ouvido por GaúchaZH. Para o promotor criminal gaúcho Ioannis Fedrizzi Petalas, a lei nº 13.546/17, que entrou em vigor no dia 19, é um "tiro no pé". Para o promotor, a nova lei impede que motoristas bêbados que causarem mortes sejam julgados por homicídio doloso.