TEXTO: DÉBORA ELY
IMAGENS: ANDRÉ ÁVILA
Estudantes, trabalhadoras, mães de família. No trabalho, na sala de casa, caminhando na rua. Em um ônibus em Nova Délhi, no campus de uma universidade de elite americana, entre as árvores da Redenção. O estupro não escolhe vítimas, local, classe social, nacionalidade. Todas as mulheres, de todas as idades, estão expostas a um tipo de violência que nem sempre produz marcas evidentes no corpo, mas nunca acontece sem deixar cicatrizes.
Por mais diferentes que sejam as personagens e os cenários onde os crimes acontecem, os desdobramentos costumam ser muito parecidos: o agressor vai negar o crime, acusar a vítima – e, no Brasil, possivelmente continuar livre.
Em Porto Alegre, a cada 36 horas, um caso de estupro de uma mulher adulta é registrado na polícia. Foram 244 em 2015. Mas uma estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) diz que nove a cada 10 vítimas de violência sexual nunca chegam a denunciar seu agressor – por vergonha, por medo ou simplesmente porque acreditam que a denúncia não vai dar em nada. Ou seja: é possível que as estatísticas sejam ainda piores. É possível que, na Capital, ocorra um abuso a cada três horas e meia.
Já as investigações e a punição marcham em outro ritmo. No ano passado, a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher – a mais habilitada para o combate a esse tipo de violência, mas não a única – concluiu 25 inquéritos. Um dos casos era de abril de 2011.
Durante um mês, Zero Hora debruçou-se sobre as investigações finalizadas em 2015 para reconstruir a história vivida pelas vítimas e o desfecho dos episódios denunciados. A amostra reforça a percepção de que a impunidade retroalimenta a cultura do estupro. Dos 19 homens indiciados, nove chegaram a ser presos, mas somente dois agressores estão na cadeia – um deles, por tráfico de drogas. Cinco mulheres retiraram a denúncia.
– É muito penoso para uma vítima dar prosseguimento a um processo de estupro. Se já é difícil conseguir lidar com todas as fragilidades que a violência acarreta, a falta de uma resposta do ordenamento jurídico prejudica ainda mais. A partir do momento em que não há prisões, não há condenações ou não há uma punição por aquele ato, a sanção acaba sendo somente da vítima – observa a delegada adjunta da Mulher na Capital, Tatiana Bastos. – Na verdade, a mulher é sempre penalizada, porque somente ela sofre com o trauma. Na tentativa de buscar uma reparação do Estado e uma penalização do agressor, muitas vezes não a tem.
LEIA ABAIXO OS CINCO CAPÍTULOS DA REPORTAGEM
> O TERROR DESCONHECIDO
Em cinco dos 25 casos que tiveram inquérito concluído, as vítimas foram atacadas por homens que nunca haviam visto na vida.
> O TERROR CONHECIDO
A violência doméstica é uma tônica nos episódios de estupro. Em nove casos, o agressor era um familiar
> AS DENÚNCIAS RETIRADAS
A cena não é incomum: mulheres aparecem para acusar o marido ou o ex-companheiro. Algum tempo depois, pedem para encerrar as investigações
> UM ÚNICO PRESO
Dos 19 indiciados, nove chegaram a ir para a cadeia, mas só um continua atrás das grades por conta de estupro
> VIOLÊNCIA SEM SEXO
Em quatro dos casos, não chegou a haver relação sexual forçada, mas desde 2009 a definição do que se considera estupro está ampliada no Código Penal