Nos últimos dois meses e meio, Nilce de Oliveira Vieira, 81 anos, ficou em uma situação inédita: pela primeira vez desde que tirou a carteira de motorista, coisa de quase 50 anos atrás, ela se vê impossibilitada de dirigir. A culpa é de um problema no Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran-RS), que vem atrasando, pelo menos desde o mês de maio, a renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de categorias especiais – aquelas destinadas a pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida, como Nilce.
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Em abril, com a carteira prestes a vencer, a aposentada passou por todos os processos de renovação junto ao Centro de Formação de Condutores (CFC), até ser conduzida à Junta Médica Especial do Detran, etapa final do processo que avalia a gravidade e evolução da lesão do condutor. O problema é que, nesse ponto, a renovação travou. E vem sendo assim com mais condutores que precisam passar pelo mesmo processo.
O Detran-RS não divulga o número total de pessoas na fila, mas reconhece o problema e admite que os atrasos estão se agravando desde maio. De acordo com a autarquia, os 360 atendimentos mensais que a Junta Médica Especial realizava até junho deste ano passaram a não dar mais conta da busca por laudos, o que levou a entidade a aumentar as consultas para 440 por mês. Ainda assim, a fila continua crescendo acima disso, dificultando a situação de motoristas com carteira especial que precisam pedir pela primeira vez ou renovar o documento.
– Ligo para lá quase diariamente desde maio e me dizem que não estão agendando o atendimento. Enquanto não me chamam, faço o quê? Reclamo para quem? – questiona a aposentada.
Descontos na compra de veículos
Diretor técnico do Detran-RS, Mauro Delvaux explica que os últimos meses vêm sendo de procura "acima do normal" por atendimentos na Junta Médica Especial da autarquia, mesmo por motoristas com carteira longe da data de vencimento ou sem qualquer tipo de deficiência. O diretor afirma que médicos dos CFCs relatam que o aumento teria sido causado por maior publicidade dos benefícios que esse tipo de carteira especial dá aos condutores, como descontos na compra de veículos novos:
– Muitas pessoas começaram a procurar a Junta em busca de um laudo, que é aceito pela Receita Federal e pela Secretaria da Fazenda para conseguir essas isenções. Esses órgãos aceitam laudos de outros meios, mas também do Detran. O normal seria o condutor vir renovar sua carteira, passar pelo médico e receber o laudo. Com essa questão das isenções, as pessoas vêm um ano, dois anos antes de vencer a carteira, só para ter o documento. Não estão buscando um serviço, estão buscando um laudo. Desviaram a finalidade da Junta, que é dar habilitação para dirigir.
Não há estimativa para tempo de atendimento
A procura aumentou em 2017: se a média de condutores de Porto Alegre encaminhados às juntas médicas era de 92 por mês em 2016, no primeiro trimestre deste ano, este número cresceu para 120 por mês, em média.
A quantidade ainda é distante das 440 vagas disponibilizadas por mês pela autarquia, mas esses atendimentos precisam incluir condutores com inaptidão temporária (que precisam voltar à Junta depois de um tempo ou após realizar exames) e condutores de outras cidades do Estado que são encaminhados para Porto Alegre – os números gerais do Estado mostram que as solicitações para encaminhamento à Junta também cresceram fora da Capital. Além de Porto Alegre, outras seis cidades do Estado oferecem o serviço – Santa Maria, Santo Ângelo, Pelotas, Alegrete, Passo Fundo e Caxias do Sul –, mas todas com menos turnos de atendimento do que na Capital.
A autarquia não tem estimativa de quantas pessoas estão atualmente na fila para serem atendidas nem o tempo médio que o condutor vem demorando para conseguir agendar a consulta.
Sem carteira, multa e outras penalidades
Em condições normais, o Detran-RS avalia que o condutor encaminhado para a Junta deve ter seu atendimento agendado para até o mês seguinte – no caso de Nilce, o prazo já passa do dobro. Para amenizar a situação, a entidade tomou medidas internas: além de disponibilizar vagas extras de atendimento, deve passar a exigir que o condutor que for encaminhado à Junta Médica Especial tenha de assinar um termo declarando estar ciente de que o laudo tem como finalidade avaliar se o motorista está apto para dirigir. O documento deve ser assinado ainda por um diretor de ensino ou diretor-geral do CFC.
Outra medida, que deve começar a funcionar até 25 de agosto, de acordo com Delvaux, dá conta de que condutores com lesão estável, como uma amputação, não precisem passar pelo departamento toda vez que forem renovar a carteira.
Enquanto isso, porém, o Detran é taxativo: dirigir com a carteira vencida dá multa de até R$ 293,47, recolhimento da carteira e retenção do veículo.