Os recentes casos de pedofilia em Porto Alegre deixaram os pais preocupados. Em poucos dias, três situações vieram à tona: o estudante de Medicina encontrado com um notebook com mais de 12 mil imagens de crianças e adolescentes, o homem de 62 anos preso em flagrante no último sábado por abusar sexualmente de uma menina de cinco anos em um supermercado e o carteiro indiciado por abusar de quatro adolescentes.
Em grupos de WhatsApp, muitos pais passaram a compartilhar não apenas as notícias, mas também alertas e conselhos que ajudam a proteger seus filhos. Um dos conteúdos compartilhados é um guia produzido pelo Comitê Econômico e Social Europeu para uma campanha de combate à violência sexual contra crianças.
Para a psicanalista Luciana Wickert, o guia é uma forma importante para falar com crianças pequenas e ensiná-las que são donas dos próprios corpos. Quando os pais respeitam a vontade das crianças e não as forçam a beijar e abraçar estranhos ou até mesmo conhecidos, por exemplo, eles estão mostrando que elas não devem e não precisam aceitar contatos físicos indesejados ou inadequados.
Mesmo que o tema sexualidade seja delicado – e ainda considerado um tabu –, é fundamental para os pais quebrarem o silêncio com os filhos. Especialistas consultados por GaúchaZH destacam a importância de falar com tranquilidade sobre o assunto, pois o abuso sexual e a pedofilia fazem parte do mundo onde vivemos.
— Alguns adultos evitam falar sobre sexualidade, porque não sabem como abordá-la ou porque imaginam que falar irá despertar precocemente uma criança para o tema. É claro que uma adequação de linguagem se faz necessária, mas o silêncio pode deixar crianças e adolescentes à mercê da ignorância, e toda ignorância é perigosa — diz Luciana.
Pais costumam negar-se a falar sobre o tema
Nem todo abuso é físico. Submeter uma criança a assistir filmes pornográficos também é um tipo de abuso. Além disso, hoje em dia crianças e adolescentes estão muito expostos a contatos virtuais:
— É preciso falar abertamente sobre os riscos de fotos e vídeos enviados e recebidos na internet — alerta Luciana.
Denise Quaresma da Silva, psicóloga e professora do programa de pós-graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social da Universidade Feevale, salienta que a educação sexual é a ferramenta mais importante de prevenção.
— A criança precisa entender que o ato sexual ou o toque sexuado com outra pessoa é uma promessa para o futuro. Acontecerá quando ela crescer e será muito bom — pontua Denise. — Devemos falar do prazer sexual, para que a criança não crie a impressão de que o sexo será sempre ruim. Não podemos ensinar sexualidade com medo.
Segundo a psicóloga, muitos pais negam a sexualidade dos filhos e não creem que o abuso possa ocorrer com eles, por isso acabam não falando sobre o tema, temendo assustar, causar algum trauma ou despertar a sexualidade da criança. Nos casos em que há abuso, a melhor forma de ajudar é fazer com que o(a) filho(a) entenda que foi vítima:
— Auxiliamos a criança a entender que ela não provocou ou despertou o desejo do abusador, que seu segredo precisa ser compartilhado para dividir a dor e que não deve ter vergonha ou medo, pois (ela) está sendo amparada. Infelizmente, as crianças sabem que este tema é tabu, pois percebem isto na cultura familiar e por isso se calam quando ocorre, e o segredo favorece ao abusador a seguir abusando.
Conversa de pais para filhos
Veja regras do Aqui Ninguém Toca, guia produzido pelo Comitê Econômico e Social Europeu que integra a campanha Uma em Cinco, de combate à violência sexual contra as crianças. O nome da campanha faz referência ao fato de que, na Europa, uma a cada cinco crianças são abusadas.
O teu corpo é só teu
— É preciso ensinar às crianças que elas são donas do próprio corpo e que ninguém pode tocá-lo sem autorização. Os pais devem conversar com as crianças, ainda enquanto pequenas, sobre sexualidade e as partes íntimas do corpo, dando os nomes corretos para os órgãos genitais e outras partes.
Contato físico bom e contato físico mau
— É preciso ensinar às crianças que elas não devem aceitar que os outros as vejam ou toquem nas partes íntimas de seu corpo ou que peçam para ver ou tocar nas partes de outra pessoa. Os pais devem explicar aos filhos que, em certas situações, alguns adultos – como os educadores, os próprios pais ou os médicos – podem precisar tocá-los. No entanto, as crianças, sempre que se sentirem incomodadas, devem ser encorajadas a dizer não.
Segredos bons e segredos maus
— O segredo é a principal tática dos agressores. Por isso, é importante ensinar a diferença entre segredos bons e segredos maus e criar um clima de confiança. Todos os segredos que geram ansiedade, desconforto, medo e tristeza não são bons e não devem ser guardados. Pelo contrário, devem ser contados a um adulto de confiança (pais, professores, polícias, médicos).
Prevenção e proteção - responsabilidade dos adultos
— Quando sujeitas a abusos, as crianças sentem vergonha, culpa e medo. Os adultos devem evitar criar tabus sobre a sexualidade e garantir que as crianças sabem a quem se dirigir se estiverem preocupadas, ansiosas ou tristes. Elas devem sempre sentir que podem falar com os seus pais sobre este assunto.
Informar e divulgar
— As crianças devem ser encorajadas a selecionar adultos em quem possam confiar e que estejam dispostos a ouvir e ajudar. Desse círculo de confiança, apenas um membro deve viver com a criança, o outro não deve fazer parte do núcleo familiar.
Agressores conhecidos
— Na maior parte dos casos, o agressor é uma pessoa que a criança conhece. É difícil para uma criança pequena perceber que uma pessoa conhecida pode abusar dela. Lembre-se que os agressores utilizam estratégias de aliciamento para ganharem a confiança das crianças. Em casa, a regra de ouro para as crianças deve ser contar aos pais sempre que alguém oferecer presentes, pedir para guardar segredos ou tentar passar tempo com elas a sós.
Agressores desconhecidos
— Ensine aos seus filhos regras simples sobre o contato com estranhos: nunca entrar num carro com um desconhecido nem dele aceitar presentes ou convites.
Ajuda
— As crianças devem saber que existem profissionais que os podem ajudar – professores, assistentes sociais, médicos, psicólogo da escola, polícia – bem como linhas de ajuda para as quais as crianças podem ligar para pedir conselhos.