Dois anos depois de ter sido dopada e submetida a medicação abortiva pelo então namorado, Beatrice Caurio, 22 anos, decidiu falar publicamente sobre o assunto pela primeira vez. Em uma postagem de 112 linhas na sua página pessoal no Facebook, a jovem de Rio Grande, no sul do Estado, contou detalhes do "pior dia de sua vida", concluindo com o apelo: "Nunca diminuam as vítimas de violência, apoiem elas."
De acordo com o relato de Beatrice, no dia 6 de fevereiro de 2016, grávida de 20 semanas, ela foi até a casa do então namorado, Lucas Czarneski Severo, que havia lhe prometido "uma surpresa". Quando os dois estavam deitados na cama, sem que ela visse, ele teria lhe aplicado uma injeção — que mais tarde descobriria ser Dormonid, uma droga indutora de sono. Ela diz que tentou deixar o apartamento, mas apagou. Acordou estirada na cama, nua. "Eu tentava gritar, pedir socorro, ajuda, tentava de alguma maneira fugir daquele inferno. Mas eu não conseguia mover um dedo. Era como se eu estivesse presa dentro do meu próprio corpo e só eu ouvia os meus gritos. Naquela noite acordei várias vezes nesse estado, ou então engasgada com remédios que ele enfiava na minha garganta", grafou a jovem.
Dezesseis horas depois de ter sido sedada, ela conseguiu se levantar e, após pedir várias vezes para ir no banheiro, o então namorado teria aberto a porta do quarto. Ela conta que saiu correndo e pediu ajuda aos familiares do homem, sendo levada por ele para o Hospital Universitário. "Entrei no centro obstétrico com a ajuda das enfermeiras. Juntei todas minhas forças e disse: 'Eu tô grávida de cinco meses, meu namorado me injetou um negócio e eu não sei o que é, eu to com muita dor, por favor alguém me ajuda'. Não lembro de tudo que ocorreu depois...".
Na sequência, a equipe do hospital detectou comprimidos intravaginais e iniciou uma lavagem, conseguindo salvar o feto.
Beatrice ficou cinco dias hospitalizada, e, com o sistema digestivo debilitado em razão do episódio, acabou emagrecendo dez quilos. Arthur nasceu 10 semanas antes do previsto, com uma má formação rara, chamada aneurisma da veia de Galeno, além de problemas no coração e na artéria pulmonar. Não é possível comprovar que foi em função da tentativa de aborto.
Na rede social, a jovem ainda falou sobre o medo de encontrar o ex-namorado na rua — ele foi preso em flagrante, mas conseguiu um habeas corpus ainda em 2016 — e alertou: "Violentador de mulher não tem jeito ou cara", afinal passou três anos com o acusado, que não tinha passagens pela polícia e cursava Psicologia na época. Também pediu para as pessoas pensarem bem antes de publicar suas opiniões nas redes sociais. Magoaram-lhe os comentários de desconhecidos que procuravam nela a culpa pelo crime.
"É a luz da minha vida", diz Beatrice sobre o filho
Hoje o Arthur tem um ano e nove meses. O nome foi escolhido na preparação para o parto: depois de mostrar tanta garra para sobreviver, ele merecia um nome de rei. O menino é definido pela mãe pelo jeito sapeca e risonho. Quando fica uma hora longe dele, o coração já aperta.
— É a luz da minha vida — deleita-se.
Arthur não é filho de Lucas. É fruto de um relacionamento que teve enquanto o casal estava separado. Mas, de acordo com Beatrice, em razão de um ultrassom que saiu com a data errada, à época, Lucas acreditava que fosse seu.
Em entrevista por telefone para GaúchaZH, Beatrice conta que, nos últimos meses, dedicou todo seu tempo ao pequeno e às muitas consultas que as condições de saúde do bebê exigem. Nela, não ficaram danos físicos — mas faz terapia, e admite que fica extremamente desconfortável quando algum homem senta ao seu lado no ônibus.
A jovem decidiu falar dois anos depois do crime porque queria contar a sua versão sobre o que aconteceu — logo após o episódio, a família insistiu que ficasse longe das redes sociais.
— Quero alertar as pessoas que esse tipo de coisa acontece, e não é fechando os olhos que vai ser evitado.
Ela se diz ansiosa para "voltar a ter uma vida normal". Neste semestre, vai retomar o curso de Enfermagem. Entretanto, segue com o sentimento de frustração.
— Quem comete um ato hediondo não sofre consequências, enquanto eu e minha família sofremos há dois anos. Nós é que vivemos num regime fechado — diz ela, relatando que evita ir a lugares onde acha que pode encontrar o ex-namorado.
GaúchaZH ligou para o escritório do advogado de Lucas, mas não obteve retorno até a publicação dessa matéria.